Savvas Mavromatis, 46 anos, decidido proprietário de uma pequena fábrica familiar de detergentes nunca teve tempo para agitações anticapitalistas. Por isso, ficou “desconfiado e cético” quando abordado por ativistas de esquerda para expulsar os “aproveitadores” do mercado. Porém, lutando para manter sua empresa rentável sob o peso de faturas não pagas e constantes pedidos de subornos, decidiu dar uma chance à proposta deles. Começou a vender diretamente aos consumidores, em dinheiro e a preço fixo, por meio de um coletivo sem fins lucrativos, em vez de vender a lojas e comerciantes como sempre fizera.
Quatorze meses depois, ele credita ao grupo a salvação de sua empresa de um colapso econômico grego que se compara a Grande Recessão.
“Estamos no meio de uma crise terrível e estamos apenas buscando soluções”, afirma Elias Tsolakidis, a força motora por trás do movimento sem-intermediários no norte da Grécia – uma iniciativa pequena, mas surpreendentemente bem sucedida, para redefinir os rumos do comércio. “Não temos uma varinha mágica. Não somos comunistas nem capitalistas: estamos tentando ajudar o povo a sobreviver”.
Em sua busca por soluções, os gregos estão mexendo com um tipo de economia sem precedentes na Europa moderna. O colapso da economia grega – que encolheu cerca de 25% de 2008 para cá – vem desafiando não só a sobrevivência das pessoas, mas também de alguns dos mecanismos básicos do capitalismo.
Na visão dos números locais, o sistema voltado para o mercado da Grécia foi quebrado, vítima da corrupção endêmica, da má gestão orçamentária pelo Estado e das exigências autoritárias de mercados financeiros globais.
Em resposta, ideias experimentais como a que Mavromatis abraçou brotaram em cidades por todo o país. Embora sem oferecer uma solução Para o longo prazo, e sendo pequenas demais para alterar o formato geral da economia, as iniciativas representam um esforço ascendente para abordar uma crise econômica cujo antecedente mais próximo pode ser o período após a Segunda Guerra Mundial.
Sem intermediários
Os ataques ao capitalismo moderno buscando o lucro não são novos na Grécia, onde o Syriza, uma coalizão de forças de esquerda, perdeu por estreita margem na última eleição nacional, em 2012 – e, de acordo com pesquisas de opinião, é atualmente o partido mais popular do país. O líder do partido, Alexis Tsipras, decora seu gabinete em Atenas com um cartaz do ícone revolucionário Che Guevara.
Entretanto, o Syriza, assim como muitos outros partidos europeus de esquerda, vem tendo dificuldades para combinar sua retórica inflamada contra a economia “neoliberal” com ações concretas para suavizar uma crise que inclui desemprego à taxa de 27%. Eles têm denunciado cortes de empregos, particularmente no inchado setor público, e atacado as medidas de austeridade impostas pelos credores internacionais da Grécia – em troca de US$ 328 bilhões em resgates.
Enquanto a esquerda segue profundamente comprometida com grande parte do status quo, a tarefa de buscar uma nova ordem econômica e trazer algum alívio ao sofrimento grego recai sobre pessoas como Tsolakidis, que organiza os participantes do movimento “sem intermediários” em sua região através de um coletivo sem fins lucrativos chamado Grupo de Ação Voluntário de Pieria.
O movimento busca cortar atacadistas, donos de lojas, burocratas do governo ou qualquer outro intermediário (que antes tomavam uma parte do lucro e aumentavam o preço dos produtos) entre produtores e consumidores. Em vez disso, o grupo de Tsolakidis possui um site onde os pedidos são feitos com antecedência e então distribuídos aos clientes por um preço fixo – e pagos em dinheiro.
Seu grupo recebe uma pequena parte para cobrir despesas, mas não paga salários a seus membros – mais de 3.500 voluntários com ou sem empregos. Trata-se de um pequeno elo em uma longa corrente de iniciativas buscando criar uma economia “social” paralela, começando com o que ficou conhecido como a “revolução da batata” – um movimento hoje nacional que reduziu o preço da batata fazendo os agricultores venderem direto aos consumidores.
