Por Roberto Macedo
Por força da Lei n.º 12.741, recentemente sancionada pela presidente Dilma, o consumidor brasileiro, a partir de junho de 2013, será informado do valor total aproximado de até oito tributos federais, estaduais e municipais que, sem transparência hoje, estão embutidos nos preços finais de bens e serviços. A lista é uma densa sopa de letras: ICMS, ISS, IPI, II, IOF, PIS, Cofins e Cide, nem todos incidindo simultaneamente. Também serão computadas as contribuições PIS e Cofins sobre importações, além do próprio II, o Imposto de Importação, no caso de produtos cujos insumos ou componentes importados representem porcentual superior a 20% do preço de venda.
A nova lei é um avanço, sob vários aspectos. Será cumprida a Constituição federal, que no seu artigo 150, § 5.º, diz que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. E não há como realizar esse esclarecimento sem referência ao valor total de tributos incluído no preço de cada produto ou serviço. Aliás, esse dispositivo constitucional foi ignorado por alguns críticos da lei aprovada, que veio para cumpri-lo.
O fato de que o texto da lei incluiu também contribuições como a Cofins e a Cide, que eufemisticamente não são chamadas de impostos, foi outro avanço, porque os impostos de que trata o referido dispositivo constitucional foram tomados pela lei no sentido lato de tributos em geral.
Em princípio, o cálculo do valor total desses tributos, e separadamente para cada mercadoria ou serviço, não é simples, mas a lei pede em cada caso um valor total aproximado. Ademais, essa conta será facilitada pelo avanço das tecnologias de informação. Quanto a isso, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por intermédio de seu presidente, Rogério Amato, afirmou que a partir de fevereiro de 2013 colocará à disposição dos interessados, gratuitamente, um software para realizar os cálculos. E mais: quem usa nota fiscal preenchida manualmente poderá recorrer a um site da mesma associação (www.impostometro.com.br) e obter o porcentual de tributos de um grande número de bens e serviços, para os cálculos necessários ao cumprimento da lei.
Deverão surgir discrepâncias quanto à avaliação do valor dos tributos de um mesmo produto ou serviço por diferentes vendedores, inclusive por cobrarem preços diversos. Mas o debate em torno dessas diferenças será também esclarecedor, pois colocará em destaque a grande magnitude da carga tributária que em geral incide sobre cada mercadoria ou serviço, o que é o xis da questão.
Se a percepção dessa magnitude se difundir na sociedade, com o contribuinte mais bem informado, acredito que isso se tornará um freio a governantes que cogitarem de novos aumentos de impostos. E, nesse aspecto, poderá levar ainda a uma bem-vinda marcha à ré, bem como a uma atitude do tipo “pago, logo exijo” pelo contribuinte. Ou seja, ele passaria a ser bem mais atuante ao cobrar que os tributos tenham maior retorno em serviços públicos, o que também poderia repercutir favoravelmente sobre a eficácia e a qualidade da administração pública.
Vale lembrar, ainda, que em parte a referência a tributos cobrados já existe no Brasil em alguns documentos fiscais, mas sem cobrir toda a carga tributária e de modo pouco transparente. Por exemplo, tenho diante de mim um cupom fiscal de supermercado, em que alguns produtos são seguidos das siglas T00, T02 e T03, enquanto outros têm as siglas I1 e F1. Ao final do cupom, há a menção de que as três primeiras siglas correspondem a 18%, 12% e a 7%. Presumo que sejam alíquotas do ICMS. E nada é dito sobre as demais nem sobre outros tributos. Além disso, a referência só a porcentagens dificulta o entendimento do consumidor. Por essas razões, a lei exige o valor total dos tributos que estão no preço de cada produto ou serviço.
Como lei, ela resultou da campanha De Olho no Imposto, da qual participaram várias entidades, com destaque para a ACSP, então presidida por Guilherme Afif Domingos, atual vice-governador do Estado de São Paulo. Foi ele, aliás, que, como deputado federal na época da Constituinte, apresentou emenda que gerou o dispositivo já citado. Em 2006, como resultado da citada campanha, foi levado ao Congresso Nacional, na forma de iniciativa popular, o projeto de lei para cumprir o mesmo dispositivo, depois de recolhidas 1,5 milhão de assinaturas.
Recorde-se que foi também um movimento desse tipo que levou à adoção da chamada Lei da Ficha Limpa, voltada para a classe política. Seria importante que novas iniciativas similares fossem tomadas. Sonho com uma, voltada para o voto distrital, que prefiro chamar de eleição direta de deputados e vereadores, para facilitar a difusão da ideia.
No fundo, a tributação brasileira, concentrada em mercadorias e serviços, com menor peso dos impostos sobre a renda e a propriedade, é mal assentada em duas importantes dimensões, entre outros defeitos. A primeira é que, relativamente à sua renda, os pobres pagam mais impostos que os mais ricos, porque gastam em mercadorias e serviços uma porcentagem maior de sua renda do que estes últimos. A segunda, a ser corrigida com a vigência da nova lei, é que os impostos são de modo geral escondidos nos preços. Ora, no passado, ouvi muitos políticos justificarem aumentos de tributos sobre bens e serviços afirmando que seriam cobrados de fabricantes e comerciantes, quando quem de fato os paga são os consumidores.
A nova lei não resolverá o primeiro e grave problema, o da iniquidade da carga tributária, mas pelo menos tornará mais transparente o muito que se cobra dentro dos preços de produtos e serviços. Ela trará custos, mas justificáveis pelos benefícios bem maiores que virão de sua aplicação.
Publicado no Estado de S. Paulo