Simplificar e desburocratizar. Essas são as metas do ministro Guilherme Afif Domingos à frente da Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Em entrevista exclusiva ao repórter Thiago Vilarins, da Sucursal de Brasília de O LIBERAL, ele prometeu, em um ano, facilitar o Simples Nacional, reduzir a burocracia e, acima de tudo, acabar com o complexo processo de abertura e fechamento de empresas no Brasil. “Vou ficar muito frustrado se não conseguir em um ano isso”, completou, encerrando a promessa com o slogan de campanha que o tornou popular em todo o País nas primeiras eleições diretas de 1989: Juntos chegaremos lá”.
• A Secretaria da Micro e Pequena Empresa concluiu recentemente uma análise minuciosa das principais dificuldades que emperram o empreendedorismo no País. Nesse levantamento também foi identificado quais são as maiores barreiras para os empreendedores da região Norte?
O primeiro ponto é que o problema das micro e pequenas empresas não é regional, eles são semelhantes, aliás, são idênticos. Logicamente, as condições de mercado variam de Estado para Estado, mas o drama deste pequeno empreendedor é o massacre da burocracia, é o massacre da carga burocrática fiscal, é a dificuldade de acesso a crédito, a dificuldade de acesso a inovação tecnológica, a dificuldade para efeito de você regularizar-se perante as autoridades de licenciamento, é o problema do meio ambiente, é o problema do Corpo de Bombeiros, é o problema da vigilância sanitária. Esses problemas são comuns a todos os empresários do Brasil. E o que a gente vai fazer, correndo, é exatamente aferir essa realidade para a gente ter um denominador comum, sem embargo de ouvir as questões regionais e as dificuldades locais. Portanto, é por isso que estamos ouvindo a sociedade, assim como fizemos em Belém, para que o Congresso fique afinado com a sociedade e, por consequência, para que o Poder Executivo ouça a sociedade através do Congresso. Esse ministério foi criado para lembrar toda a área de governo que existe uma determinação constitucional que obriga a dar um tratamento diferenciado ao micro e ao pequeno empresário, assim definido em Lei, nos campos administrativos, tributários, previdenciários, creditícios, eliminando ou reduzindo suas obrigações através de Lei. Portanto, existe uma Lei, que é a 123, que acabou gerando o Super Simples, que regulamenta o que já tinha feito lá atrás, que foi o lançamento do Simples que eu participei em 1995, só que muitas das áreas de governo ignoram o aspecto do tratamento diferenciado. Assim, o que eu venho fazer? Nós estamos em um momento em que o Brasil precisa, mais do que nunca, continuar nascendo da geração de emprego e de renda, e que, mesmo com as crises internacionais, a micro e a pequena empresa são as grandes geradoras de emprego. Precisamos do Simples muito mais simples. Essa é a grande diretriz da nossa secretaria.
• O Pará é um dos Estados campeões da informalidade no País. Como o senhor pretende reverter quadro?
A criação do MEI, que é o Micro Empreendedor Individual, é exatamente a grande oportunidade da formalização de uma massa de milhões de pessoas. É o que a presidenta Dilma, sintonizada conosco, chama de “classe batalhadora” no Brasil. Então, para se formalizar hoje é muito simples. Só que nós precisamos chegar a todas as prefeituras do Brasil. Eles precisam entender que esse MEI não é um adversário, não é um descumpridor de regras, é alguém que pode ser formalizado sim e ser tratado, absolutamente de forma diferenciada. Porque ele com R$ 38 por mês paga a previdência, está quites com o Estado e está quites com o município. Agora, os Estados e municípios precisam entender que esse MEl, que é um CNPJ, é um CPF ‘CNPJotizado’, é uma pessoa física transformada em microempreendedor individual, dá o endereço da residência dele, não tem escritório, e onde ele mora, só que no dia seguinte o IPTU da prefeitura vira IPTU de pessoa jurídica, a conta da água dele vira pessoa jurídica, a conta da luz vira pessoa jurídica, ele fala ‘pronto, bem vindo ao inferno em vez de ser bem vindo ao céu da formalização’. Ele passa a viver um inferno recebendo cobrança de picareta de tudo quanto é lado, como é o caso de umas associações que existem que ficam só sapeando a emissão do CNPJ para emitir uma guia de recolhimento obrigatório de acordo com a contribuição, que é essa cultura sindical que nós temos, já emitindo o boleto para cobrar RS 300. Então, ele tem medo de se formalizar. E nós precisamos agora em companhia de Estados e municípios tirar o medo para que essa imensa massa possa se formalizar.
• Mas como colocar essa intenção em prática?