Problema de corrupção
Além de seus mercados “sem intermediários” regulares, realizados em estacionamentos da região, o Grupo Voluntário de Ação opera uma clínica de saúde gratuita com médicos voluntários e uma farmácia cheia de medicamentos doados.
Christos Kalaitzis, de 53 anos, um convertido à causa que cultiva kiwis, azeitonas e grão de bico com sua esposa perto do Monte Olimpo, admite ter ficado cético no início –, mas decidiu arriscar, após perder muito dinheiro com atacadistas e exportadores que abriam falência após pegar seus produtos.
“A meta não é destruir o velho sistema de mercado, mas apenas desacelerá-lo e fazê-lo mudar. Talvez isso seja um pouco romântico, mas por que eu deveria vender a grandes empresas se seus cheques voltam? Se o livre mercado funcionasse direito na Grécia, nada disso seria necessário”, explica Kalaitzis.
Ao cortar os intermediários do mercado e evitar pedidos de ajuda ao governo – a abordagem costumeira para muitos esquerdistas no país –, os ativistas esperam aliviar o desespero passivo sentido por muitos gregos, que poderão precisar de uma geração ou mais para sair de seu buraco econômico.
“Esse é conceito totalmente novo para a Grécia”, afirma Fiori Zafeiropoulou, especialista em formas de misturar metas sociais e iniciativas comerciais que aconselhou autoridades a criar uma nova lei dando status legal a “empreendimentos sociais cooperativos” – entidades que combinam interesses comerciais e benefícios sociais. Diferente dos ativistas de esquerda, porém, o movimento não pretende derrubar as forças do mercado – apenas fazer com que sirvam melhor os menos privilegiados.
O progresso, segundo Fiori, tem sido lento porque “na Grécia existe um problema, e o problema se chama corrupção” – o que ela definiu como toda uma cultura que gira em torno de obter favores do Estado, além de exigir subornos e comissões.
Limpeza continua
Mavromatis, o fabricante de detergente, diz que todos os gerentes de compra de supermercados, de proprietários gregos ou estrangeiros, exigiam propinas simplesmente para concordar com uma reunião para apresentação de seus produtos. Também pediam dinheiro para assegurar boa exposição nas prateleiras. O preço variava conforme a localização, sendo que as prateleiras mais próximas do chão custavam menos. Em média, ele pagava o equivalente a US$ 1.300 por uma transação, mais presentes no Natal, etc.
Ele conta que, quando começou a vender através do grupo sem-intermediários tomou um susto. “Como lidava com supermercados há tanto tempo, fiquei esperando a hora em que eles pediriam dinheiro por baixo do pano, mas ninguém pediu, e eu não paguei mais nada. Não conseguia entender por que eles estavam fazendo tudo aquilo de graça. Estava desconfiado, e ficava pensando: onde está a pegadinha?”, recorda.
Ele disse acreditar no livre mercado, mas não na Grécia – onde o conceito é distorcido pela corrupção em todos os níveis, público e privado.
Hoje, Mavromatis usa regularmente os mercados sem intermediários. Mesmo cobrando um pouco menos que antes, não precisa mais se preocupar em pagar subornos ou ser surpreendido por cheques sem fundo. Ao mesmo tempo, famílias em dificuldades conseguem comprar detergente doméstico, frutas e muitos outros produtos por uma fração do preço normal de mercado.
Recebendo dinheiro pela primeira vez desde que a economia da Grécia entrou em queda livre, em 2008, Mavromatis recentemente comprou um novo caminhão Mercedes para transportar o detergente que produz da fábrica, em uma vila perto da cidade de Katerini, a capital da prefeitura (Região Administrativa) de Pieria, e expandiu sua linha de produtos para incluir papel higiênico.
Mesmo após seis anos consecutivos de recessão, diz ele, “as pessoas precisam lavar roupas, limpar a louça e ir ao banheiro”.
*The New York Times News
Fonte: Diário do Comércio