“Jovem quer ser mais empreendedor”

9 de julho de 2013
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Entrevista concedida ao jornal Brasil Econômico

A Secretaria de Micro e Pequenas Empresas completa dois meses de existência num momento em que há forte apelo pela redução do número de ministérios no governo.

Ardoroso defensor da criação da pasta, o diretor-presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional), Luiz Barretto, afirma, em entrevista ao Brasil Econômico , que a mais recente estrutura do governo não vai onerar tanto os cofres públicos.

“É mesmo um mini-stério”, diz, numa referência ao orçamento anual de R$ 8 bilhões.

Para Barretto, que já foi ministro do Turismo, o fato de as micro e pequenas empresas representarem 99% do total de empresas do país e 25% do Produto Interno Bruto (PIB) justifica a criação da pasta. Mais do que isso, diz que o ministério pode ser uma resposta às vozes das ruas, que pedem mais qualidade nos serviços públicos.

“Acho que o empreendedorismo é também uma resposta forte para esses jovens, que podem enxergar uma alternativa para suas vidas”.

Segundo Barretto, há cinco anos os jovens sonhavam em trabalhar numa multinacional. Hoje, pesquisas mostram que 44% da juventude brasileira, entre 18 e 24 anos, querem é ter seu próprio negócio.

Mesmo com as manifestações, mostradas para o mundo inteiro pela imprensa e pelas redes sociais, Barretto enxerga nos grandes eventos internacionais boas oportunidades para o pequeno empreendedor – que, nos dias de hoje, tem um perfil “jovem, feminino e antenado”.

A secretaria da Micro e Pequena Empresa, mais recente ministério do governo Dilma Rousseff, completa dois meses amanhã. Como o senhor avalia a atuação do ministro Guilherme Afif Domingos nesta fase?

A micro e pequena empresa tem agora um bom advogado no governo. A criação da secretaria faz com que todas as questões ligadas a esse segmento, que estavam dispersas, se encontrem num balcão único. Antes, o Sebrae tinha que se relacionar com 10 ou 12 ministérios.

Sou muito otimista, já era favorável à criação da secretaria, mas nesses primeiros dois meses de trabalho pude sentir uma forte sinergia, que inclui Executivo, parlamento e Sebrae.

Estamos construindo alguns consensos junto com o parlamento e com a Secretaria. Tem o Projeto de Lei Complementar 237, de autoria da frente parlamentar, que traz uma agenda importante para os próximos anos.

Uma das críticas que se faz ao governo hoje é que há muitos ministérios. Há mesmo necessidade de um ministério só para as micro e pequenas empresas?

Sou defensor desse segmento e tenho convicção de que ele merece um espaço no governo, pois é muito representativo da sociedade.

Se o ministério é transitório ou permanente, é uma discussão que cabe ao Executivo. Nosso segmento é decisivo em participação no PIB, geração de emprego e inclusão social. E, mais do que isso, para a inclusão de jovens.

Essa energia positiva com as manifestações das ruas tem que ser canalizada para alguma coisa. O Congresso está dando respostas, os Executivos estão dando respostas. Mas acho que o empreendedorismo é também uma resposta forte para esses jovens, que podem enxergar nele uma alternativa para suas vidas: ter um negócio próprio.

Nossas pesquisas mostram que 44% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos sonham em ter seu negócio. De cada 10 jovens, cinco estão tentando viabilizar o negócio e dois já realizaram. Há cinco anos essas pesquisas davam majoritariamente que o jovem queria trabalhar em multinacional. Esse mesmo jovem, que está exigindo mais nas ruas, também quer ser mais empreendedor.

Mas o segmento já não tem um espaço no Ministério da Indústria e Comércio Exterior (Mdic)?

Isso é comum em todos os países. Como presidente do Sebrae, tenho muita dificuldade em ter um advogado único em relação ao governo federal e aos governos estaduais.

Ao abrir o ministério, mesmo que ele seja por tempo determinado, ele vai induzir as cidades e os estados a terem correspondentes e vai canalizar para o que eu chamo de balcão único.

Hoje, eu lido com Ministério do Trabalho, com Mdic, com Ministério do Desenvolvimento Agrário, só para citar alguns. Vou continuar lidando, mas agora sob a batuta de um maestro único.

Além do mais, esse ministério não onera nada. É mesmo um “mini-stério”, com orçamento de apenas R$ 8 bilhões. É um órgão de coordenação, no sentido de integração desse tema.

Afif Domingos é o melhor nome para conduzir a pasta?

Não cabe a mim dizer. Quem decide é a presidente. Mas não há dúvida de que ela colocou lá alguém que entende do assunto.

