Não emita que eu não demito

21 de janeiro de 1989
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O “choque verão” ou, especificamente, as medidas provisórias adotadas pelo governo no dia 15 último, não são um fato consumado e irreversível.

Isto porque as medidas provisórias devem ser apreciadas pelo Congresso antes mesmo que completemos 30 dias de vigência, podendo ser aprovadas, rejeitadas ou, mesmo, modificadas pelos parlamentares. Embora o regimento interno do Congresso não permita que as medidas provisórias sejam emendadas, cabendo aos parlamentares optarem apenas entre o sim e o não, existe a possibilidade de que o Congresso aprove as medidas provisórias e, simultaneamente, um projeto de lei introduzindo alterações em seu texto.

Assim, os parlamentares que durante a Assembleia Nacional Constituinte mantiveram o presidencialismo, mas limitaram acentuadamente os poderes do Executivo e ampliaram suas próprias atribuições, devem agora assumir posição em relação ao programa de ajuste da economia brasileira, dividindo com o governo as responsabilidade de seu êxito ou fracasso.

A possibilidade de modificação das medidas provisórias pelo Congresso oferece oportunidade para o aperfeiçoamento do “choque verão”, mas, também, riscos de que sua consistência possa ser comprometida. Isto porque alguns parlamentares poderão aprovar as medidas que se revelem populares, como o congelamento de preços, e rejeitar aquelas que possam implicar ônus político como a demissão de pessoal.

Entendemos que a missão do Congresso em relação ao “choque verão” deva ser a de assegurar o seu sucesso garantindo que a parte fundamental para que isso ocorra, isto é, o saneamento das finanças públicas, se concretize. Nesse sentido, pretendemos apresentar emenda instituindo a punição de servidores públicos em todos os níveis, o que inclui o presidente da República, e de dirigentes de estatais, que desrespeitem as medidas adotadas para que se atinja o equilíbrio orçamentário.

Pretendemos também tornar mais rígidas as normas estabelecidas em relação à execução orçamentária na medida provisória n° 32, de que os desembolsos de recursos à conta do Tesouro em 1989 “ficam limitados ao montante das receitas arrecadadas”. Temos que exigir que os gastos sejam limitados ao montante da receita e não apenas os desembolsos. Caso contrário, ao invés de “não gastar” o governo poderá apenas “não pagar”.

Consideramos que o sucesso do “choque verão” não depende do congelamento dos preços, que deve ser medida de curtíssimo prazo destinada apenas à reversão das expectativas, mas de execução das políticas monetária e fiscal por parte do governo. O Congresso deve ter condições de acompanhar essa execução para poder colaborar, fiscalizar e, se for o caso, intervir para que ela não sofra desvios que possam comprometer o combate à inflação. Da mesma forma que o presidente Sarney pediu ao povo para fiscalizar os preços, o Congresso deve fiscalizar os atos do governo, em nome do povo.

Sabemos que não existe combate indolor à inflação e que o programa de ajustamento impõe perdas e sacrifícios a diversos segmentos da sociedade, os quais não são distribuídos de forma equitativa.

A queda temporária dos níveis de atividades parece ser uma consequência provável e inevitável do “choque verão”, com reflexos negativos sobre o emprego. Reduzir o impacto da desaceleração econômica sobre a classe trabalhadora deveria ser o grande objetivo de um pacto social envolvendo empresários, trabalhadores, governo e Congresso. A essência desse pacto seria “não emita (governo) que eu não demito (empresários)”.

Os empresários deveriam assumir compromissos de manter o nível de emprego durante um período, no qual os trabalhadores aceitariam maior flexibilização em relação aos salários, os governos federal, dos Estados e dos municípios se absteriam de promover aumentos de impostos e taxas e direcionariam seus investimentos para as áreas sociais altamente geradoras de emprego. O Congresso votaria leis que facilitassem o ajuste e não aprovaria medidas que pudessem implicar dificuldades e ônus adicionais para as empresas.

Com um pacto dessa natureza se asseguraria a travessia desse período crítico que nos separa da eleição presidencial permitindo que a mesma venha a ser disputada com base em ideias e programas. Se o “choque verão” e um pacto que minimize os custos do ajustamento não tiverem êxito corre-se o risco de que o pleito presidencial venha a ser disputado em meio de uma gravíssima crise econômica que pode influenciar não só seus resultados como até sua própria realização.

Por isso, é preciso que o Congresso esteja consciente de suas responsabilidades e os parlamentares firmem entre si um pacto da travessia, destinado a discutir o programa de ajuste da economia, não em termos de situação ou oposição, de interesses políticos ou posturas ideológicas, mas sim como urna alternativa, talvez a última, para que o país não desemboque no caos econômico e, inevitavelmente, político e institucional.

Não há como fugir a essa responsabilidade. Chegou a hora da verdade. Ou asseguramos o sucesso do combate à inflação e com isso, possibilitarmos a travessia da “Nau Brasil”, até um porto seguro ou o “choque verão” terá o destino do Bateau Mouche, levando junto as esperanças do povo brasileiro.

 

Publicado na Folha de S.Paulo, no dia 21/01/89.

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