Dívida externa, investimento e ideologia

1 de agosto de 1987
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A conversão da dívida externa brasileira em investimento é um tema que tem se prestado a discussões técnicas sobre sua viabilidade, suas formas e suas possíveis consequências com argumentos inteiramente a favor, outros com algumas ressalvas e alguns francamente contrários. Enquanto no plano técnico se mantém a racionalidade do debate, parecendo existir a predominância de posições favoráveis a algum tipo de operação dessa natureza, mesmo que com limitações; no plano político o assunto passou a ser objeto de discussões emocionais e, o que é pior, acarretou decisão intempestiva e irracional.

Com efeito, na esfera política é possível observar posições que consideram a “conversão da dívida” a grande solução para o endividamento externo brasileiro, enquanto outras são radicalmente contra qualquer possibilidade de que essa conversão venha a ser admitida. Esta última posição, fruto muito mais de uma postura ideológica do que de uma análise política ou econômica, acabou propiciando a aprovação de um projeto de resolução da Assembleia Nacional Constituinte vedando a possibilidade de conversão da dívida.

Não discutiremos, nesta oportunidade, a forma como foi aprovado esse projeto ou a sua validade, ambas altamente questionáveis, mas as suas motivações e os seus efeitos imediatos.

Independente de qualquer reflexo jurídico que o “projeto de resolução” possa produzir, as consequências negativas de sua aprovação se fizeram sentir. A confiança no Brasil abalada no exterior por essa manifestação irracional de repúdio ao capital estrangeiro, o que provocou forte aumento do deságio da cotação da dívida brasileira e a inibição, ou pelo menos o retardamento, do ingresso de novos investimentos diretos no país.

Isso sem contar com um possível crescimento da saída dos capitais estrangeiros aqui existentes face ao clima de hostilidade que atitudes como essa revelam.

Essas manifestações radicais e emocionais contra a conversão da dívida em investimento e contra o capital estrangeiro em geral, decorrem, via de regra, de posições ideológicas contrárias ao capital privado, ao próprio capitalismo e à economia de mercado.

O ataque ao capital estrangeiro revela-se a forma mais fácil de atacar o capital e o capitalismo sob o manto do nacionalismo e da soberania nacional. Tal posicionamento ideológico nos parece ultrapassado numa época em que os países que adotaram o capitalismo de Estado, embora se digam socialistas, estão recorrendo aos capitais privados estrangeiros para complementar suas poupanças e, principalmente, receberem tecnologia.

A Rússia divulgou recente lei para a promoção de “joint ventures” em seu território, enquanto a China se abriu para investimentos estrangeiros na tentativa de recuperar o atraso provocado pelo isolacionismo. Paralelamente, governos autenticamente socialistas, como o da Espanha, desenvolvem programas de privatização de empresas e os países comunistas procuram reabilitar o mercado e o lucro.

Em recente artigo, o economista soviético Nikolay Shmelyov afirmou que “a atitude suspeitosa em relação ao lucro é uma espécie de mal entendido histórico, o custo do analfabetismo econômico de um povo que pensou que o socialismo eliminaria os lucros e os prejuízos”.

Parece-me que certos segmentos da esquerda, bem como da direita fascista e corporativista, brasileira ainda não perderam o que Shmelyon chama de “virgindade ideológica”. Eles estão defasados do que se passa nos países comunistas e socialistas e continuam defendendo para o Brasil caminhos que lá, já foram abandonados.

Por isso considero necessário que o tema “conversão da dívida” seja discutido com racionalidade, a partir de uma análise das vantagens e dos problemas envolvidos, para se chegar a uma regulamentação que seja atrativa ao investidor estrangeiro e conveniente ao país.

Infelizmente, o quadro interno no Brasil, tanto no plano institucional como no político e econômico, não parece favorável atração de recursos externos nem na forma de empréstimos, quanto mais para capital de risco.

Por isso devemos levar em consideração a opinião dos investidores externos, pois de nada adianta ficarmos discutindo internamente se deve ou não haver a conversão da dívida se não houver disposição dos investidores em fazê-la. É como a célebre história das jogadas ensaiadas da seleção, quando o Garrincha perguntou se o adversário estava de acordo.

De minha parte, sou favorável à uma regulamentação bastante flexível que torne realmente atraente a conversão da dívida para o investidor externo. O Brasil não está sozinho no mercado em sua luta para atrair os investimentos estrangeiros. Outros países endividados disputam esse mercado de “conversão de dívidas” e muitos outros, inclusive comunistas e socialistas, procuram atrair o capital estrangeiro em forma de capital de risco.

 

Publicado na Folha de S.Paulo em 01/08/87

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