No final de 2012 foi aprovada a Lei 12.741, considerada na ocasião como uma conquista da transparência: tornava obrigatório constar, nos documentos fiscais entregues ao consumidor por ocasião da venda de mercadorias e serviços, “o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais”. Ao pagar a conta do supermercado ou o conserto do carro, por exemplo, o cidadão saberia quanto iria para os cofres públicos. A ideia era dar ciência, de forma simples e habitual, sobre quanto o Estado, nas suas três esferas, leva do contribuinte.
No entanto, na semana passada, o governo federal adiou mais uma vez a obrigatoriedade dessa informação. Ao ser sancionada a lei, no dia 8 de dezembro de 2012, o prazo para que os estabelecimentos comerciais se adequassem à nova legislação era de seis meses, isto é, a partir de junho de 2013. Por medida provisória, posteriormente convertida em lei, adiou-se a obrigatoriedade por um ano. Agora, o governo federal adiou-a por mais seis meses, através da Medida Provisória 649. Até janeiro de 2015, a fiscalização será apenas orientadora, não havendo penalidade para quem não informar na nota fiscal o valor dos tributos.
O novo adiamento ocorreu simultaneamente à publicação do Decreto 8.264, de 5 de junho de 2014, que regulamenta a lei, especificando como deve ser feita a menção à carga tributária. Pelo decreto, acrescentou-se um detalhe – a segregação dos impostos por ente federativo – para contornar uma situação que estava preocupando a União: o receio de ela ficar com a imagem de ser o único arrecadador de impostos no País. O decreto determina que “a informação, nos documentos fiscais, relativa ao valor aproximado dos tributos federais, estaduais e municipais que influem na formação dos preços de mercadorias e serviços, constará de três resultados segregados para cada ente tributante, que aglutinarão as somas dos valores ou porcentuais apurados em cada ente”.
A rigor, a regulamentação propõe uma informação mais detalhada, que em princípio beneficiará o cidadão. Resta saber quando o consumidor poderá exigir essa informação, pois se vê que não está fácil essa lei sair do papel. Conforme apurou reportagem do Estado, a Receita Federal estava “reticente quanto ao modelo que já está sendo usado por algumas empresas porque dá margem à interpretação de que todo valor recolhido vai para o governo federal”. Ora, essa interpretação é um exercício intelectual da própria Receita. Até o momento, as notas fiscais que já oferecem esse dado informam apenas o “total dos impostos pagos”. Presumir que os clientes façam a associação dos impostos com a União, com o Estado ou com o município é algo que escapa do âmbito da Receita, que não deveria estar tão preocupada com os efeitos políticos de uma lei aprovada pelo Congresso. O que fica claro, sem margem para interpretações, é que o governo federal está receoso de como o consumidor analisará essa informação, acessível de forma habitual, no momento da compra. Momento este repleto de intensidade política, pois é nessa hora que o cidadão tem contato direto com a economia do País, com o alto custo de vida e com o tamanho do Estado. Muito bom seria se o receio sobre os efeitos políticos dos impostos não surgisse apenas no momento de informá-los aos contribuintes, mas especialmente quando o governo propõe o seu aumento e, se não for pedir demais, no momento de gastá-los.
Não é necessária muita interpretação para desvelar o sentido do decreto e da medida provisória. Ele foi explicitado, de forma indireta – mas muito clara -, pelo ministro da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif. Ao comentar os efeitos da informação sobre os tributos na nota fiscal, disse: “Ao saber que paga imposto em tudo, o cidadão vai ser muito mais exigente em relação aos serviços públicos”. Em tempos eleitorais como os de agora, o governo federal extrema a sua prudência, evitando tudo que possa se transformar em pólvora. Que as “novidades” fiquem para depois das eleições.
Fo
Fonte: O Estado de São Paulo