Quem procura uma oportunidade de trabalho no Estado de São Paulo contará com um poderoso aliado a partir de 2008: trata-se do ‘Google do Emprego’, como vem sendo chamada uma ferramenta de rastreamento de vagas em gestação no governo estadual. O mecanismo –que ganhou este apelido pela semelhança com o mais popular instrumento de buscas da Internet– absorverá os bancos de dados dos PATs (Postos de Atendimento ao Trabalhador) e fará a interface com os setores de recursos humanos de pequenas, médias e grandes empresas.
O projeto faz parte de um rol de iniciativas integradas da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho para estimular o empreendedorismo e diminuir a informalidade no mercado de trabalho, segundo revela o titular da pasta, Guilherme Afif Domingos (DEM).
Em entrevista concedida à Associação Paulista de Jornais (APJ), o secretário de Emprego Guilherme Afif Domingos detalha ainda como funcionará o ambicioso plano de desburocratização lançado pelo Estado e ancorado no lema ‘desatar os nós’. “Vamos reduzir de 152 para 15 dias o tempo para abertura de uma empresa em São Paulo”, diz. O secretário antevê uma queda-de-braço com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na regulamentação da Lei Geral da Pequena e Média Empresa e insiste em uma mobilização pró-reformas tributária, trabalhista, sindical e política. “Não devemos comemorar somente a queda do Risco-Brasil, mas sim a queda do risco de viver no Brasil. E este risco está aumentando”, afirma, referindo-se aos rumos da economia no país.
APJ- O senhor vem liderando um programa estadual para combater a burocracia no Estado. Qual é o tamanho deste nó e como desatá-lo?
Guilherme Afif Domingos-Isso foi inspirado no Barão de Itararé, que diz que o Brasil é feito por nós. A ideia é popularizar isso. Desburocratização é uma palavra muito complicada. Desatar o nó é mais fácil, até porque tem uma Padroeira, a Nossa Senhora Desatadora de Nós. Eu agora não paro de receber imagem e quadro dela. O que importante é chegar à população com a ideia de que desatar o nó é uma grande missão da sociedade junto com o Estado.
APJ- Quais os passos deste programa?
Afif-O primeiro passo que demos, por determinação do governador, é trabalhar em cima do grande nó do emprego em São Paulo. O problema dos embaraços que existem na atividade empreendedora. Para começar, o tempo que se gasta para abrir uma empresa. Nós hoje somos os penúltimos colocados na eficiência em termos da criação de uma empresa. Isso acaba atrapalhando os indicadores de atrativos de investimento para o Brasil. E o que mais nos deixou tristes foi saber que São Paulo é o campeão. Aproveitando a oportunidade de haver um grande entrosamento entre a prefeitura da capital, o governo do Estado e as demais prefeituras, nós demos um prazo de um ano para reduzir dos 152 dias, em média, para abertura de uma empresa, para, no máximo, 15 dias.
APJ- Isso é possível em um ano?
Afif-Para isso estamos trabalhando muito focados na micro e na pequena empresa, que representam juntas 80% do universo. Então já vamos atacar a grande maioria. E aproveitamos agora o fato de a Lei Geral da Pequeno e Micro Empresa estar sendo implantada para São Paulo levar muito a sério esta missão.
APJ- A lei vai para a Assembléia este ano?
Afif-Vai ser enviada, mas temos que aguardar a regulamentação por parte do comitê gestor, que foi criado no Ministério da Fazenda. E quero aproveitar para fazer um alerta. Nós já vamos berrar, pois a burocracia federal já está querendo misturar o valor que o Estado vai receber, que o município vai receber, como se fosse um fundo de participação de Estados e municípios. A União arrecada e depois distribui. Isso é apropriação indébita. O que tem que ser feito é rateio imediato. Porque a Lei Geral diz que a contribuição é uma só. O cidadão vai num guichê pagar seu tributo. Cabe à União, Estado e município imediatamente ratearem entre si. Já tem um percentual, tanto desta arrecadação é da União, tanto é do Estado e tanto é do município. A União já quer reter isso. Então já temos uma briga interna para desatar os nós da cultura burocrática do poder central. Estamos trabalhando dentro da linha criação de empresa e implantação da Lei Geral para criar o sonho do cadastro único. CNPJ único e imposto único, ou seja, uma única contribuição. Isso está para acontecer.
