RIO DE JANEIRO – Durante mais de metade da sua vida, João Simão de Azevedo, 78 anos, morador da Rocinha, não conseguiu receber cartas em casa: ele morava em uma área irregular, fora do alcance dos Correios. Sua primeira carta chegou com a entrega de estreia do Carteiro Amigo, uma empresa criada por três moradores da comunidade. Era algo inédito: eles queriam distribuir correspondências nas favelas em que os Correios não chegavam, devido à dificuldade de achar ruas que não estão no mapa.
Trabalhando como recenseadores do IBGE na Rocinha, a iniciativa foi concebida pelos primos Silas da Silva, 44 anos, e Carlos Pedro da Silva, 43, e pela mulher de Carlos, Elaine da Silva, 41. Os três constataram como era difícil encontrar os destinatários. “Se é complicado para a gente, que mora lá, imagina para um carteiro”, diz Silas.
Mas se o IBGE recrutava pessoas da própria comunidade para as pesquisas, por que não fazer o mesmo com as entregas? Diante da disposição dos moradores de pagar por um serviço que entregasse as cartas em suas casas, os três empreendedores largaram seus empregos e se dedicaram integralmente ao projeto, em novembro de 2000.
“Alugamos uma loja para as pessoas nos enxergarem como uma empresa”, afirma Silas. O trio fez um acordo com um amigo que tinha um imóvel desocupado: se o negócio vingasse, pagariam o aluguel. Compraram uniformes e instalaram uma linha de telefone na loja com a ajuda de um empréstimo bancário. Para atrair os primeiros clientes, eles ofereceram o serviço de graça no primeiro mês; após esse período, o custo mensal seria de R$ 3.
Não há uma parceria com os Correios: o Carteiro Amigo busca as correspondências nas caixas e nos pontos comerciais da favela.
O próximo passo foi comprar os uniformes — em 12 prestações — e instalar um telefone na loja com ajuda de um empréstimo bancário. No início, os próprios sócios foram os primeiros carteiros. Depois de três meses, eles arrecadaram o suficiente para pagar as dívidas e contratar funcionários, sempre recrutados na comunidade. Hoje, a rede tem 7 mil clientes, que pagam R$ 16 por mês para receber as cartas. O plano dos sócios é levar o Carteiro Amigo para outros estados, e já avaliam propostas da Bahia e de São Paulo. “Quanto mais gente tiver acesso ao nosso serviço, melhor. Mudamos a vida das pessoas, por isso queremos que a empresa vire um legado”, diz um dos sócios.
Fonte: Pequenas Empresas Grandes Negócios