Afif mostra receita ao país para derrubar inflação

24 de outubro de 1988
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O empresário paulista Guilherme Afif Domingos era um desconhecido fora de seu estado até as eleições de 1986. Eleito deputado federal com uma das maiores votações do estado, o ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo colocou-se dentro da Constituinte como um defensor da livre iniciativa e como um representante do empresariado. Virtual candidato de seu partido, o PL, à Presidência da República, Guilherme Afif Domingos apresenta-se como um “projeto alternativo’’. “O resultado da eleição presidencial pode ser uma surpresa’’, diz ele. ‘‘O projeto novo pode ser absolutamente viável”

Na última terça-feira, Afif Domingos esteve em Curitiba a convite da Associação Comercial do Paraná para falar a empresários do estado. Ao empresariado e à imprensa, o deputado mostrou suas ideias: a certeza de que os itens da nova Constituição que dificultam a entrada do capital estrangeiro reverterão em atraso para o país e a dúvida quanto ao verdadeiro valor das novidades introduzidas no campo trabalhista.

ESTADO CORRUPTO – Guilherme Afif Domingos é direto ao afirmar que o estado brasileiro é anacrônico e corrupto e essa sua estrutura é a verdadeira causa da inflação. Como postulante ao papel de candidato à Presidência da República, ele apresenta seu projeto para combater o processo inflacionário — um choque sobre o déficit público, através da redução do braço do estado. Um choque que vai causar desemprego no setor público, reconhece. E como todo choque nestes moldes vem acompanhado de recessão, o deputado complementa que ele deve ser dosado com ingresso de capital externo. Essa postura não entra em conflito com a Constituição? ‘‘Foi por isso que os parlamentares aprovaram a reforma constitucional para 1993 por maioria absoluta”, responde o deputado Afif Domingos. “Vai nos dar condições de, politicamente, ir promovendo alterações a medida que a nação se manifeste, num processo contínuo e permanente”.

GAZETA DO POVO: O senhor tem afirmado que no Brasil a polarização politica não é entre a esquerda e a direita, mas entre o moderno e o antigo. Por que?

AFIF DOMINGOS: Veja, eu acho que uma elite política, acompanhando algumas elites da sociedade, continua defendendo para o Brasil o modelo econômico baseado no corporativismo. Isto era um modelo moderno e ideal há 50 anos.

Esse corporativismo está na nova Constituição?

A constituinte acabou por consagrar este modelo. Ela foi muito corporativa, sem levar em conta que o Brasil vive hoje uma crise por causa do modelo do estado brasileiro que continua o mesmo de 1930. Quem tem ido a Europa tem sentido de perto o que é a preparação do velho continente para o seu projeto de modernidade, que será implantado efetivamente em 1992. E nós o que fizemos diante do quadro mundial, onde até a União Soviética muda de postura e quer atrair investimentos estrangeiros. Enquanto eles estão se abrindo para receber recursos nós adotamos um discurso que parece um bolero da década de 40: “Não tragam dinheiro; não tragam tecnologia, nós temos que ser um país autônomo tecnológica e culturalmente”. Quer dizer, nada mais defasado do que este discurso neste momento.

Até a década passada fala-se em atrair capital estrangeiro para financiar a industrialização do país. É essa a finalidade que o senhor vê para ele?

Se o desenvolvimento foi numa primeira etapa industrial no Centro-Sul, na segunda etapa ele deveria acontecer no setor primário no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Essa é uma tese que eu trago do meu curso de pós-graduação na Rua 25 de Março, em São Paulo, a rua do comércio atacadista de armarinho. Quando a agricultura vai bem o comércio limpa a prateleira e quando o comércio limpa a prateleira não existe capacidade ociosa na indústria. Essa é uma grande verdade: o comércio interno do Brasil é altamente dependente do desempenho da agricultura. E quando nós vemos que, apesar do governo e da crise que nós estamos vivendo, há cidades e regiões inteiras do país que não conhecem crise, entendemos que é um processo totalmente natural devido ao enorme potencial do país.

O que os empresários que pensam como o senhor estão esperando como resultado do modelo econômico proposto pelo texto constitucional?

