Por Daniela Rocha | Para o Valor, de São Paulo – O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, defende a aprovação do projeto de lei Crescer Sem Medo (PLC 125/2015) pelo Congresso Nacional ainda este ano. Dessa forma, uma série de medidas que estimulam o avanço dos pequenos negócios entrariam em vigor já a partir de 2017. “O pequeno empresário, quando passa a desenvolver seu negócio, sai do Simples e cai no ‘complicado’. O complicado representa, em muitos casos, morte súbita”, afirma Afif. O projeto assegura a progressividade das alíquotas em uma rampa suave. O problema é que, hoje, quando os empreendedores saem do Simples para o sistema de tributação pelo lucro presumido ou pelo lucro real, a carga sobe de forma abrupta.
Os integrantes da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovaram em dezembro, por unanimidade, o relatório da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) sobre o Crescer Sem Medo. Basicamente, aprovaram o aumento dos limites de enquadramento no Simples Nacional. O projeto eleva de R$ 360 mil para R$ 900 mil o teto da receita bruta anual das microempresas e de R$ 3,6 milhões para R$ 14,4 milhões o da empresa de pequeno porte. A criação das Empresas Simples de Crédito (ESC) é outro aspecto relevante que passou pela análise. A comissão aprovou ainda um pedido de urgência para votação do projeto em plenário do Senado. A proposta ainda terá que voltar a Câmara, uma vez que sofreu alterações.
Valor: Quais as chances de o projeto ser votado no plenário do Senado nesse ambiente de instabilidade política que vive o país?
Guilherme Afif Domingos: O projeto é um complemento da lei aprovada em 2014, que foi a universalização do Simples Nacional porque havia faltado a correção das tabelas. Na verdade, há um problema que faz com que as empresas, mesmo dentro do Simples, tenham medo de crescer porque quando elas pulam de uma faixa para a outra o tranco é muito grande, o que torna difícil seu desenvolvimento. Dessa forma, encomendamos estudo profundo à Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ) junto com a Fundação Dom Cabral para elaborarem uma nova tabela. Essa proposta foi apresentada ao Congresso Nacional, que na Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade. O projeto seguiu para o Senado e já passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (Cae), onde foi aprovado por unanimidade também, e desta forma, encaminhado para ser votado em caráter de urgência em plenário. Funcionará como o Imposto de Renda, um sistema progressivo. Quando o empresário superar os atuais R$ 3,6 milhões de faturamento bruto anual (teto atual do Simples), terá uma rampa, uma transição suave, até entrar totalmente na forma de tributação pelo lucro presumido. Quando passar de uma faixa para a outra, só pagará a nova alíquota sobre a diferença. Portanto, tendo isso discutido também com a Receita Federal, há condição mais favorável para acordo de votação em plenário do Senado no curto prazo. Porém, temos que saber o que vai acontecer no Senado, que está recebendo agora o pedido de impeachment da presidente da República. Defendo a urgência dessa aprovação do Crescer Sem Medo pelos senadores porque ainda deverá ser encaminhado de volta à Câmara para votação. Isso será necessário porque houve modificações no projeto. Se houver aprovação por acordo no Senado, tudo será rápido.
Valor: Por que esse projeto é importante na retomada do crescimento do país?
Afif: É preciso tirar as amarras da burocracia e o medo de crescer dos micro e pequenos negócios. Os empresários têm que ficar livres para exercer sua criatividade. É no momento da crise que os cidadãos, buscando superar problemas, encontram novos caminhos através do empreendedorismo. Isso acontece no mundo inteiro e estamos vivendo a era do fim do emprego. Por isso, tem se discutido tanto o slogan “Se quer emprego, crie seu próprio trabalho”. Esse é um conceito moderno e essa legislação, instrumento poderoso para ajudar empreendedores na travessia.
Valor: Quais as distorções que o Crescer Sem Medo visa corrigir?
Afif: Ainda há muita informalidade no país e, mesmo as micro e empresas formais, conforme vão crescendo, usam como subterfúgio a abertura de outras empresas, também enquadradas no Simples. É o que eu chamo de efeito caranguejo, elas optam por crescer de lado, não para cima.
Valor: Em um cenário econômico tão complexo, esse projeto representaria perda da arrecadação?
Afif: Na verdade, quando há crescimento da formalização das empresas dentro da própria tabela do Simples, deverá ocorrer aumento da arrecadação. Muitas vezes, com medo de passar do limite do Simples, a empresa deixa de faturar, de declarar uma parte. Com um sistema tributário mais amigável, a arrecadação tende a aumentar.
Valor: Além dos novos limites e tabelas para enquadramento no sistema do Simples, o projeto prevê a criação das Empresas Simples de Crédito? Como funcionariam e quais as vantagens?
Afif: Hoje o crédito não chega aos pequenos negócios. Nos bancos, não são os gerentes que emprestam, mas sim, os computadores que fazem a análise de crédito. As máquinas leem somente as garantias necessárias, não sabem se os empreendedores são honestos e se possuem bons projetos. Os processos são extremamente burocratizados e fora do alcance da grande massa. No Brasil, o sistema financeiro capta de todos para emprestar somente a alguns. Por esse motivo, as Empresas Simples de Crédito deverão ampliar o acesso. A ideia é que os cidadãos que têm poupança possam montar empresas para emprestar para a comunidade, somente para pessoas jurídicas, ou seja, financiamentos de negócios e produção. Neste caso, o risco será dos cidadãos, donos das empresas de crédito, se eles aplicarem taxas de juros muito altas no dinheiro emprestado, não fecharão acordos ou não receberão. Com a aprovação do projeto, caminharemos para a redução das taxas e desburocratização do acesso ao crédito.
Valor: Houve alguma resistência dos bancos a esse item do projeto?
Afif: Até o momento, não tive notícia. A criação das Empresas Simples de Crédito não afeta os bancos. Esse é um mercado em que o sistema financeiro não atua de forma significativa. Acredito, inclusive, que os bancos terão interesse e vão correr atrás das Empresas Simples de Crédito para securitizar suas carteiras.
Valor: Em relação ao texto do projeto Crescer Sem Medo aprovado na Câmara, foram feitas algumas emendas na CAE do Senado, a principal está ligada ao prazo para refinanciamento de dívidas de micro e pequenas empresas, os atuais 60 meses, que iriam subir para 180 meses, foram reduzidos para 120 meses. É importante alargar esse prazo?
Afif: É o Refis (Programa de Recuperação Fiscal) das micro e pequenas empresas. Hoje, a dívida tributária pode ser refinanciada em até 60 meses. Ao ampliarmos esse prazo para 120 meses, com redução de multas e encargos, mais empresas voltam para o “jogo”.
Valor: Em 2015, a arrecadação do Simples Nacional, segundo dados da Receita Federal, foi de R$ 69,5 bilhões, 12,1% acima de 2014. Mesmo em ano de turbulência política e econômica, o resultado foi positivo. Por quê?
Afif: Há um princípio que diz que quando todos pagam menos, o governo arrecada mais. Quando há um sistema que facilita e simplifica a vida dos cidadãos, o resultado é positivo.
Fonte: Jornal Valor Econômico, 29 de abril de 2016