“O conceito de terceirização se dá num processo de economia avançada que exige especialização”
. A defesa do micro e pequeno empresário sempre foi sua bandeira, assim como a desburocratização e a redução dos impostos. Guilherme Afif Domingos, hoje Secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo, começou cedo sua atuação.
. Aos 24 anos assumiu a presidência da Indiana Seguros, empresa familiar. A experiência motivou-o a aproximar-se da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), entidade da qual foi diretor e presidente, assim como da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (FACESP).
. O desempenho nas atividades de liderança empresarial levou Afif a um caminho natural: a política. Sua primeira função pública foi a presidência do Badesp (Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo) e, posteriormente, a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado.
. Criador do Congresso Brasileiro da Pequena Empresa, embrião do Estatuto da Pequena Empresa, foi um dos principais idealizadores do Simples – sistema de tributação diferenciado para micro e pequenas empresas e dirigiu o Sebrae.
. Como presidente da ACSP e FACESP, liderou a mobilização que derrubou a Medida Provisória 232 e lançou a campanha De Olho no Imposto, que colheu mais de 1,6 milhão de assinaturas para respaldar o projeto de lei que regulamenta o parágrafo 5º do artigo 150 da Constituição Federal, que é de sua autoria.
. Foi deputado federal constituinte e liderou os movimentos em defesa dos empreendedores, sobretudo micro e pequenos empresários. Candidato à presidência da República em 1989, Guilherme Afif obteve mais de 3,2 milhões de votos. Após anos afastado da política partidária em razão de militância como líder empresarial e empresário, retornou em 2006 para disputar pela segunda vez o senado federal. Obteve 8,2 milhões de votos.
Na entrevista a seguir, Guilherme Afif Domingos discorre, entre outros temas, sobre qualificação profissional, emprego, modernização das relações de trabalho, informalidade, carga tributária e burocracia.
“Terceirização é exemplo da modernização das relações de trabalho”.
O senhor dedicou grande parte de sua vida profissional ao fortalecimento das pequenas e médias empresas e à ampliação do emprego no País. O que o motivou a isso?
Afif Domingos – Minha atividade sempre foi empresarial. Assumi a presidência da Indiana Seguros, em sucessão ao meu avô, em 1967. A necessidade de defender as pequenas e médias empresas surgiu naquela época. O pequeno e o médio empresário são os grandes geradores de emprego no País. No entanto, não recebem nenhum tipo de favorecimento, diferentemente dos grandes. Isto foi o que me levou à Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em 1976.
Quais conquistas considera mais significativas ao longo de toda sua trajetória?
AD – Primeiro, o Estatuto da Microempresa, em 1984. Depois, a colocação da pequena empresa na Constituição. O Simples também foi uma grande conquista. Mais recentemente, o MEI (Microempreendedor Individual), uma luta de muitos anos e que eu considero o embrião do empreendedorismo. A Lei brasileira era e é muito ultrapassada: ou se é empregador ou empregado. O auto-emprego até então não existia para a legislação.
Como avalia o alto índice de informalidade no País?
AD – No Brasil, são mais de 11 milhões de pessoas no mercado de trabalho informal, sendo 3,2 milhões somente no Estado de São Paulo. Com o MEI, essas pessoas passam a existir para a economia e podem, por meio de uma contribuição mínima à Previdência Social, usufruir os benefícios oferecidos. O programa teve início em 27 de julho, há cerca de um mês, e já temos em São Paulo 7 mil trabalhadores legalizados. E só o começo, mas é um bom começo para combater a informalidade.
Afif: “A concorrência desleal é consequência de uma carga tributária descabida”.
Quais suas prioridades no comando da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo (SERT)?
AD – A SERT tem como prioridades a qualificação, a intermediação de mão de obra e o empreendedorismo. Temos investido bastante em qualificação, nossa grande missão. O Plano Estadual de Qualificação foi pensado para cumprir a meta de 180 mil vagas em três anos, focado num diagnóstico que mostra que a População Economicamente Ativa (PEA), entre 15 e 59 anos, continuará a crescer nos próximos anos. Portanto, são essas pessoas que temos de atender em termos de demanda de ampliação de postos de trabalho.
Como é feita essa qualificação?
