18-05-2015 – Um ávido defensor dos empresários no Brasil, Guilherme Afif Domingos está determinado a criar um ambiente favorável para que os pequenos negócios venham a prosperar em um país mais conhecido pelo alto custo de fazer negócios e os entraves da burocracia. Ele acredita que investir esforços para destravar o setor irá criar uma economia autossustentável, assim como prover um solo fértil para os investimentos internacionais.
Repórter: O senhor acha que a imagem do Brasil está abalada no exterior por causa da percepção negativa dos mercados emergentes?
Guilherme Afif Domingos: A situação não mudou muito, mas, o humor das pessoas, sim. O Brasil é ainda o mesmo país e suas reservas ainda estão sólidas. Sempre haverá muitas especulações no mundo, particularmente das pessoas que fazem dinheiro com elas, mas não me preocupo com especulações e, sim, com a economia real.
O Brasil possui dois condutores principais que colocam o país à frente da economia global, não tendo com quem competir: agricultura e mineração. Temos sol 365 dias no ano e grandes reservas de água, o que possibilita nosso plantio e colheita o ano todo. A Europa tem de parar por seis meses no ano e, nos outros seis meses, trabalhar incessantemente para tirar o máximo da terra. Nossos agricultores são campeões em produtividade. Onde o Brasil perde é em termos de transporte e logística quando a colheita deixa a fazenda, mas o lucro acaba retornando.
A crise nos países em desenvolvimento reduzem os investimentos drasticamente assim como os lucros, significando que as pessoas estão simplesmente mais preocupadas em não perder dinheiro. Há muita abundância de recursos financeiros na Europa e, devido à crise, as oportunidades de investimentos foram bastante reduzidas. Os investimentos estão paralisados, mas as oportunidades para investir em portos do Brasil, estradas e aeroportos continuam.
Repórter: Voltando um pouco para 2008, durante o auge da crise mundial, o então presidente Luiz Inácio da Silva fez um apelo à comunidade internacional para que não especulasse, mas, sim, investisse no Brasil. O que mudou desde então?
GA: Não é uma questão para se apelar. Precisam ser criadas condições atrativas de investimentos, garantindo que os contratos a longo prazo sejam cumpridos e assim por diante. Não há debate ideológico a ser feito entre o estado e empresas privadas; seriam concessões temporárias do estado para os investidores. Hoje o Brasil tem condições de ser o maior parceiro em se tratando de parcerias público-privadas (PPPs).
Repórter: O que faz um PPP ser um sucesso?
GA: Em primeiro lugar, os lucros dos investimentos precisam ser justos. Segundo, os riscos têm que ser reduzidos e eliminados. Por exemplo, eu participei na estruturação do maior projeto de construção de uma linha de metrô em São Paulo, na qual tanto a construção como as operações seriam de responsabilidade do setor privado. Os riscos eram licença ambiental, que o estado tem que preparar e entregar; desapropriações, porque o estado tem que garantir realocações rapidamente, o que nem sempre é possível; e até mesmo descobertas arqueológicas que pararam o trabalho. Empresários não podem estar à mercê de tais acontecimentos.
Participei da criação de um projeto para conectar cidades via trens expressos que cobrem toda a área metropolitana do Estado de São Paulo, incluindo Campinas, São Paulo, Baixada Santista, Sorocaba e São José dos Campos. Cerca de 80% da população e do PIB do estado pertencem a estas áreas. O retorno do investimento seria tão alto que não necessitaria de subsídios.
Repórter: Você acha que empreendedorismo e inovação estão alinhados à economia brasileira?
GA: Os brasileiros são os maiores empreendedores do mundo. Atualmente, 64% da população gostaria de poder administrar seu próprio negócio. Na década de 1980, durante a maior crise que o Brasil já enfrentou e quando muitos trabalhadores foram demitidos e não conseguiram outros empregos, eles usaram o dinheiro da rescisão para abrir pequenos negócios e descobriram que poderiam ganhar muito mais como empresários.
Há muito tempo venho fazendo parte desse movimento. Fui eu quem criou o artigo 179 da Constituição, que requer tratamento especial para pequenas empresas. Depois regulamentei a lei criando o simples (sistema integrado para micro e pequenas empresas), quando ainda era presidente do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Agora temos uma versão nacional do SIMPLES, que é muito rigorosa no sentido de assegurar que os órgãos federal, estadual e municipal darão tratamento diferenciado às pequenas empresas, com o objetivo de reduzir a burocracia. O capital no Brasil ainda precisa ser melhorado e é para isso que me esforço, para facilitar o empreendedorismo no país, não para decepcioná-lo.
Ainda há muita burocracia. O Banco Mundial destacou o Brasil como um dos piores países para fazer negócios, mas estamos fazendo algumas mudanças drásticas. Estamos saltando da Idade Média direto para a era digital.
Repórter: Com quem você vem trabalhando para conseguir essa mudança significativa?
GA: A lei fala de um cadastro único para as empresas, mas no Brasil dispomos de mais de 10 registros diferentes. Então o primeiro passo é capacitar um importantíssimo documento: o CNPJ. O segundo é unificar os pedidos de licença para trabalhar, sejam eles de saúde ou ambientais. Já foi feito um estudo que mostra que 90% das pequenas empresas são de baixo risco, sendo assim a fiscalização não precisa ser obrigatória antes de elas começarem a funcionar.
Nosso comprometimento é reduzir o tempo necessário para abrir uma empresa de 150 para 5 dias. Isso levaria o Brasil da 116ª posição para o topo ficando entre as 30. Este índice é sempre reforçado pelo Banco Mundial como medida do nível de burocracia neste país, mas esse é o objetivo principal do Ministério para este ano. Juntamente com o SERPRO iremos investir 30 milhões de reais na criação de um portal para registro de 8,5 milhões de empresas. Sendo assim, as empresas não precisarão mais procurar incontáveis repartições – será uma única central de ajuda digital.
