Se existe uma palavra, nos dias de hoje, que provoca todo tipo de sentimento negativo na maioria das pessoas, este termo é “política”. A sucessão de escândalos recentes aumentou a distância entre nação e Estado, fazendo as pessoas se desconectarem do mundo político e, este, das pessoas.
O ponto alto aconteceu durante as manifestações de rua de 2013, em que milhões de pessoas disseram aos representantes que os eleitores não se sentiam mais representados.
A causa disso está na falência do sistema político. A saída passa por novas práticas e pela reformulação eleitoral-partidária. A reforma política, do jeito que está sendo conduzida, parece que não vai chegar à essência do problema: a reconexão entre representantes e representados. Se não chegar, por onde devemos começar? Pela base. E onde isso ocorre? Nas cidades…
O vereador é um agente político numeroso -são quase 58 mil. É ele que deveria fazer as primeiras ligações de sua comunidade com as prefeituras e fiscalizar o Executivo municipal. E sabemos que nem sempre é assim.
Por sorte, a sociedade civil continua organizada. ONGs, entidades, sindicatos, movimentos sociais perceberam a necessidade urgente de mudanças.
Surgiram estudos, como o patrocinado pela CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais), com o apoio técnico do Sebrae, sobre os gastos de prefeituras com os Legislativos municipais.
As conclusões foram assustadoras. Do total de 5.569 municípios, somente 3.762 (ou 68%) informam ao governo federal como pagam as despesas com as Câmaras de Vereadores. Ou seja, 1.807 (32%) simplesmente não apresentaram os valores das receitas de 2016 ou de 2015.
Exatos 707 gastam mais a título de despesas legislativas do que conseguem gerar de receitas próprias; 218 gastam mais de 80% do que arrecadam com as Câmaras Municipais. Gastos com vereadores, tomando-se por base a amostra selecionada, representam em média 38,7% das despesas legislativas. E chegam a superar 59% nos municípios com até 50 mil habitantes.
As despesas legislativas municipais têm os limites estabelecidos pela Constituição (art. 29-a), que é de até 7%; caso esses percentuais fossem aplicados exclusivamente às receitas próprias dos municípios, seria feita uma economia anual de R$ 7,662 bilhões.
Levando em conta as mais de 5.500 cidades, a economia potencial é superior a R$ 10 bilhões, dinheiro que poderia ser usado em escolas e hospitais.
A legislação não impede que os vereadores exerçam, simultaneamente, sua profissão. Veda, apenas, a acumulação com o cargo público, mas somente quando houver incompatibilidade de horários, algo raro nos municípios menores, onde as Câmaras se reúnem quinzenalmente e quase sempre à noite.
Logo, quem é vereador não deveria depender apenas dos subsídios da Câmara para se manter. A saída pode estar no voluntariado, como já ocorreu no Brasil, quando vereadores, inspirados por ideais nobres de cidadania e senso comunitário, exerciam mandatos sem receber um tostão. Que seja assim novamente.
Municípios que não conseguirem bancar despesas legislativas com receitas próprias poderiam ter vereadores sem vencimentos.
O voluntário é um importante ator social e agente de transformação, que presta serviços não remunerados em benefício da comunidade. São milhões que estão nas entidades assistenciais, filantrópicas, religiosas, todos trabalhando gratuitamente, dedicando algumas de suas horas para suas causas.
A única área que não tem voluntariado é a política. Por quê? Esta é a grande reforma que nós devemos fazer no país porque, se o município é a miniatura da pátria, é de lá que nós devemos extrair o modelo para o restante do Brasil.
GUILHERME AFIF DOMINGOS, 73, é presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)