O choque de mentalidade vai acontecer de qualquer modo, de qualquer maneira no ano que, vem. No ano que vem porque essas regiões que não se desenvolveram ainda vivem da síndrome do estado, da dependência dos recursos, do estado, da teta do estado. É um processo político perverso porque as regiões Sul e Sudeste têm 266 parlamentares. Só que no primeiro caso são 292 parlamentares para 23 milhões de eleitores e o Sul e Sudeste tem 266 parlamentares para 43 milhões de eleitores. A eleição presidencial postergada sempre deu uma prevalência no âmbito político de controle do estado brasileiro às regiões que vivem do estado. O Sul e Sudeste não tiveram esta mesma proporção em termos de participação no eixo de decisão.

Então o senhor coloca a eleição presidencial como o meio para trazer maior participação para o Sul e Sudeste no âmbito federal, mesmo porque a maioria dos prováveis candidatos é daqui.

Não só isso, mas também a possibilidade de mudar o modelo antiquado que subsiste no Brasil. Um dado interessante que precisa ser analisado é que a última eleição presidencial, em 1960, foi num colégio eleitoral de 11 milhões de eleitores. Na eleição do ano que vêm votará um colégio de 80 milhões de eleitores. Supondo que dos 11 de 1960, metade não vota mais porque faleceu ou porque está numa idade avançada, você vai ter cinco milhões e meio sobre 80 milhões o que significa que 94% dos brasileiros nunca votaram a presidente. É uma geração inteira afastada desse processo. Esse é o perfil do eleitorado brasileiro que quer um compromisso com o futuro e não com o passado, portanto, a oportunidade do país está aí.

Mas o novo presidente terá que obedecer a Constituição. Quer dizer as mudanças que ele pretenda fazer no modelo de estado não podem contrariar o modelo proposto pela Constituição.

Exatamente. E foi por isso que os parlamentares aprovaram a reforma constitucional para 1993 por maioria absoluta. Estabeleceu-se que qualquer alteração no texto constitucional precisa de quórum de 3/5 e não mais de 2/3. Não é um quórum tão rígido, o que vai nos dar condições de, politicamente, ir promovendo alterações a medida que a nação se manifeste, num processo contínuo e permanente.

Entre os nomes já lançados para concorrer a presidência da República também existe isto que o senhor chama de polarização entre o antigo e o moderno?

Quase todos eles representam o modelo do século XX e a nação está preocupada com o projeto do Brasil no século XXI. Há um conflito entre o perfil do eleitorado e o perfil dos candidatos. Isso revela que o resultado da eleição presidencial pode ser uma surpresa. O projeto novo pode ser absolutamente viável; não é correto dizer que um nome novo não é viável porque tem gente na fila há 30 anos

O senhor se coloca como um projeto alternativo?

Se nós nos lançarmos como um projeto alternativo, temos chance assim como outros que se Iançarem em projetos alternativos. O fundamental no que estou dizendo é que os projetos novos vão mais de encontro a expectativa dos eleitores do que os que já foram apresentados.

O senhor vai ser candidato?

Posso ser. E acho importante que outros nomes de minha geração animem-se a participar. Veja é preciso renovação porque o Brasil tem problemas que só um governo novo pode combater. Logicamente nós vamos caminhar para um processo de choque. Mas não os choques que nós tivemos até hoje. Não vejo probabilidade de no governo Sarney termos alguma mudança profunda no rumo das coisas. Porque para atacar as causas o governo precisa ser forte politicamente e o governo está comprometido até a medula com a estrutura da crise brasileira, que é sinônimo de crise da estrutura do estado. Ou seja, o mecanismo dirigente do estado, hoje, jamais vai meter a tesoura em cima da área onde seus interesses estão assentados. Por isso esse fenômeno de transferência da responsabilidade sobre a situação inflacionária para a nação. E a crise não está na nação brasileira; a crise está na estrutura do estado e em quem vive no estado ou do estado, inclusive uma boa parcela do empresariado que, viciado no corporativismo, vive amarrado nas tetas governamentais.

Em sua opinião, o que se vê hoje vai continuar por mais um ano, sem perspectivas de melhoras ou alterações no quadro econômico e social?