Afif está nesta luta pelas pequenas e microempresas há mais de 30 anos. Esteve em todas as lutas do Simples, trabalhou esse tema. Foi uma escolha feliz.

O senhor falou que o peso do segmento no PIB e na geração de empregos justifica a criação da secretaria. Qual é esse peso hoje?

Hoje, 99% das empresas brasileiras são micro ou pequenas. Elas representam 25% do PIB, o que não é pouca coisa. Elas são responsáveis por 52% dos empregos gerados no Brasil e é o setor que tem segurado os empregos.

Nas épocas de crise, são elas que geram o saldo positivo do Caged (Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho).

Nos momentos diferenciais elas ultrapassam esta média de 52% e vão para mais de 70% da geração de emprego. É um segmento fundamental para o país e que tem uma importante agenda para o século 21.

De que maneira a crise econômica tem afetado esse segmento? 

A crise ainda não está batendo na porta do pequeno empresário. Pode estar batendo um pouco na indústria, mas na área de comércio e serviço, ainda não bateu.

Nosso mercado interno ainda está aquecido, por causa da elevação da renda e da massa salarial.

O índice de mortalidade de empresas hoje chega a 16% no primeiro ano, 30% no segundo. Não é elevado?

Nenhum país do mundo tem mortalidade menor que 15% nos primeiros dois anos. É um ciclo natural do capitalismo que conhecemos. No serviço e comércio há um ciclo menor, na indústria é maior.

No caso do Brasil, há 10 anos a mortalidade nos primeiros dois anos chegava a 50%. Agora, temos em torno de 70% de sobrevivência. Ainda pode melhorar, mas eu acho difícil porque já houve uma evolução muito forte em relação a dez anos atrás.

O que motivou essa evolução?

Primeiro, o mercado interno. Poucos países do mundo têm mais de 100 milhões de consumidores. Outra coisa que melhorou muito foi o ambiente legal, com a nova legislação.

Há seis anos foi criada a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. A grande vantagem dessa lei é que ela desonera a micro e pequena empresa em até 50%. E, ao mesmo tempo, desburocratiza, porque incorpora todos os impostos no mesmo balcão – o ICMS, o ISS e seis impostos federais.

Quando a lei é boa e é um ganha-ganha, as coisas ficam mais fáceis. O Supersimples foi uma minirreforma tributária que deu certo. Quisera a sociedade brasileira ter produzido uma reforma tributária que pudesse permitir menos tributo e menos burocracia.

O senhor acredita que o Supersimples pode servir de modelo para uma reforma tributária na economia como um todo?

Sou muito cauteloso em falar do Executivo ou do Legislativo. Mas uma grande lição que todos nós aprendemos é que uma ampla reforma tributária fracassaria no Brasil. Há o pacto federativo, há uma ideia de direitos adquiridos.

Acho que o modelo do Simples aponta para microrreformas. Talvez fosse o caso de ter uma pauta de microrreformas econômicas e abandonar a ideia de uma ordenação grandiosa.

É evidente que qualquer brasileiro, no governo ou fora do governo, sabe que temos uma carga alta e ao mesmo tempo temos muita burocracia e muita dificuldade para exportar, ou para abrir e fechar uma empresa.

No caso do Simples, tudo isso foi superado. No MEI (Microempreendedor Individual) é possível abrir uma empresa online: bastam 15 minutos e a empresa está aberta. O país precisa de uma agenda de microrreformas que comece pela simplificação.

Em que medida esses movimentos de protestos, com repercussão internacional, podem frustrar as expectativas do micro e pequeno empreendedor em relação à Copa?

Não vão frustrar. Democracia convive bem com manifestação. Houve alguns excessos, vandalismos, mas foram coisas pontuais. O mundo inteiro sabe que o Brasil é pacífico e essas manifestações têm um perfil bem diferente do que vem acontecendo em outros países.

Nós vamos aproveitar a Copa e a visita do Papa para incrementar as vendas. Todo mundo vai ganhar com esses eventos, do pipoqueiro ao grande hotel. As pesquisas mostram que as pessoas não são contra a Copa, elas estão preocupadas é com o legado da Copa.

Em quanto esses grandes eventos vão incrementar o faturamento das pequenas empresas?

É difícil dizer. Há um trem passando e é preciso colocar em algum vagão desse trem um espaço, mesmo que minoritário, para a micro e pequena empresa. Não sei se vai acontecer. As empresas têm que se mexer, fazer a sua parte.

Temos um programa para a Copa do Mundo. Já tem muita gente ganhando com isso. Claro que não ganha licitações, mas ganha de alguma forma. Elas estão confeccionando camisas, vendendo uniformes, brindes.

