A queda do Muro de Berlim, as transformações no Leste europeu, a decisão da União Soviética em buscar no capitalismo moderno uma saída para seus monumentais problemas, o fim da guerra fria, a busca intensa de cooperação internacional pelos países que procuram complementar suas economias constituem, entre outros, os parâmetros internacionais que balizam a formação de um novo tempo e de novas proposições no tecido institucional das nações.
O Brasil, para figurar como parceiro importante no quadro das emergências contemporâneas, não poderia jamais ficar de fora do cenário mudancista e renovador, que quebra velhas estruturas, modelos arcaicos, visões maniqueístas e estilos personalistas.
Infelizmente, em um país que retrata em sua cultura política vícios seculares e mazelas históricas, nem sempre é possível caminhar com passos ágeis da modernidade. Na campanha presidencial, procurei, por onde passei, semear um conceito de modernidade, mas tive a decepção de constatar que os esquemas oligárquicos e as velhas estruturas simplesmente impunham sua verdade e suas vontades.
Hoje, o país assiste a uma maquiavélica estratégia de apropriação do conceito de modernidade, dentro do qual se embutem interesses das velhas oligarquias e programas de alto cunho autoritário.
Por ocasião da formação da chapa para as eleições deste ano, percebi que se apresentava uma magnífica oportunidade para trabalharmos, de maneira séria e apropriada, o conceito de modernidade. São Paulo, como alavanca mor do sistema produtivo do país, poderia ser o exemplo de conciliação de interesses e ideais da esquerda lúcida, inspirada no socialismo democrático e na social democracia, e dos liberais autênticos, que modelam seu pensamento no Estado de Direito, na garantia dos princípios da livre iniciativa e na visão da justiça social. São Paulo, banhando-se da contemporaneidade, poderia ser o bastião da modernidade brasileira.
Com essa motivação, fez-se a aliança que originou a coligação Novo Tempo. Estabeleceu-se um patamar de entrosamento, cujas bases estão fincadas nos pontos em comum, que são enormes. Com a convivência rotineira propiciada pela campanha, tive a oportunidade de conhecer, de perto, a experiência e a visão política de urna personalidade, que, hoje, os representantes da cultura mais retrógrada na política brasileira tentam denegrir. Refiro-me a Aloysio Nunes Ferreira, peça fundamental na costura do entendimento e da coligação Novo Tempo.
A experiência de Aloysio, intensa e dura, moldou-lhe o espírito e lhe deu o equilíbrio, marca de seu caráter. Estudante idealista, presidente do XI de Agosto da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, motivou-se pelas ideias reformistas da década de 60, símbolo da modernidade na época. O país sofria o estigma corporativista (ainda hoje muito saliente), que resultou das reformas de 30. Corporativismo que se fazia presente tanto no fascismo quanto no comunismo. De acordo corno maniqueísmo próprio dos regimes totalitários, ou se estava de um lado ou de outro. “Tutto rosso ou tutto nero”, como dizia Mussolini. Com a Revolução de 64, a corrente fascista emergiu. Quem era contra foi empurrado para o outro lado.
Aloysio, por contestação, se inscreve no velho MDB e como tantos jovens de sua época aproximou-se do então proscrito PCB. O advento do AI-5 exacerbou a perseguição fraticida, com a radicalização dos dois lados. O resto da história está nos tristes anais do período repressivo. Quem não fugiu para o exterior, acabou nos cemitérios de Perus e de outras plagas. Aloysio amargou dez anos de exílio vivendo na França. Lá vivenciou o início das reformas francesas no pós-movimento estudantil de 1968. Portanto, ele viveu intensamente a discussão da modernidade política, no confronto entre as ideias liberais, socialistas e da social democracia. Tudo sob o égide da liberdade.
Sua vivência foi fundamental para a reformulação de conceitos. Impregnado pela visão democrática francesa, voltou ao país, após a anistia, e se inscreveu no PMDB. Tornou-se deputado e líder na Assembleia Legislativa de dois governos, sendo reconduzido quatro vezes por sua bancada. Trata-se de um deputado respeitado por todos os partidos e lideranças, por sua capacidade de conciliação e por sua posição de autêntico democrata.
Nesta campanha, a seu lado e ao lado de Fleury, construímos uma base de respeito e de amizade. Foi o encontro histórico de uma geração que sempre ansiou por reformas e que só agora começa a enxergar o caminho com clareza. Consideramo-nos parceiros de um Novo Tempo.
Sabemos das dificuldades para o entendimento desse novo caminho. De um lado o patrulhamento ultrapassado daqueles que insistem em repisar o discurso nacionalista e corporativo da esquerda dos anos 50, que acabou sendo o modelo aplicado pela direita dos anos 60-70. A eles recomendo conversar com o Prêmio Nobel Gorbatchev.
Do outro lado os componentes do antigo “comando de caça aos comunistas” que agora tentam vasculhar o passado de Aloysio para acusá-lo de terrorista. A eles recomendo assistir a novela “Araponga”. Lá estão os personagens de uma ópera-bufa, legítimos representantes da burrice nacional. Para que a novela atinja sua plenitude de verdade, basta a Globo colocar nos créditos da produção os dizeres: “O personagem central é baseado em figura real que atua na sucessão de São Paulo procurando subversivo.”
Publicado na Folha de S.Paulo em 20/11/90