A crise não deverá regredir no próximo ano. Quanto muito nós podemos esperar que ela se estabilize. Mas também não se pode esperar mudança de rumo simplesmente porque nenhuma força é hegemônica no Brasil de hoje. Todos os segmentos estão fracos. As mudanças só vão acontecer a partir da eleição presidencial

Quando Tancredo Neves foi eleito pelo colégio eleitoral a expectativa da maior parte do país era de que a posse dele seria o começo de uma série de mudanças no país e hoje se diz que ele só continua popular porque morreu antes de assumir. Não será irresponsabilidade se os candidatos em campanha prometerem muito, usando as promessas apenas como efeito de retórica?

Veja, controlar a crise significa reduzir o braço do estado. E o presidente que vier com um discurso muito claro nessa direção tem um ano só de prazo para promover os ajustes, dando o verdadeiro choque, que é o choque da austeridade e moralidade.

Um ano?

Um ano é quanto dura o respaldo popular que alguém recebe na urna. Portanto, ele não pode chegar lá sem saber o que fazer. Não se pode mais investir em nomes sem projeto. Tancredo Neves era um nome, e qual era o projeto da Nova Republica? Acho que nem o próprio Tancredo sabia. O resultado foi o agravamento da crise.

Como é o projeto que o senhor propõe?

Um choque sobre as causas da inflação, sobre o déficit público. É verdade que um choque como esse vai causar forte desemprego, principalmente no setor público da nossa economia. E ele tem que ser acompanhado de um processo de ingresso de capitais. Enquanto nós estamos dando este choque de ajustamento que visa estabilizar a moeda e combater o processo inflacionário, temos que levar em conta que não existe choque de combate à inflação sem criar recessão temporária. Por isso essa recessão temporária tem que ser dosada com ingresso de capital externo. Por que? Nós temos um fator escasso – o capital – e um fator abundante a mão-de-obra. Por isso que ela é cada dia mais barata e mais aviltada. Sem ingresso de capitais em forma de risco nós não vamos promover a abundância de capital, portanto nós vamos ter um aviltamento permanente da mão-de-obra. Lembre do Plano Cruzado, que foi um plano de estelionato nacional, mas que nos deu uma ideia do que significa uma redução do processo inflacionário e uma redução consequente do custo do dinheiro. Qual foi o primeiro sintoma que nós sentimos? A retomada do investimento e com isso faltou mão-de-obra. Resultado: subiu o valor da mão-de-obra. Portanto, o processo de distribuição de renda no Brasil depende basicamente de um choque de capital e esse choque só vem na hora que nós atacarmos a verdadeira causa do processo inflacionário que é essa estrutura anacrônica de um estado perdulário e corrupto.

Durante todo o trabalho da Constituinte, os empresários reclamaram das conquistas trabalhistas propostas e incluídas na nova Constituição. Os benefícios dessas conquistas para o trabalhador não compensam largamente o custo calculado pelos empresários?

Se vermos a pirâmide da economia brasileira veremos que na base está localizada a economia de sobrevivência, onde as pessoas com lei ou sem lei têm que sobreviver. E a famosa economia informal que é maior quanto maior a crise. E a economia por debaixo do pano, sem registro. E ela concentra hoje, 53% da mão-de- obra do Brasil. São cerca de 28 milhões de pessoas na total informalidade, sem registro. Por isso eu acho muito duvidoso o avanço social da Constituição porque abrange a maioria da população.

E há um segundo aspecto importante da questão. É que a inflação e o próprio modelo econômico da Constituição levam à corrosão da escassa estrutura de capital dentro do nosso capitalismo. É a xenofobia que se abateu sobre a nossa constituinte praticamente inviabiliza o ingresso de capitais. Resultado: como você vai pagar os direitos sociais? Eu não sou contrário a eles. Acho que nós temos os direitos sociais de um país avançado, mas temos a ordem econômica de país subdesenvolvido. O perigo então, é não gerar desenvolvimento e não gerando desenvolvimento os direitos sociais acabam virando letra morta.

 

Publicada na Gazeta do Povo, Curitiba-PR, em outubro de 1988

 

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