APJ- Já existe um diagnóstico preliminar de quais seriam os principais entraves para desburocratizar este processo?
Afif-No nível do município não há muita clareza no zoneamento. Por exemplo, Sorocaba, que faz parte do programa-piloto, já conseguiu solucionar isso. A cidade tem um programa que o cidadão entra, dá o CEP e diz tudo que ele pode e o que não pode fazer naquele lugar. No Estado, as licenças de meio ambiente. Hoje são quatro agências para dar licença. Temos que reduzir a uma e aquelas atividades que não apresentam nenhuma complexidade ou risco tem que ser de imediato. Não precisa ficar esperando vistoria de ninguém. Tem que ser autorizado e o Estado tem seis meses depois para fazer a auditoria. Pega a assinatura de um profissional responsável e pronto. Temos que aceitar como válida. Esses pontos estamos debatendo em oito secretarias para poder sair rápido.
APJ – Na questão ambiental, há sérios entraves. E a Secretaria de Meio Ambiente tem sido firme no propósito de endurecer a liberação de licenças…
Afif-É lógico, quando você tem atividades hoje que necessitam de um cuidado especial. Porque depois de estragado, fica muito mais caro consertar. Porém, a burocracia por conta dos grandes projetos põe os pequenos na fila e mistura tudo. Então você tem que separar uma coisa da outra. O que tem complexidade segue o rito. O que não tem, autoriza na hora. Essa média acaba sendo atrapalhada porque tudo entra na mesma fila. Temos que dizer ‘sim’ ou ‘não’ na hora.
APJ- Isso serviria especificamente para os pequenos empreendedores?
Afif-Sim, basta uma palavra de um engenheiro ambiental e pronto. Agora, coitado dele se ocorrer alguma coisa ou se detectar alguma fraude. Ele vai responder. Aqui no Brasil temos uma cultura de desconfiar do sujeito até que se prove o contrário. Isso é o inverso do que deve ocorrer. O clima da desconfiança é por onde cresce o conceito da burocracia.
APJ- Essa interface com os municípios, que o senhor considera importante, como será feita?
Afif-Eu começo agora em julho um ‘road-show’ por todo o Estado de São Paulo. Primeiro vou à Assembléia Legislativa para fazer uma exposição aos deputados. Vamos conversar com 640 municípios. E vamos junto com a Fundação Faria Lima, que já está fazendo um trabalho para pequenos e médios municípios de consolidação de suas legislações autorizativas. Cada um tem a sua e nós vamos padronizar. Com esta padronização nós vamos ter condição de partir para o cadastro único. E a Lei Geral tem que ser municipal também, até 31 de dezembro.
APJ– É um processo vertical…
Afif-Isso, a hora que você consegue esta padronização, você coloca a abertura de empresas em linha de montagem. Ou seja, você vai trabalhar em ‘bandejão’ no lugar do ‘a la carte’.
APJ- Mas o senhor já está prevendo dificuldades com a União. Há obstáculos políticos?
Afif–Sim já estamos enfrentando vários obstáculos. A vigilância nossa é em cima do comitê gestor. Como trabalhamos com oito secretarias interligadas, estamos trabalhando em conjunto. Por isso formamos um conselho consultivo, que vai trabalhar fortemente com base nos interesses do Estado.
APJ- Este programa pode tirar da informalidade quantos trabalhadores?
Afif-Há quatro anos eu levei ao presidente Lula uma proposta de criar a figura do empreendedor urbano, pessoa física. Era para acabar com essa mentira de que tem ser empresa. É cortador de grama, limpador de piscina, biscateiro. Só que está na total informalidade. É o auto-emprego e isso hoje é maioria, 57% dos brasileiros. Naquela época formou-se um grupo e saiu um projeto, mas houve algumas travas que não permitiram equiparar este empreendedor urbano ao rural. Mas teve um avanço, que era a pré-empresa. Um CNPJ absolutamente simplificado, para empresa que fatura até R$ 35 mil/ano. Onde está o auto-emprego. O pipoqueiro, ele está se virando. Chamamos de micro empreendedor individual, uma nova denominação. Ele é uma pessoa jurídica absolutamente simplificada. Onde ele vai abrir sua empresa? No município. Nós temos que ter o número do CNPJ entregue para o município e o cidadão vai lá com um formulário. Vai recolher 2,8% sobre o faturamento bruto dele, não precisa emitir nota fiscal nem contabilidade. Só precisa ter a declaração de renda e pode dar recibo fiscal de serviços prestados. Esta figura é revolucionária. Nunca existiu no nosso quadro e passa a existir agora.
