No dia 20 de julho, o vice-governador paulista Guilherme Afif Domingos proferiu uma palestra na Associação Brasileira de Fundição (Abifa), sobre o tema Aspectos Relevantes da Política de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico Paulista. Dada sua reconhecida experiência política e capacidade empresarial, suas opiniões merecem ser observadas atentamente. A seguir uma síntese dos principais tópicos abordados por ele nessa ocasião.
Perspectivas de crescimento – O Brasil está condenado a crescer pouco. Embora as oportunidades sejam muitas, nós estamos limitados. Na economia, nós temos um limitador que se chama investimento. Para que o Brasil possa crescer 5% ao ano, precisaria investir 25% do PIB. Essas marcas já foram alcançadas no passado, quando o governo também era poupador, através de uma Previdência Social que disponibilizava recursos. Hoje, porém, a Previdência não é superavitária e nosso investimento não passa de 18% e, portanto, o limite de crescimento do PIB é de 4%. Quando o PIB cresceu 7%, no ano passado, começou a surgir o fantasma da inflação. Outro fator limitador desse processo é a falta de qualificação profissional.
Carga tributária – Precisamos deixar bem claro que não é a empresa que paga o imposto; quem paga o imposto é o consumidor final. Se ele é, por exemplo, fornecedor da cadeia produtiva da indústria automobilística, todas as empresas que participam dessa cadeia transferem a carga tributária aos seus preços. Quando um empresário não consegue mais transferir essa carga para o preço, ele entra na informalidade ou recorre ao Refis. E ele provavelmente vai ficar no Refis pelo resto da vida, porque quando alguém recorre a essa solução, sua carga já é inadequada. No dia a dia, todas as empresas são repassadores dessa carga, que no fim da cadeia vai ser paga pelo consumidor.
Quando eu fui membro da Assembléia Constituinte, apresentei uma proposta, que dizia que o cidadão tem o direito de saber quanto ele paga de impostos sobre os bens e serviços que consome. Hoje isso está no parágrafo único do artigo 150 da Constituição, mas é algo que, na prática, ficou na gaveta, porque ninguém nunca se interessou em revelar o valor dos impostos. Fizemos, então, um projeto de lei que exige que, na nota fiscal, se discrimine o valor do produto e o valor da carga tributária total – não somente daquela operação final, mas de toda a cadeia. Esse seria o primeiro grande passo para que o cidadão saiba qual é a parte do seu orçamento que é drenado para pagar impostos. Nós temos cálculos, por exemplo, de que, para cada um real de salário que um cidadão recebe, ele gera um real de imposto. Existe também uma calculadora de impostos na internet (www.contribuintecidadao.org.br), que permite calcular os impostos pagos pelos cidadãos. Agora é a hora de despertar na população a consciência do contribuinte, que deveria pensar assim: ‘pago, logo exijo’. Acontece, porém, que a maioria dos cidadãos brasileiros pensa que tudo é dado de graça para ele – e é por isso que ele não reclama.
Descentralização – Um grande debate que deve começar a ser feito no Brasil é sobre a descentralização do poder e a realocação dos recursos de acordo com a finalidade e a eficiência de cada nível de governo. Ou seja, tudo aquilo que o município puder fazer melhor não deve ser feito pelo estado ou pela União; tudo aquilo que o estado puder fazer melhor não deve ser feito pelo município ou pela União; e da mesma forma, tudo o que a União puder fazer melhor não deve ser feito pelo município ou pelo estado.
PPPs – No dia de ontem (19 de julho de 2011), tive a honra de ser indicado pelo governador Geraldo Alckmin para ser o presidente do Conselho das Parcerias Público-Privadas do Estado de São Paulo, que é um projeto fundamental para compensar a falta de investimentos. Hoje está havendo uma inundação de dólares, mas de um dólar que busca oportunidades de aplicação financeira. A entrada desses recursos especulativos para financiar nosso déficit colabora com o processo de valorização da moeda nacional, mas nós temos que mudar isso, de modo a que esse dinheiro seja direcionado ao processo produtivo, que é o capital de risco. Mas o Brasil, que tem deficiências em sua infraestrutura por falta de investimentos, tem que se abrir para o investimento em infraestrutura básica fundamental, para viabilizar o processo de desenvolvimento. Esse é o conceito das PPPs.
