Momento de decisão

20 de abril de 1988
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O Brasil atravessa um período extremamente importante de sua história, quando se prepara para definir, a nível institucional e a nível operacional, os caminhos que deve trilhar na esfera econômica, ou seja, o seu modelo de desenvolvimento.

De um lado, o Executivo procura restabelecer a normalidade de nossas relações com o mundo financeiro internacional após a desastrada moratória provocada pela irresponsável dilapidação das reservas cambiais e reestruturação das exportações resultante da farsa em que se transformou o Plano Cruzado.

Tudo indica que o país deverá fechar em breve um acordo com os bancos privados que, se não é o ideal é o possível nas circunstâncias, tendo em vista a falta de credibilidade externa (assim como a interna) do governo e a desorganização da economia. O restabelecimento das negociações com o FMI permitirá novamente a obtenção de recursos do Banco Mundial e de agências governamentais das nações desenvolvidas, desde que o Brasil faça um mínimo esforço para um ajustamento interno consistente.

Paralelamente ao retorno ao país à comunidade financeira internacional, o governo anuncia um programa de liberalização do comércio exterior envolvendo uma reforma tributária e a desregulamentação das exportações e das importações, com vistas a aumentar nossa competitividade externa e a concorrência interna promovendo, consequentemente, a elevação do nível de eficiência econômica.

Enquanto isso, a Assembleia Nacional Constituinte prepara-se para votar nos próximos dias o capítulo da Ordem Econômica do texto constitucional que deverá definir se o Brasil dos próximos anos será um país estatizado, cartorial, xenófobo e ineficiente ou caminhará na direção de uma economia de mercado, aberta ao capital e à tecnologia externa, competitiva e eficiente.

Se no capítulo dos Direitos Sociais foi consagrado, de forma quase irreversível, o paternalismo populista, com restrições à livre negociação, manutenção da estrutura sindical herdada do fascismo e concessões demagógicas que oneram o custo do fator trabalho, é de se esperar que os constituintes tenham o bom senso de assegurar na Ordem Social ampla liberdade para as atividades econômicas, de forma a estimular investimentos, tanto nacionais como estrangeiros, com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade, fortalecer as empresas e ampliar a oferta de empregos. Só assim será viável tornar efetivos os benefícios sociais introduzidos no texto constitucional a uma parcela significativa dos trabalhadores.

Uma das alternativas que se oferece aos constituintes é a de manter o “status quo” do cartorialismo e do populismo que beneficiam uma minoria da população que se apropriou do Estado. Essa minoria age tanto internamente, enquanto parte da burocracia na máquina pública e da tecnocracia nas estatais, quanto externamente os políticos clientelistas e os empresários que gozam de privilégios, ou como beneficiários de reserva de mercado ou como “sócios” na distribuição de verbas.

A outra alternativa é a de retirar o Brasil da contramão da história e colocá-lo na fase que Luis Fernando Veríssimo chamou de “a mais avançada do socialismo”, em que já se constatou que o socialismo não funciona e se passou para a abertura da economia. Os exemplos de “socialismo avançado” em que podemos nos basear são muitos e variados, como a União Soviética e a China, que disputam avidamente capitais e tecnologia do exterior e procuram descentralizar e desburocratizar suas economias: Portugal pós-Revolução dos Cravos, que procura ampliar seu mercado ingressando na CEE e a Espanha, do socialista Gonzales, que através da privatização de empresas estatais e da abertura da economia consegue a melhoria dos padrões de vida de sua população.

A lista de países que poderiam servir de exemplos para uma abertura interna e externa da economia brasileira poderia incluir ainda os “dragões asiáticos” (Taiwan, Coréia, Hong Kong e Cingapura), que em cerca de 20 anos venceram a barreira do subdesenvolvimento apesar de não disporem de recursos naturais, desmentindo as teorias estruturalistas que, muito mais do que explicar, procuravam justificar a estagnação econômica através de “bodes expiatórios” externos.

O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo ocidental, com um coeficiente de importação da ordem de 7,0% do PIB (contra 10% nos Estados Unidos, 23% no Canadá, 25% na Alemanha, por exemplo) e exportações que não atingem 11% do PIB, o que demonstra existir uma ampla margem para a ampliação de nosso comércio exterior capaz de permitir uma alocação mais eficiente de recursos e aumento da produtividade. Somos igualmente refratários à competição externa, quer no tocante a produtos, como a tecnologia e serviços, como demonstra relatório dos EUA sobre restrições comerciais, do qual o Brasil ocupa 49 páginas, isso porque não inclui as “restrições não escritas” frutos de decisões arbitrárias dos burocratas.

Internamente, a regulamentação da economia é de tal magnitude que o horário de funcionamento de um posto de gasolina no sertão do Piauí é decidido em Brasília, da mesma forma que a licença para se criar uma empresa na área de informática. Em muito poucas áreas cabe ao mercado indicar o que, quanto e como produzir, a que preço vender, segundo a velha lei da oferta e da procura.

Chegou a hora de mudar tudo isso e colocar o país no caminho da liberdade de iniciativa, da responsabilidade individual, da eficiência econômica e da igualdade de oportunidades. O começo dessa mudança depende do capítulo da Ordem Econômica que vai ser votado na Constituinte. O que se fizer agora condicionará o futuro do país e os destinos das próximas gerações. Este é um momento de decisão, e precisamos estar à altura dele.

 

Publicado na Folha de S.Paulo em 20/04/88 e na Folha da Manhã em 16/07/88.

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