Repórter: Qual seria sua sugestão para que os investidores tivessem mais sucesso no Brasil?
GA: Em primeiro lugar, procurar um parceiro local. Este parceiro já deve ter passado pelo inferno (da burocracia) e conhece os atalhos, com o que, muitas vezes, as pessoas de fora não estão familiarizadas. A economia ao sul do equador funciona de forma diferente da economia do norte.
Segundo, ele deve se acostumar com a mania dos brasileiros de deixar tudo para a última hora e querer economizar tempo. Isto acontece aqui pelo simples fato de que no hemisfério norte, se o trabalho terminar com um dia de atraso, provavelmente você morrerá de fome no inverno. Aqui, se você perder um dia, nada acontece. As frutas continuarão nas árvores e ainda haverá peixes no rio. Esta perspectiva acaba contaminando o psicológico. As pessoas estavam preocupadas com a Copa do Mundo, mas, no final, tudo ficou pronto. Os investidores precisam se acostumar com isso, porque é natural de um clima tropical, onde a natureza é sábia e abundante.
Repórter: Você é um homem de negócios e pensa como um empresário, então por que resolveu trabalhar no setor público?
GA: Eu sempre trabalhei em algum lugar entre os setores público e privado. Sou um empresário mas vendi minha empresa de 60 anos em 2008. Sempre fui um homem de associações. Iniciei minha vida profissional na Associação Comercial de São Paulo, mas não pude aceitar que não houvesse tratamento especial para as pequenas empresas. Naquele tempo o Brasil se preocupava somente com as grandes. Na época minha empresa não era pequena, mas no ramo de seguros, tudo fica muito maior. Eu era o líder do movimento dos pequenos proprietários de negócios e fui o primeiro a mobilizá-los. Organizei o primeiro Congresso de Pequenas Empresas. Minha carreira no setor público tem sido dedicada a promover pequenos negócios, partindo do princípio de que não pode haver democracia política sem democracia econômica.
Repórter: De modo geral, quais são os impactos que os pequenos negócios têm na economia?
GA: Se há um elemento que pode criar uma mudança significativa para um grande número de pessoas a curto prazo são as pequenas empresas. No Brasil há 8 milhões delas. Se você facilitar os negócios, elas irão contratar mais empregados, e se todas fizerem isso, teremos 8 milhões de novos empregos. Considerando as famílias, isso impactaria em 32 milhões de pessoas. O programa Bolsa Família exerce o mesmo impacto, porém é autossustentável. Você só precisa dispender tempo e energia aos pequenos empresários, estimulando-os a focar no aumento da produção e nas vendas e não na parte burocrática, deixando-os produzir.
Repórter: Onde é que o SIMPLES se encaixa nisso?
GA: Nós desenvolvemos uma plataforma eletrônica onde as pequenas empresas brasileiras podem catalogar seus produtos e serviços dentro de suas características, o que torna mais viável para os potenciais compradores encontrá-las. Queremos alcançar os mercados internacionais da América do Sul, Caribe, os países africanos que falam português, Portugal e Espanha. Este é o primeiro passo a ser tomado.
O portal irá usar uma linguagem que permita ao comprador saber quais são os produtos e serviços que ela oferece. Se um comprador está precisando de suporte, ele ou ela irá encontrar. O principal problema dos pequenos empresários é a alfândega. É difícil passar por ela. Se você está produzindo aqui e vendendo lá, você precisa de operadores logísticos aqui e lá. Este vai ser o ponto focal da plataforma eletrônica nacional e internacional. Estamos trabalhando arduamente para isso.
O portal também terá crédito. Quando você estiver fechando uma venda, você terá que ter exportado crédito. Será necessária uma conexão com os fornecedores. Além disso, o portal permitirá pesquisas. Todas as facilidades de pesquisa do governo podem oferecer o que já foi feito ou permitir realizar novos negócios, de acordo com a demanda do mercado. Este será o Google das pequenas empresas. Ele irá incluir todas as informações para facilitar suas vidas.
O acesso ao crédito também é um problema importante no Brasil. Empréstimos não segurados são raros. Como diz o ditado: “Você só empresta prata para aqueles que têm ouro.” O sistema financeiro só fornece crédito para pessoas físicas. Se você precisar de bens de capital, você precisa pagar adiantado; se você precisar de bens de consumo, você pode financiá-los ao longo de 40 meses ou mais. Isto tem de ser feito através de fundos de garantia, que fornece garantia extra para que os bancos possam conceder empréstimos a longo prazo às pequenas empresas.
Vinte anos atrás, fui o precursor do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (FAMPE), um fundo de garantia para micro e pequenas empresas do Sebrae. Eu coloquei 25 milhões de reais e disse a todos que não haveria problema caso perdessem o dinheiro, que isso era um projeto para descobrirmos se seria viável fazer isso com as pequenas empresas.
Minha suposição era de que as micro e pequenas empresas honrariam seus pagamentos. Elas tiveram seus problemas mas se esforçaram para cumprir seus compromissos porque não tinham dinheiro para pagar advogados caso não viessem a arcar com suas despesas. Voltei ao fundo 20 anos depois para ver como estava. Eles disseram que ainda estava lá, com os mesmos 25 milhões iniciais. Hoje vale 520 milhões de reais. Então funciona.
Link original da entrevista (inglês)
Publicação Suplementar (inglês e português)
Tradução: Sandra Tescari
Fonte: The Guardian