Os números da Operação Lava Jato são assombrosos. Segundo o Ministério Público Federal, é o maior escândalos financeiro e político já registrado no País. Maior que casos como o dos Anões do Orçamento, que os Fundos de Pensão, que os Vampiros da Saúde, que Zelotes, que Banestado ou Mensalão, só pra citar alguns exemplos.
Mas, em meio a tamanho gigantismo, um fato tem chamado a atenção. Não há registro de manifestações expressivas da população, desde 2013, quando se iniciou o movimento que acabou derrubando o governo passado e pode fazer o mesmo com o atual.
Em suma, não há povo na rua. E como explicar a ausência de grandes movimentos populares, apesar deste megaescândalo que chamou a atenção, também, do mundo?
Existe na filosofia um conceito que pode ajudar a entender este fenômeno. É o que se chama de “Normose”. Sua definição foi cunhada quase que simultaneamente pelo psicólogo e antropólogo brasileiro Roberto Crema e pelo filósofo, psicólogo e teólogo francês Jean-Ives Leloup, na década de 1980.
Eles vinham trabalhando o tema separadamente até que um terceiro psicólogo, o francês Pierre Weil, se deu conta da coincidência. Perplexo, Weil conectou os dois e os três juntos organizaram um simpósio sobre o tema em Brasília, uma década atrás. Do encontro, nasceu uma parceria e o livro “Normose: A patologia da normalidade”.
Por analogia, alguns estudiosos consideram a democracia um agente de propagação de normoses.
Carl Jung dizia que ser normal é a meta dos fracassados. Mas será que existe alguém batendo à nossa porta, exigindo que você tenha um determinado comportamento ou seja assim ou assado? Ou quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha presença através de modelos de comportamento amplamente divulgados?
No caso do Brasil, a normose pode estar travando uma evolução dos acontecimentos e impedindo que uma sociedade atônita seja a mola propulsora da mudança. Vou tentar traduzir melhor.
Como a Lava-jato já tem mais de 4 anos, faz tempo que deveríamos estar pensando, debatendo e promovendo uma saída para tamanha crise institucional, política e social. Se a causa de tal problema é o sistema político-partidário, o que colocaremos no lugar dele, se este se encontra completamente falido, desacreditado, ultrapassado?
O fato é que quase ninguém está cuidando disso. Talvez a resposta esteja neste torpor causado pela normose. Nas ruas, volta e meia ouço uma frase costumeira: “ah… sempre foi assim!“, ou “não adianta fazer nada!”, e pior “não vai dar em nada!”. Então, qual a saída?
Ela pode estar em outro neologismo: a “Desnormotização”. Segundo Crema, “...quando temos necessidade de, a todo custo, ser como os outros, não escutamos nossa própria vocação”. A cura da normose é trabalho individual, mas alguns esforços sociais podem ajudar.
Para começar, temos de pensar em alternativas aos atuais modelos, como o educacional. Algo similar parece estar acontecendo no mundo empresarial, onde os empreendimentos estão levando em conta a liberdade individual.
O caso clássico, sempre citado, é o do Google, cuja sede, na Califórnia, conta com salas de jogos, espaços ao ar livre e tempo reservado para que cada funcionário desenvolva seus próprios projetos para a empresa, com total autonomia.
Nós temos que resolver, inclusive, a questão do analfabetismo político que, segundo Bertold Brecht, é o pior analfabeto que existe. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato, do remédio, e ressaltaria dos combustíveis, dependem das decisões políticas. Mas é capaz de atrasar a História.
O tema é tão polêmico e complexo que já há especialistas achando que a normose não é um mal, mas uma característica humana. Apesar disso tudo, não podemos deixar que o modo normótico predomine. Afinal, a indignação é a grande mola propulsora de toda mudança.