AD – O mercado tem muita qualificação que, sem trocadilho, chamaria de desqualificada. Ou seja, é muito dinheiro mal gasto ou desviado. Dizia-se que qualificava, mas nunca houve medição dos resultados. Os cursos da Secretaria são aplicados por escolas de primeira linha como Senac, Senai e Instituto Paula Souza. A Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) será a responsável por fazer a medição e identificar o que aconteceu com os egressos do programa para sabermos se estamos na direção correta. O dinheiro mal empregado é gasto. Qualificação mal feita é gasto. Já a qualificação bem feita é investimento e melhoria nas condições de mão de obra.
Qual é a escolaridade dessas pessoas? Há um nível mínimo exigido?
AD – Constatamos algo preocupante. Quanto maior a idade da população, menor é sua escolaridade. Na faixa etária entre 30 e 59 anos, 50% não têm ensino fundamental completo. Sem um grau mínimo de escolaridade, essas pessoas não conseguem entender aquilo que lhes é transmitido. Quem não se atentou a esse detalhe jogou dinheiro fora. Por isso, os cursos que oferecemos são compostos por 200 horas, sendo que 120 horas são destinadas ao reforço do Ensino Fundamental e 80 horas para conteúdo específico.
A maior parte das vagas é de baixa complexidade, correto?
AD – Sim, mas mesmo estas ocupações exigem qualificação. É preciso saber ler, escrever e fazer conta. Isso demonstra que os cursos têm de ser exatamente para as pessoas com baixa escolaridade, pois vão melhorar as condições de empregabilidade delas no mercado de trabalho. Neste ano, não só investimos nos cursos, mas também introduzimos uma bolsa-qualificação de R$ 210.
Nesta mesma linha que o senhor propõe para o setor público, as empresas privadas são pressionadas pelo mercado a oferecer profissionais cada vez mais qualificados.
AD – Certamente. Hoje, o trabalho dos profissionais do setor de Limpeza, Asseio e Conservação, por exemplo, envolve o manuseio de equipamentos e produtos químicos. Numa limpeza mais sofisticada como a de hospitais e centros médicos, o pessoal precisa ter uma alta especialização do método de limpeza. O conceito de Terceirização se dá num processo de economia avançada que exige especialização.
Como o senhor avalia a necessidade de um marco regulatório para a Terceirização como a lei 4.302/98, em tramitação na Câmara?
AD – O velho viés sindicalista, de uma legislação de ranço nazi-fascista da primeira fase do século passado, ainda persiste com seus dogmas no mundo moderno do trabalho. Isso nada tem a ver com o mundo das relações muito mais contemporâneas que alcançamos. A Terceirização é exemplo da modernização das relações de trabalho. E, aquilo que não fica claro na lei, gera distorções profundas quanto à interpretação. Mas há um aspecto que gostaria de comentar. No Brasil, nós queremos fazer passar tudo por Brasília. Então, me pergunto: por que leis estaduais não instituem regulamentação específica para a Terceirização em suas regiões? Nós insistimos em legislações centralizadas em Brasília, quando a realidade de cada região ou estado tem especificidades próprias em suas cadeias produtivas.
Mas não existe hoje um vácuo legislativo?
AD – Sem dúvida, há um vácuo legislativo em tudo aquilo que foi modernizado na realidade das relações do trabalho. A nossa relação de trabalho é regulada ainda pela antiga CLT. Trata-se de uma lei ultrapassada, que é baseada na velha Carta del Lavoro, do fascismo italiano. Mas isto não é só nas relações de trabalho. Em tudo o que o mundo avançou, e o Brasil acompanhou, há um vácuo na lei. Por isso, minha tese é de que esses vácuos sejam preenchidos por legislações específicas nos estados para que seja possível diminuir esse atraso. Se depender do centralismo da União, vamos continuar atrasados em muitas atividades.
No caso da Terceirização: Responsabilidade Solidária ou Responsabilidade Subsidiária?
AD – Responsabilidade Subsidiária, sem dúvida. Na Solidária, além dos excessivos tributos e impostos que já paga, querem fazer do empresário uma espécie de fiscal, sem nada em contrapartida. Ora, como fica a estrutura que se tem que ter para administrar o risco de terceiros? Isto gera um passivo oneroso muito superior à sua capacidade porque você não responde por você, mas sim pelos outros.
Especialistas têm visto no setor de prestação de serviços Terceirizados e Trabalho Temporário uma das alternativas para enfrentamento do desemprego. Qual sua opinião?