Dentro dessa linha de raciocínio, o governo do estado fez um grande esforço nos últimos anos para poder ter recursos que, nos próximo quatro anos, serão de R$ 48,7 bilhões para o transporte de passageiros, R$ 28,5 bilhões para rodovias e sistema viário, de R$ 2 bilhões para aeroportos, hidrovias, portos e travessias, mais R$ 2 bilhões para saneamento. Esses recursos estão no orçamento do estado. Só que essa capacidade se viabilizará se atrair capitais para serem investidos nessas áreas.
Ontem mesmo, quando tivemos a primeira reunião do Conselho, um consórcio interessado apresentou a primeira proposta para empreitar uma linha inteira de metrô. E o que é o metrô, senão uma via enterrada com trilho? E quem se dispuser a construir pode ter o direito de cobrar pedágio, que neste caso seria o custo da passagem. O que cabe é equalizar os valores, definindo aquilo que deve ser cobrado do público e aquilo que o Estado precisa pagar em forma de subsídio público. O importante, porém, é que não seria necessário usar recursos do orçamento público para fazer esse investimento. Desse modo haveria mais recursos públicos para investir na saúde, na segurança, na educação e na justiça.
E por que esperar até 2025 para completar a malha de metrô de São Paulo? Por que não antecipar esse prazo para 2018, já que essa obra está atrasada cinquenta anos. Imaginem qual seria o volume de investimentos gerados para o próprio setor de fundição. E esses recursos poderiam ser buscados fora, não como empréstimos, mas atraindo parceiros dispostos a explorar essa oportunidade.
Ferroanel – Nós estamos construindo o rodoanel, mas não se pensou em fazer um ferroanel em conjunto, até porque isso é uma concessão federal. Em São Paulo, todas as mercadorias só podem ser transportadas por ferrovia da meia-noite às seis da manhã, porque a malha ferroviária da cidade de São Paulo está ocupada pelo transporte de passageiros metropolitanos. Por isso, mesmo com o rodoanel, há tanto caminhão dentro da cidade. Mas o transporte de carga por caminhão é uma insanidade. Isso é feito porque o sistema de transporte ferroviário foi abandonado e não se fez nenhuma política para recuperá-lo. Está na hora de fazer uma política de transporte ferroviário.
Portos – O porto de São Sebastião, que tem um dos maiores calados do mundo, poderia ser transformado no curto prazo num porto de escoamento de mercadorias com alto valor agregado, criando as condições da navegação de cabotagem. O Brasil tem 8.500 km de costa e não tem navegação de cabotagem – tudo é transportado em cima de caminhões e estradas. E na hora em que se instala um pedágio, os caminhões se desviam para as estradas vicinais, que acabam ficando totalmente esburacadas.
Pré-sal – O pré-sal será uma realidade muito mais rápido do que se imagina, e vai ser muito importante inclusive em termos de mudança da matriz energética. O setor de energia elétrica está pagando um preço muito alto e, como vai haver muita produção de gás, agora precisamos brigar por uma política clara sobre o custo de gás. O gás da bacia de Santos vai vir muito rápido e calcula-se que deve gerar um impacto positivo sobre um milhão de pessoas que habitam sua zona de influência. Mas nós precisamos correr para criar a infraestrutura básica necessária para que isso aconteça.
Trem-bala – O projeto do famoso trem-bala não para em pé. Seria mais viável construir um trem metropolitano conectando São Paulo a Jundiaí, Campinas e Viracopos, com um ramal a Guarulhos. E esse trem nem precisaria nem de subsídios. O leito já está disponível e seria necessário só fazer uma concessão. Também não é necessário implanta um trem que ande a 330 km por hora; um trem que ande a 180 km já seria uma maravilha. Essa ferrovia rápida, só com alguns pontos de parada, poderia ser construída num regime de concessão, junto com pátios de estacionamento, onde as pessoas poderiam estacionar seus carros, cujo custo já estaria incluído na passagem do trem. Elas poderiam descer na boca do metrô e, com a rede de metrô completa, poderiam se deslocar a qualquer ponto da cidade. Nesse projeto, o estado entraria apenas como coadjuvante. Ele pode até ajudar orçamentariamente, para eventualmente equalizar as tarifas e viabilizar o projeto. Mas a parte principal seria uma oportunidade para a livre iniciativa investir.