O senhor fala em uma agenda para o século 21…

É a agenda da produtividade, da inovação e da competitividade. Há hoje um gap muito forte nas exportações. Apenas 2% das pequenas e microempresas exportam. Isso porque 80% são compostas por comércio e serviços. E, no Brasil, o maior exportador é ou agricultura, ou indústria.

Há pouca tradição de exportação no Brasil. Espero que seja um tema na agenda dos próximos dez anos e que a gente se prepare para aumentar a capacidade produtiva e a inovação, para que possamos ser mais competitivos e com maior valor agregado.

Há hoje uma situação confortável de um grande mercado interno. No comércio e serviços nós vamos viver ainda os frutos do mercado interno que se criou com a chegada de 40 milhões de novos consumidores à classe média.

Como fazer para elevar essas exportações, sair dos 2%?

É complexo. Vivemos no mundo das fusões, das grandes âncoras, que não são nacionais, são globais. Neste mundo, a grande empresa sempre vai ser majoritária. Por outro lado, os países com mercado interno grande tendem a se voltar para si mesmos.

O Brasil tem mais de 100 milhões de consumidores. É natural que uma parte significativa do empresariado pense mais no consumo interno. O problema é que se ele não for competitivo para exportar, não vai ser competitivo para sobreviver no mercado interno. Isso é mais candente na indústria, mas também vai chegar no comércio e nos serviços.

Aumentar a competitividade, o valor agregado, significa ter o horizonte brasileiro mais fortalecido. Hoje, o Brasil produz coisas que há 40 anos eram impensáveis. Há muita tecnologia nisso. Mas acho que a gente também tem que aumentar a capacidade produtiva no comércio e nos serviços.

É uma cultura. Quem tem mercado interno grande, não olha para fora. Mas também, se ele não tiver desejo de olhar para fora, não vai sobreviver dentro. Uma empresa que não se prepara, não se planeja para dar um salto de qualidade, não vai sobreviver. O que eu vislumbro é que a gente saia de 2% para 8%, pelo menos.

Qual o caminho?

Penso muito em encadeamento produtivo, em se planejar uma cadeia de valor e a relação das micro e pequenas com as grandes empresas. Por exemplo, temos um trabalho de dez anos com a Petrobras para enxergar como é possível para a pequena empresa participar dessa cadeia de valor da Petrobras, para que cresça tanto a pequena empresa, quanto a Petrobras. Estamos procurando grandes empresas âncoras.

Outro exemplo, o programa Inovar-Auto tem o pré-requisito de nacionalização de mercados. Vamos identificar a demanda da empresa grande para a pequena. As empresas que estão se instalando numa determinada cidade podem ter como fornecedores do uniforme as pequenas empresas locais.

Quando se cria localmente uma rede de fornecedores, ganha a grande empresa, ganha também a pequena. E a ideia é introduzir isso também nas exportações. Quando essa grande empresa vai para outro país, pode também transportar seus fornecedores brasileiros. O Brasil ainda não está fazendo isso.

O ministro Afif tem falado em Simples internacional e em Simples trabalhista. Qual a importância disso para o setor?

Tem relação com essa nova agenda, que inclui, no caso do Simples internacional, o relacionamento com as empresas congêneres em outros países, e exportar mais. No caso do Simples trabalhista, Afif introduziu na Constituição o tratamento diferenciado na área de tributação, mas não há o mesmo na área trabalhista.

A questão trabalhista é um tema espinhoso, delicado, que afeta direitos. A proposta não é tirar direitos, mas simplificar, diminuir a burocracia, buscar maneiras mais flexíveis nas relações trabalhistas.

Vou citar um caso: a área de eventos, por exemplo, tem uma sazonalidade razoável. É preciso permitir que as contratações tenham um modelo que não seja o tradicional. É isso que Afif está levantando como sendo uma nova agenda.

O povo brasileiro está vivendo um período muito rico e muito positivo da sua democracia, as pessoas estão levantando várias questões importantes. É um sentimento normal. Quanto mais o país melhora, mais a gente quer. Graças a Deus, a gente está sempre melhorando.

Esse novo Brasil exige, mesmo na área da legislação, a ampliação de alguns direitos. Houve alguns itens que ficaram de fora, como é o caso do Simples trabalhista.

Outro tema é o regime de transição. Todo mundo que entende de empresas defende o regime de transição, por causa do estímulo ao crescimento.

Eu estou dizendo que é muito bom o Simples, mas ele tem um limite de faturamento de R$ 3,6 milhões, o que significa que uma parte das empresas só sobrevive porque criou seu modelo de negócio a partir desse regime. Se elas eventualmente crescem, às vezes não é interessante crescer porque o modelo de negócio foi montado para estar no Simples. Isso é contraditório, o negócio tem sucesso, mas pode inviabilizar o futuro da empresa.

No seu entender, como se daria o regime de transição?

