Os trens intercidades no Estado de São Paulo
Por ROBERTO MACEDO no Estado de S. Paulo
Em recente cerimônia conduzida pelo vice-governador do Estado, Guilherme Afif Domingos, presidente do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (PPPs) estadual, foi dado o passo inicial para nova e importante parceria desse tipo: a de uma rede integrada de linhas ferroviárias para transporte rápido de passageiros, com poucas paradas, unindo Santos, Mauá, São Caetano, Santo André, Jundiaí, Campinas, Americana, São José dos Campos, Taubaté, Sorocaba e São Paulo. Nesta ficará a estação central, na região da Água Branca.
Prevê-se que a rede terá cerca de 430 quilômetros. A proposta veio de duas empresas privadas, na forma de uma Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada (MIP), instrumento criado pelo governador Geraldo Alckmin. A MIP permite ao setor privado tomar a iniciativa de projetos que atendam ao interesse público. Seguindo a legislação das PPPs, a proposta envolve uma concessão patrocinada. Ou seja, combina investimentos públicos e privados para que, entre outros objetivos, sejam cobradas tarifas competitivas em relação a outros meios de transporte.
O Brasil já teve rede ferroviária de grande dimensão, principalmente em São Paulo, que foi bastante utilizada pela população até a década de 1950. Depois houve a equivocada predominância quase que absoluta de automóveis e ônibus, só em parte aliviada pelos aviões. A decorrente e crescente demanda de rodovias e a ocupação de vias urbanas trouxe um quadro deplorável de congestionamentos e outras dificuldades de trânsito que existem há tempos, como o excessivo tempo gasto em viagens urbanas e nas regiões metropolitanas e a forte poluição do meio ambiente.
Tive a felicidade de na infância e na adolescência usar ferrovias que passavam pelas cidades de Formiga, Belo Horizonte, Contagem, Sete Lagoas e Cordisburgo, terra de Guimarães Rosa, todas em Minas Gerais. E essas ferrovias – Rede Mineira de Viação e Central do Brasil – eram competitivas em custo, tempo e conforto relativamente às jardineiras ou ônibus que trafegavam por rodovias precárias, ora poeirentas, ora barrentas. E os carros eram poucos. Um pouco mais tarde veio a tristeza de acompanhar a grande decadência das ferrovias. O gosto por trens permanece até hoje simbólico da condição de quem é mineiro.
Em São Paulo, a ocupação territorial do Estado consolidou-se por ferrovias e muitas cidades foram plantadas ao longo de suas linhas, a ponto de algumas regiões serem chamadas pelo nome das estradas que por elas passavam, como a Paulista e a Mogiana.
Agora renovei a esperança de ter os trens de volta e há notícias de que poderão ressurgir também em outras regiões do País. E melhores. Assim, os trens do projeto citado deverão ter velocidade média perto de 120 km por hora. Poderão utilizar parte reformulada das faixas ou áreas de domínio ferroviário ainda existentes, que, segundo um especialista internacional, constituem o maior ativo ferroviário não explorado do mundo. A utilização dessas faixas também deverá eliminar ou reduzir substancialmente a necessidade dos usualmente demorados licenciamentos ambientais.
Quem leu neste espaço meus artigos sobre o projeto do trem-bala federal sabe das minhas restrições a ele por ser caríssimo, exigir percurso novo e ter viabilidade econômico-financeira muito duvidosa, pois não há garantia de tráfego suficiente para assegurar seu sucesso nesse aspecto. Os caminhos de ferro devem ser prioritários, mas sustentados por projetos como esse paulista, mais os de trens metropolitanos e metrôs. De qualquer forma, se vier o trem-bala, esse projeto paulista poderá contribuir para torná-lo menos inviável. Aliás, prevê-se que o trem-bala também utilizará a estação da Água Branca na capital, trocando passageiros com essa rede intercidades.
O projeto da rede intercidades tem três fases. A primeira é a do trem expresso ligando São Paulo a São Caetano, Mauá e Santo André, mais o trecho São Paulo-Jundiaí. Na fase 2, os trechos São Paulo-Santos, São Paulo-Sorocaba e Jundiaí-Campinas e na fase 3, o trecho São Paulo-São José dos Campos. Prevê-se que a fase 1 operará em 2016, a 2 em 2018, com exceção do trecho de Sorocaba, que virá em 2019, e a 3 em 2020. Será também estudada a interconexão dos trechos das fases 2 e 3 com os Aeroportos de Viracopos e de Guarulhos.
Quanto às empresas que apresentaram o projeto, a Estação da Luz Participações é do setor de logística ferroviária e a BTG Pactual Gestora de Recursos é voltada para a estruturação financeira de grandes obras de infraestrutura. A ideia foi acolhida pelo governo do Estado. No passo seguinte, este convidará outras empresas a se apresentarem para a iniciativa e escolherá qual ou quais detalharão o projeto. Depois disso virão as licitações das concessões e as respectivas obras.
Estima-se que o conjunto terá um custo total de R$ 20 bilhões. Para uma ideia do alto significado desse valor, previsto para ser investido apenas em terras paulistas, pode-se compará-lo com o do Programa de Investimentos em Logística, anunciado em agosto pela presidente Dilma Rousseff e que também inclui ferrovias. Voltadas apenas para o transporte de cargas, prevê-se que num período de cinco anos haverá nelas um investimento total de R$ 56 bilhões em todo o território nacional.
Que venham, portanto, esses trens intercidades. Entre seus muitos benefícios se destacam o de prover uma alternativa confortável, rápida e menos sujeita às dificuldades de quem passa por estradas, ruas e avenidas, aliviando também o próprio trânsito de veículos que as congestionam, além de reduzir a poluição deles decorrente.
E, não menos importante, esses trens permitirão ao governo estadual resgatar parcela importante de uma enorme dívida de meio século, a do desmonte do transporte de passageiros por ferrovias paulistas.