Na semana que vem, o governador Serra deve enviar ao comitê gestor em Brasília as sugestões nossas de como tratar esta pré-empresa. Vai ser a grande revolução. Vamos trazer à formalidade um grande número de cidadãos. Queremos baixar 10 pontos percentuais deste universo de trabalhadores informais e São Paulo vai estar à frente disso.
APJ- Mas, para enfrentar a burocracia, é preciso contrariar interesses de quem se beneficia deste processo mais lento e trincado…
Afif-Principalmente os cartórios. Os cartórios estão preocupados com o que eu tenho falado. Dentro de um dos programas que vamos trabalhar, veremos o problema de habitação. Quando você regulariza uma habitação percebe que grande parte da informalidade neste setor se deve ao custo dos registros. Quero que eles me provem que a tarifa deles é proporcional ao tamanho da negociação. Temos que ter o grande subsidiando quase o custo zero da formalização da habitação popular. Isso nós vamos trabalhar já com o secretário da Habitação. São coisas muito objetivas que sempre foram adiadas. O custo cartorial de uma venda de imóvel tem tanto penduricalho…isso precisa de transparência.
APJ- E isso implica mudança na legislação.
Afif-Não tem problema. Por isso é importante que a sociedade participe deste processo.
APJ- E como o Estado vai mobilizar a sociedade?
Afif-Por meio do conselho, que tem desde centrais sindicais até associações de profissionais liberais. Isso foi lançado na semana passada e o pessoal da CUT argumentou o seguinte: precisamos participar porque é um programa de inclusão. E é verdade, a desburocratização é um programa de inclusão econômica e social. Separa o joio do trigo. Informalidade hoje acaba escondendo aquele que é informal por vocação, que é o crime organizado. Na hora que você formaliza, é mais fácil combater o crime organizado.
APJ- São Paulo adotou o piso salarial diferenciado. Qual o impacto da medida para empresas, setor público e para o trabalhador?
Afif-Era um primeiro compromisso programático do governo. E cumprimos nossa parte enviando para a Assembléia, mas com todo o cuidado, porque o Estado de São Paulo tem até pisos mais altos que este. Mas há grande desproporção entre as classes organizadas e as classes não-organizadas. Às vezes você tem uma categoria que está na Grande São Paulo ela está organizada, mas nos confins do Estado ela não está organizada e tem diferenças, porque as negociações são por localidade. Eu classifico essa medida como o dissídio daqueles que não têm dissídio. São aquelas categorias menos protegidas. Fizemos com muito cuidado para não gerar muita informalidade. Tanto que nossa proposta não teve nenhum tipo de reação de alguém que não pode pagar. Foram R$ 410, R$ 450 e R$ 490, sendo este o mais alto do país.
APJ- Algumas regiões do Estado estão com a atividade produtiva melindrada pela competição fiscal com outros Estados e até com o exterior. Cito o caso de Limeira, onde o setor de folhados a ouro vem sofrendo com as alíquotas mais vantajosas de Minas. A Assembléia Legislativa, por sinal, avalia um projeto para reduzir para 7% o ICMS do setor. Como a secretaria avalia esse risco à economia e ao emprego no interior?
Afif-Nós temos que socorrer sim, temos que olhar com muito cuidado porque se fosse para perder para outros Estados, é ruim, mas o país é o mesmo. Mas hoje estamos perdendo para fora. Estamos transferindo toda nossa mão-de-obra para a China. Com esse dólar baixo, com essa burocracia e com esse juro, como a empresa tem condição de sobreviver. É um alerta.
APJ- Então não há o que festejar na economia, apesar dos indicadores favoráveis?
Afif-A mídia nacional está dando manchetes sobre o melhor momento de economia brasileira. Eu acho que nós temos que comemorar não a queda do Risco-Brasil, mas a queda do risco de viver no Brasil, que está aumentando. Se não estivesse aumentando esse risco, não tínhamos tanta gente tentando a sorte lá fora. Hoje o Brasil é importador e commodity e importador de manufatura. E isso provoca uma erosão no emprego. E São Paulo vai ser o primeiro atingido.
APJ- Onde isso será mais sentido?