AD – É a modernização do mundo do trabalho numa nova condição, a da especialização. Estamos num processo de transformação com uma rapidez extraordinária. Hoje, graças à informática podemos ter Trabalhadores Terceirizados trabalhando em casa, e não só em trabalho intelectual. Em São Paulo, o que temos é uma cadeia moderna de produção, por isso deveríamos ter uma legislação adaptada a isto que já existe.
Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a indústria atingiu nível médio de Terceirização em torno de 54%. Nas grandes indústrias, este índice já chega a 75%, próximo de percentuais asiáticos e europeus. Isto é um indicador de irreversibilidade da prestação de serviços especializados?
AD –As indústrias são núcleos de especialização. O desconhecimento por parte das autoridades que estão em Brasília do que é cadeia produtiva gera uma série de equívocos. A extensão do tempo de segurodesemprego para alguns setores em razão da crise é um exemplo. Soube-se o número de funcionários diretos que foram demitidos e quais teriam direito ao benefício, mas não se pensou na quantidade de Trabalhadores Terceirizados dispensados devido à queda na produção.
E quais suas expectativas em relação ao papel do Trabalho Temporário na economia brasileira?
AD – Tão logo a economia se estabilize, este profissional tende a se tornar mais fixo do que temporário. Ou seja, ele se efetiva no mercado de trabalho. No próximo ano, a expectativa é de que cresçamos a uma taxa modesta, pois perdemos a chance de crescer por volta de 8%. Quando o mundo permitiu que crescêssemos, o nosso motor não conseguiu acelerar. No Brasil, o empresário carrega muito peso morto nas costas. Os últimos escândalos em Brasília são a ponta do iceberg do quanto custa no bolso da sociedade manter um Estado inoperante e centralista.
Como resolver o impasse da alta carga tributária, a concorrência desleal e inflexibilidade da legislação trabalhista como entraves para a expansão dos negócios?
AD – O problema no Brasil não é de carga tributária, é de gasto público. A carga tributária tem de ser compatível com o gasto público, porém quanto mais um aumenta, o outro também o faz. É um saco sem fundo. Enquanto não houver uma mudança estrutural em que se comece a dividir melhor a carga tributária da União por Estados e Municípios com o propósito de baratear o custo da administração no Brasil, nós não teremos condição de discutir a reforma tributária. A concorrência desleal é consequência de uma carga tributária descabida.
“Reduzir a burocracia para estimular a criação de empresas, emprego e renda”. Este diagnóstico algum dia alcançará a realidade brasileira?
AD – Para uma empresa adquirir o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) é relativamente rápido, o que demora é o licenciamento. Cada órgão tem uma regra e não há diálogo entre eles. Pretendemos, aqui em São Paulo, implantar o Processo Único de Licenciamento – primeiro para as micros e pequenas, depois para as grandes empresas – que integra num só sistema os Municípios e o Estado. Os requerentes serão classificados em atividade de baixo risco e alto risco, o que agiliza automaticamente a liberação.
E quanto à possibilidade de desoneração da Folha? Como isso deve ser feito?
AD – Na legislação brasileira é preciso verificar o que é imposto sobre a Folha e o que é direito do trabalhador. Quanto mais for para o bolso do trabalhador melhor, pois incentiva o consumo. Os encargos referentes à contribuição sindical e para o sistema S, por exemplo, que não beneficiam diretamente o trabalhador, são “penduricalhos” na Folha de Pagamento. A desoneração deve começar por aí. Fica somente o que é destinado e de direito do cidadão.
Então a desoneração passa por mudanças no sistema S?
AD – As micros e pequenas empresas não recolhem o Sistema S sobre a Folha de Pagamentos, mas sim sobre o faturamento. Não tenho nada contra o Sistema S, até acho que seja um sistema muito bem feito em São Paulo. A forma de financiá-lo é que acabou criando um cartório. A verba para o sistema deveria vir dos impostos arrecadados. Na implantação do Simples, o Sistema S desapareceu.
A SERT possui um programa de capacitação e inserção voltado para Pessoas com Deficiência, o PADEF. As empresas estão mais conscientes quanto à inclusão?
AD – Bem mais conscientes e preparadas agora do que antes. Eu não gosto da obrigatoriedade das cotas, mas acho que acaba sendo educativa no início. Esta consciência tem crescido, mesmo porque há grande melhora no ambiente da empresa com a inclusão. O deficiente não é um incapaz, o que ele precisa é de um tratamento diferenciado e de acordo com a sua necessidade.
Revista PRESSTEM – Prestação de Serviços Especializados – Ano XI – Setembro 2009 nº34