A convocação da Assembleia Nacional Constituinte partiu de um erro fundamental. Isto porque, a estrutura de uma Constituição exige juristas altamente especializados e constitucionalistas para darem harmonia a um texto básico quase que de forma didática, não necessariamente seguindo os cânones acadêmicos, mas que servisse para orientar os constituintes de forma ordenada e íntegra. A não-adoção deste procedimento acabou impondo à maioria dos constituintes uma versão de uma Carta Constitucional que mais se assemelha a um amontoado de leis complementares ou ordinárias do que propriamente a uma Carta Magna. Não nos esqueçamos do alto índice de renovação parlamentar.
Partindo do nada, através das sub-comissões e comissões, produziu-se um texto que, na verdade, marcou as características da constituição: clientelística e corporativa e, dentro da visão corporativista, levaram vantagens a maior corporação do Brasil que é o Estado, e os interesses da nova classe brasileira, a estatocracia.
A partir do jogo de pressões, o triângulo de ferro venceu.
O vértice superior formado pela nova classe — os burocratas—, confundindo os interesses sociais com os próprios, fez passar inúmeras “conquistas” que centralizam nas mãos do Estado os setores sociais como Educação e Saúde. “Verbas públicas para educação e saúde públicas” comprometidas limitaram o espaço de opção do trabalhador para progredir na obtenção de serviços de melhor qualidade no setor privado. O desejo dos estatocratas não corresponde ao desejo dos trabalhadores pois, em sua esmagadora maioria, na hora dos dissídios coletivos, o primeiro item das reivindicações é de assistência médica particular. Pergunte a um trabalhador se não gostaria que seu filho estudasse em escola particular? É o fosso existente entre a intenção da Nação e o interesse do Estado.
O vértice inferior esquerdo do triângulo também foi contemplado. São os nacionalistas de meio que confundem os interesses nacionais com os próprios. Aí está capitalismo sem risco, dividido entre os donos de cartórios empresariais privados, contemplados com as reservas de mercado, e a “constitucionalização” dos subsídios, além dos cartórios empresariais públicos com os monopólios garantidos graças às pressões de seus bravos servidores, que, inclusive, rejeitaram todas as tentativas de se introduzir na Constituição o princípio do concurso para acesso à empresa pública. Princípio este já consagrado em instituições sérias como o Banco do Brasil. Esse vértice constituído pelos capitalistas que só têm a “lista”, mas não o “capital” é que vai exaurir os fundos públicos que serão engordados com o assalto tributário da Constituição, a qual institucionalizou os empréstimos com pulsórios para obras de interesse nacional ou para absorção temporária do poder aquisitivo. Em resumo: aumentaram as tetas estatais às custas do pobre contribuinte. Tiram de todos para dar a alguns.
Por último, o terceiro vértice do triângulo de ferro composto dos políticos à cata de votos. Apoiaram todas as conquistas sociais pois, afinal das contas, é destas conquistas que saem os empregos para os parentes, amigos e correligionários.
Apoiaram as conquistas dos empresários públicos ou privados que monopolizam os interesses nacionais, pois financiaram suas campanhas.
E conquistaram o parlamentarismo, forma pela qual se cassa o direito de o povo indicar o presidente, pois a maioria parlamentar está nas regiões onde o que menos há é eleitor.
A Constituição está recebendo os contornos mais nítidos da ditadura do status quo. O triângulo de ferro está se consolidando com o apoio do PMDB. E o povo? Bem, esta é outra história pois, afinal das contas, o estelionato eleitoral do Plano Cruzado foi usado para isso mesmo!
A única esperança que nos resta é que os parlamentares não comprometidos com o jogo das cúpulas partidárias se unam na tentativa de escrever um substitutivo que permita à Nação brasileira substituir os conceitos da Constituição do “quero o meu” pela Constituição que realmente represente os anseios do povo brasileiro.
Publicado no O Estado de S.Paulo em 01/11/87