Afif-Estão perdendo a mão-de-obra local, veja a situação de Americana. Estive ontem em Porto Alegre e é a mesma grita. O que está na manchete do jornal não é o que está se sentindo aqui na base. Em função da deterioração da geração de emprego. E o Brasil diz que não precisa fazer reforma nenhuma. Quando você fala em reduzir carga tributária dizem que não pode baixar a arrecadação. Por que? Porque não fizeram a lição de casa. O Brasil entrou num processo de globalização sem fazer a lição de casa de enxugar os custos do Estado. Até porque a burocracia faz grande parte destes custos.
APJ- Além da reforma tributária, que é um clamor do setor produtivo, as reformas trabalhista e sindical também estão nesta agenda?
Afif-Ué, a sindical ficou resumida numa ‘graninha’ para as centrais. E está tudo resolvido. E disseram que era o início de uma ‘grande reforma’, mas não vai acontecer mais nada. Se não houver pressão da sociedade não acontece. E a terceira é a reforma política, que está esquecida. Precisamos levantar urgentemente a bandeira do voto distrital.
APJ- Um dos programas da secretaria que tem um alcance significativo no interior é o PAT. Quais as metas para dinamizar este trabalho?
Afif-É muito importante, mas funciona com um sistema muito arcaico. Temos um tremendo banco de emprego que não está na rede mundial de computadores. Estamos cuidando de um forte investimento na reformulação dos PATs para que tenhamos um sistema em que os PATs inteiros se conectem.
APJ- Seria uma unificação dos cadastros?
Afif-Eu faço o atendimento do cidadão, faço o questionário, mas imediatamente ele entra na rede mundial. As empresas, através dos setores de recursos humanos, ficam interligadas neste cadastro. É on-line. É uma espécie de Google dos pequenos empregos.
APJ- Essa unificação tem custo ou é mais uma questão logística?
Afif-Dinheiro hoje não sai do bolso, sai da cabeça. Não adianta criar a roda. Em vez de inventar um sistema, será que não tem algum pronto, que possamos adaptar e sair bem rápido? Eu acho que vamos ter até o final do ano um sistema pronto. No ano que vem, já vamos começar um PAT com mais amplitude. Não é ampliar o número de PATs, mas ampliar o seu conteúdo e ganhar eficiência.
APJ- E o Estado planeja fomentar o empreendedorismo com o aumento do microcrédito por meio do Banco do Povo?
Afif-O primeiro passo nosso foi desativar o Pró-Lar, de material de construção, o popular puxadinho. Não é o papel do Banco do Povo, o banco é para financiar a máquina de costura, o cortador de grama do jardineiro. Com essa pré-empresa que eu descrevi, o banco é o passo imediato. Ele se formaliza, se capacita e imediatamente ele tem um banco que possa oferecer as soluções do microcrédito adaptadas à realidade dele. Então a idéia nossa é juntar PAT, Banco do Povo. Porque o PAT passa a se chamar Posto de Atendimento ao Trabalhador e Empreendedor. Ou seja, nós vamos atender a todos no balcão do município.
APJ- Haverá recursos disponíveis para este crédito? O Estado pretende ampliar a oferta?
Afif-Sim, mas com bom senso. Não existe enchente de água limpa. O filtro é você evitar que um programa desse seja condenado por um estouro de inadimplência. Muito mais qualificado e com bom filtro. Um programa que não gera inadimplência atrai recursos do Estado, do país e do mundo. Até porque o Banco Mundial tem recursos para injetar nestes programas de microcrédito. O que nós não podemos é sermos irresponsáveis. Não é fundo perdido, não é para fazer assistencialismo.
APJ- Boa parte das ações da secretaria estão interligadas. Ou seja, ou fecha-se o círculo ou os projetos podem não ter essa complementaridade. Em que estágio deste ciclo será encerrado o mandato do governador Serra?
Afif-Ele tem que fechar nesta gestão. A gestão está baseada em um tripé: qualificação, empreendedorismo e desburocratização. O risco nosso é sempre pegar ‘programinhas’ e criar polias soltas. Um monte de programas que não geram conexão. Estamos fechando um monte de programas para concentrar todos os esforços e recursos humanos e financeiros com este objetivo. Eu acredito que, com foco, esse ciclo se completa na gestão atual.
APJ – Associação Paulista de Jornalismo – 20/05/2007