Eu sou constituinte e conheço o que escrevi. O artigo 170 da Constítuição, que trata do capítulo da ordem econômica, tem o parágrafo único que diz: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. E aí o que nós fizemos, a legislação praticamente anulou o princípio libertário desse artigo e nós agora temos que partir para urna grande campanha da simplificação das normas. O Brasil precisa de um grande Simples, é simplificar o Simples. Nós temos que hoje ter um verdadeiro mutirão que permita a essas pessoas não terem medo de se formalizar e tirar toda essa carga que existe em cima. Porque o Poder Público não confia, não acredita, não capacita e não fiscaliza. Cria um monte de normas, regras, embaraços e depois cada um faz o que quiser. Nós temos que inverter essa ordem: acredito, confio, capacito e fiscalizo. Esse vai ser o primeiro princípio da introdução da Redesim, que é a Rede de Formalização da Abertura e Fechamento de Empresas. Nós vamos fazer um sistema absolutamente integrado de forma digital, para que o cidadão do Brasil inteiro possa abrir uma empresa e licenciá-la praticamente na hora. Nós, dentro de um ano, essa é a grande missão do ministério, vamos implantar esse sistema através das juntas comerciais. A Junta Comercial vai ser a janela única, o balcão único de atendimento de toda atividade econômica. Segundo: Vamos ter a unificação do registro. A Constituição diz que o registro será único e você tem CNPJ, tem o Nire, tem a inscrição estadual, inscrição municipal, número dos órgãos licenciadores, cada um com seu número e suas regras, tudo vai ser unificado dentro dessa lei que nós vamos votar para ter um único registro.
• No Pará as MPEs não chegam a cinco anos, em media. Que mecanismos o senhor vai criar para evitar essa mortalidade?
Tem questões de mercado, mas tem o peso da carga burocrática. Ela às vezes se afoga na falta de acesso ao sistema de crédito. Hoje, nós temos aí os programas de micro crédito orientado do Banco do Brasil, da Nossa Caixa. A grande dificuldade é que o crédito para micro e pequena empresa é muito sobre capital de giro e não sobre investimento. Aliás, a cultura do Brasil é muito crédito para bens de consumo e pouco crédito para bens de produção. Dou um exemplo de uma manicure, se ela quiser comprar uma TV, ela tem 60 meses para pagar, mas se ela for comprar um forno de autoclave, ela tem que pagar à vista. Então, isso vale para todo tipo de máquina e equipamento. Nós temos que fazer uma linha de crédito voltada para o investimento que entra máquina nova e máquina usada também. Porque, às vezes, alguém está comprando um torno computadorizado, de última geração, e desativando um torno de antepenúltima geração, mas que para um pequenininho do interior do Pará serve. E qual o financiamento que ele tem para isso? Não tem.
• O senhor tem repetido que quer simplificar o Simples. Quais as propostas o senhor já recebeu, inclusive dos empresários do Pará, para formatar essa proposta?
A primeira é a distorção criada pelo contribuinte substituto, que muitos Estados adotaram como uma salvação dos seus caixas e acabaram atropelando e desrespeitando a própria Constituição e a sua Lei Complementar, que obriga o tratamento diferenciado para a micro e pequena empresa. A substituição tributária, ao não levar em conta a realidade da micro e pequena empresa, retendo todo o imposto na fonte de produção na indústria, sem olhar que o pequenininho lá na frente tinha um beneficio, nós vamos ter que reestabelecer. Não pode ter substituição para micro e pequena empresa. Isso é um ponto. Segundo ponto, também polêmico, mas que eu vou defender, é a ideia da universalização do Simples pelo porte e não pelo setor que a empresa está. Então, você fala “o corretor de seguro não pode ser simples, mas o contador é”, mas me explica qual a diferença. Se ele fatura até R$ 3,6 milhões é tudo Simples, é pelo tamanho. O terceiro ponto é confirmar na legislação algo que não tem acontecido. A lei que não der tratamento diferenciado para o micro e pequeno empresário não vale para atingi-lo, isso em toda a legislação. Então, você pega a Anvisa, por exemplo, fez um regulamento por lei de toda a cobrança de suas taxas. Outro dia veio aqui o presidente da Anvisa: “Doutor Afif, eu não posso dar tratamento diferenciado na taxa de micro empresa, porque a lei não me autoriza”. Ora, se a lei não autoriza, com o dispositivo que nós vamos colocar a lei que foi feita não atinge o micro e pequeno empresário, portanto você tem que dar uma cobertura para obrigar a todos a pensarem nesse sentido. Como por exemplo, a lei já fala de uma fiscalização dupla, ou seja, duas visitas, você não pode chegar para multar uma micro e pequena empresa sem antes fazer uma fiscalização orientadora, só depois que você retorna para multar.
• O senhor promete em um ano simplificar o Simples, reduzir a burocracia e, acima de tudo, acabar com o complexo processo de abertura e fechamento de empresas no Brasil. Não é um período muito curto para resolver esses problemas que se arrastam por tanto tempo?
Eu me lembro de uma vez um time de deficientes treinados por uma pessoa extraordinária que um dia usou a seguinte expressão: “Eles não sabiam que era impossível, por isso foram lá e fizeram.” Então se ignorarmos que é impossível, nós vamos fazer. Vamos perseguir porque todo o conjunto de legislação já existe. A ideia nossa é trabalhar entre seis a oito meses no desenvolvimento junto ao Serpro. Depois de seis meses nós vamos implantar e vamos ter quatro a seis meses de treinamento e equipamento das juntas comerciais. Mas, juntos chegaremos lá.
Publicado no “O Liberal”, de Belém-PA no dia 01/09/13