Todo ano, sob o sol escaldante do verão, as praias do Rio de Janeiro se transformam em um campo de batalha capaz de fazer frente a qualquer disputa territorial encontrada na natureza.
De um lado, frequentadores ávidos por um pedaço de areia para fincar suas barracas. De outro, vendedores ansiosos por faturar alto em cima da fome e da sede dos que, por vontade própria, decidem torrar seus corpos por horas a fio.
A transformação das praias cariocas em verdadeiros mercados a céu aberto não é novidade. Mas o que pouca gente sabe é elas oferecem um selo de aprovação para start-ups e seus produtos.
A lista de benefícios dessa “prova de fogo” – que pode provocar uma sensação térmica de 50ºC, como na semana passada – é extensa: se bem sucedidas, essas pequenas empresas podem arriscar-se a romper a fronteira que as separa do asfalto e, ocasionalmente, tornar-se verdadeiros impérios da gastronomia.
‘HAMBÚRGUERES PSICODÉLICOS’
O carioca Raphael Kras, de 27 anos, faz parte das centenas de empreendedores que surgiram nas areias cariocas.
Em uma de suas idas à praia em 2006, ele, vegetariano assumido, percebeu um nicho de mercado: havia poucas opções para quem, como ele, abandonou o consumo de carnes.
Longe de ser um ás na cozinha, Kras decidiu criar um hambúrguer de soja e vendê-lo à beira-mar. Com uma bolsa térmica em punhos e apenas 50 reais, ele criou a Hareburger.
Ao anunciar seus hambúrgueres de soja como intergaláticos e psicodélicos, o carioca começou fabricando e vendendo sozinho sua produção.
As oito unidades diárias se multiplicaram e Kras abriu uma loja no concorrido bairro de Ipanema, na Zona Sul do Rio. Hoje, ele supervisiona o trabalho de 14 empregados e em breve abrirá um segundo restaurante e um centro de distribuição no centro da cidade.
“Eu queria levar algo novo para a praia, algo que pudesse atender ao paladar de vegetarianos como eu”, diz ele.
“Mas o produto tinha de ser divertido e saboroso, porque naquela época as pessoas olhavam com estranheza para a comida vegetariana. E como eu comecei a passar as minhas tardes livres na praia, não havia melhor lugar para começar um negócio”, acrescenta Kras.
TEMPO
Mas quem se aventura a iniciar um negócio nas praias da cidade, precisa lidar com um única grande incerteza: o tempo.
O verão, apesar de escaldante, também é marcado por fortes temporais que podem levar por água abaixo – literalmente – os planos dos negociantes das areias.
“Eu tento fazer meu planejamento de acordo com a previsão do tempo a cada segunda-feira. É com base nela que eu determino quantos produtos devo encaminhar às praias, para quais áreas e em quais dias”, afirma Kras, da Hareburger.
A Geneal, que fabrica pizzas e cachorros-quentes, é outra empresa surgida nas areias que olha com atenção para os céus.
“Se as pessoas desistirem de ir à praia por causa de uma repentina mudança climática, por exemplo, acabamos ficando com um excedente de produção que ora é jogada fora ora é doada a comunidades pobres”, acrescenta Luciana Palhares, diretora geral e de marketing da Geneal.
A companhia começou a atuar nas praias cariocas há 50 anos e hoje tem lojas espalhadas pela cidade.
Para Luciana, entretanto, não está nos planos da empresa abandonas as areias “pela fidelidade ao local onde começamos”.
RIO DE JANEIRO – Em um dia de sol, a Geneal vende até 1 mil cachorros-quentes nas praias. Cada vendedor carrega até 300 unidades e chega a faturar 250 reais por seis horas de trabalho.
A sazonalidade também é um fator importante para os vendedores de praia.
A Hareburger, por exemplo, vende até 80 sanduíches por dia em cada praia, de abril a novembro. Durante o verão, o montante sobe para até 300 sanduíches.
Para o Sorvete Itália, uma conhecida marca de sorvete que também nasceu nas praias do Rio de Janeiro na década de 70, o clima e a sazonalidade têm um impacto maior nas vendas devido à natureza do produto.
“O verão é responsável por 64% das vendas da empresa”, diz Juliana Fonseca, diretora de expansão do Sorvete Itália.
CONCORRÊNCIA ACIRRADA
Apesar das adversidades climáticas, Reginaldo Silva, responsável pelas operações da Geneal nas praias cariocas, afirma que a concorrência acirrada é hoje o principal desafio de quem atua nas areias, especialmente com o aumento considerável do número de vendedores nos últimos cinco anos.
Segundo estimativas oficiais, o Rio possui 1.154 vendedores de praia registrados – e muitos outros que ainda atuam à sombra do poder público.
Palhares afirma, entretanto, que, apesar da maior competição, a Geneal nunca deixará as areias, uma vez que as praias, segundo ele, sempre serão o “palco principal” do Rio de Janeiro.
Fonte: Folha de S. Paulo