A Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) quer criar a figura do Empreendedor Pessoa Física Urbana, dentro dos moldes do Produtor Rural, que tem os mesmos direitos e deveres de um empresário, mas utiliza o seu CPF e uma conta bancária particular. A proposta foi apresentada pelo presidente da Facesp, empresário Guilherme Afif Domingos, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e deve ser enviada ao Congresso Nacional pelo próprio Governo. Em entrevista exclusiva à Tribuna, durante visita a Araraquara para as comemorações dos 70 anos da Acia, Afif elogiou alguns setores da administração Lula, mas fez duras críticas ao que chama de “petização” do Governo e pediu mudanças, como a troca de alguns integrantes do grupo de assessores diretos do presidente.
Hoje temos um grande contingente de trabalhadores informais, que muitas vezes são grandes empreendedores, mas não tem a chance de ir para a formalidade devido à estrutura burocrática para a criação de uma empresa. Existe alguma forma de mudar essa situação?
Afif — O primeiro passo é trazer para formalidade esta multidão que está na informalidade. Para isso é preciso oferecer o mínimo necessário. E a forma é criar a figura do “Empreendedor Pessoa Física”, que pagará apenas o Imposto de Renda. Será o seu CPF que será utilizado, não sendo necessário o CNPJ. E trabalhará com conta corrente, como o produtor rural. Este é o projeto que temos e que já foi apresentado ao presidente Lula. Chama-se “Empreendedor Pessoa Física Urbana”.
E como seria definido este empreendedor?
Afif — Esse projeto está em estudo. Quando apresentamos ao presidente Lula estabelecemos um limite de faturamento bruto anual de R$ 120 mil, para também podermos empurrar o microempresário para R$ 240 mil, pois o limite mínimo para se considerar uma microempresa há muito tempo não tem correção. Mas o Governo acha o valor muito alto para os padrões do Brasil e fala em R$ 50 mil ou R$ 60 mil. Ou seja, seria R$ 5 mil brutos de faturamento por mês. Com este valor, ainda teremos uma multidão enquadrando-se no projeto.
E seria suficiente para mudar o quadro atual?
Afif — E o primeiro grande passo para a formalização, onde a gente espera alcançar 10 milhões de pessoas, entre os empreendedores e as pessoas que trabalham para eles. Isso representa aumentar em 30% o volume de contribuintes para a Previdência. Desta forma, aumentaria o volume de arrecadação sem acrescer um centavo no valor pago hoje pelos contribuintes.
Existe respaldo legal para criar o “Empreendedor Pessoa Física”?
Afif — O parágrafo único do artigo 170 da Constituição diz que “é livre toda e qualquer atividade econômica independente de autorização governamental, a não ser os casos previstos em lei. Resultado, a burocracia previu em lei tudo e anulou o princípio do parágrafo. Com a nossa proposta, estaríamos invertendo esta tendência de oficializar a burocracia. Estaríamos desburocratizando a formalidade do empreendedor.
E qual é a situação real no País hoje?
Afif — O grande problema é que hoje a carga tributária é o grande nó da economia brasileira. Engana-se, inclusive, quem pensa ser o empresário que paga os impostos. O pagador de impostos é o consumidor. As empresas apenas recolhem. Mas a carga tributária é de tamanha ordem hoje que só conseguem impor o repasse para o consumidor os oligopolistas e monopolistas. Eles têm nas mãos todos os instrumentos de concentração para eliminar a concorrência. Já se a empresa é média e não tem como escapar dos controles do Governo, ela se torna inadimplente. Não é sonegadora. Deveria pagar, mas não paga. Isto significa que ela apropriou-se do dinheiro? Não. Ela não conseguiu receber; não vendeu no valor necessário para recolher os tributos. E é por isto que temos os refis. E tem uma multidão de empresas médias que hoje são fantasmas exatamente por isso, O encargo tributário que ela tem inviabiliza o seu patrimônio. Ela só está sobrevivendo por conta desses refis. Aí ela se torna inadimplente pois, se ela não consegue pagar o presente como é que ela paga o passado. Estará sempre sem recolher os impostos.
E a situação tende a piorar?
Afif — Se você tem de um lado uma multidão de informais, que escapa da cobrança dos impostos e de outro os grandes que pagam, existe também no meio os médios que não recolhem por não conseguirem arrecadar. Enquanto isso não mudar nós vamos concentrar cada vez mais e acabar com a turma do meio e ter a multidão de informais crescendo.
E qual a análise que o senhor faz do Governo Lula?
Afif — É um Governo de altos e baixos, devido às próprias atuações dos Ministérios. Você tem hoje setores, como Exportação e Agricultura, que estão em mãos competentes. A Fazenda também está com técnicos que têm uma perfeita noção de causa e efeito, o que garante total diálogo conosco e oferece abertura para discutirmos nossos problemas e buscarmos, juntos, as soluções. Por outro lado, existem setores que são fruto de aparelhamento da máquina governamental para os partidos, que gera ‘assembleísmo’ e indecisões. Têm pessoas que falam besteiras e trazem consequências desastrosas que acabam provocando inseguranças jurídicas que se refletem no exterior. Portanto, temos de um lado coisas muito boas e por outro muito ruins de incompetência
E qual a saída?
Afif — O caminho de sucesso para o presidente Lula é ‘despetizar’ o Governo. Foi uma aliança que elegeu o Lula e o PT não tem o direito de se apropriar de forma incompetente dele, de implantar um aparelho partidário no Governo.
Mas isso pode ocorrer?
Afif— Acho que o processo eleitoral municipal vai dar uma resposta a isso. E a partir do resultado do pleito deste ano que o Governo vai ter que rever profundamente as decisões para melhor. E o caminho é aparelhar o Governo com gente competente, para poder entregar a mercadoria que o presidente prometeu, se é que ele quer isto.
Publicado no jornal Tribuna Impressa, de Araraquara-SP, em 04/07/04.