Essa é uma discussão do Congresso, não sei a resposta exata. Temos que colher experiências de outros modelos. Estou advogando, mas não tenho certeza absoluta de qual é o melhor método.

O importante é que haja um regime tributário em que o empresário continue usufruindo dos benefícios por um período, mesmo que ele tenha ultrapassado o teto permitido. O parlamento vai decidir.

Haverá uma perda momentânea de receita. Mas o saldo positivo de R$ 200 bilhões nos últimos seis anos é prova disso, de que é possível desonerar. Isso é muito rico e importante. Diminui-se o imposto, perde-se momentaneamente, mas aumenta a base. Então, arrecada mais.

E há o ganho social, porque o espírito do Simples é mantido…

Sim. O Sebrae tem um componente diferenciado, diferente de sistemas similares de outros países. A agenda do empreendedorismo é também uma agenda de inclusão produtiva e de inclusão social. Não se pensa o empreendedorismo só com a cabeça de produtividade. Tem esse papel social.

Pense que 55% de todas as empresas abertas no Brasil têm origem na classe média e tem 35% de classe AB. No Brasil, o empreendedorismo tem crescido muito. E tem o aspecto da formalização. Não conheço nenhum país do mundo que tenha formalizado mais de 3 milhões de empresas em tão pouco tempo, com um processo de inclusão fabuloso, como foi o caso do MEI.

Quando você formaliza, dá direitos para o cidadão. Aumenta mercado. Com um CNPJ, a pessoa pode vender para empresas, para governos. E paga só R$ 40 por mês.

Como a inovação entra nesta nova agenda?

Não é uma tarefa fácil, porque o principal fator de mudança cultural é o mercado. O dia em que o empresário sentir que está tendo dificuldade com o concorrente, que o concorrente criou um novo modelo de negócio, inovou, ele vai sentir e vai querer inovar.

O trabalho do Sebrae é pedagógico. Criamos um percentual mínimo de investimento em inovação. Temos que gastar, em todos os estados, um percentual mínimo de 20%. Há três programas de incentivo para isto, o Sebraetec, Sebrae Mais e o ALI (Agentes Locais de Inovação).

O ALI é composto por bolsistas formados que durante dois anos acompanham 50 empresas. Ele não é um especialista, mas é uma espécie de médico de família – faz o diagnóstico, identifica os gaps e os pontos fortes, ajuda no planejamento. E ele vai no mercado e procura ver onde tem uma demanda para a oferta do produto.

O Sebrae tem feito um esforço gigantesco para mudar a cultura e ter recursos específicos para a inovação.

Qual o perfil do empreendedor de hoje?

Ele é jovem. Não é mais aquele senhor aposentado que resolveu abrir uma empresa. Ele é mais feminino e é menos branco. É mais misturado. Afrodescendente, jovens, mulheres, mais antenado, preocupado com o tema do relacionamento, em manter o mercado, em fidelizar o cliente.

Atualmente a velocidade das mudanças é muito maior. O nível de velocidade hoje é impressionante. Aposto muito numa mudança cultural desse novo empresariado, que começa com a inovação e com a competitividade. Na indústria, a falta de competitividade hoje já é um problema, não é só o Custo Brasil.

E aí vou contra a voz corrente. Acho que a mudança tem que ocorrer da porta para dentro, e não da porta para fora. Acho que da porta para fora tem muita coisa a ser feita. Qualquer bom senso indica que é preciso fazer algo na questão tributária, na logística, diminuir o custo. Mas acho que o fundamental é da porta para dentro.

A selva é igual para todo mundo, porque alguns conseguem sobreviver, mas outros não. O bolo da economia cresceu muito nos últimos anos. Tudo ganhou uma grandeza no Brasil que não tinha antes.

E qual a tendência para o futuro?

Serviços. O que temos hoje na micro e pequena empresa é 50% de comércio, 30% de serviços, 15% de indústria e 5% de construção civil. O Brasil caminha hoje para aumentar a sua área de serviços.

E, dentro de serviços, quais setores?

Saúde e beleza. Os homens e mulheres estão pensando mais na sua saúde e beleza. Eles estão se cuidando mais. Então, toda essa área de cosmético e de saúde tem futuro. Também a área de petróleo e gás, que é uma tendência forte para a economia brasileira. Tudo o que é ligado a agronegócios também vai crescer. Mas não podemos esquecer de mercados tradicionais, como o mel, o artesanato.

Uma coisa que é importante para o futuro empreendedor é melhorar a gestão. Ele precisa desenvolver uma cultura do associativismo. Não pode enxergar no empresário do mesmo ramo um concorrente. Ele precisa se associar para criar escala e vender mais.

 

Fonte: Brasil Econômico

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