Vivíamos, no momento JK, os anos dourados. Era o Brasil mobilizado para a grande jornada do progresso e da fé em si mesmo. Era um povo disperso e desiludido pela perda de seu líder Getúlio Vargas que voltava a se unir para construir o futuro.
O Brasil caminhava para a modernização. E o presidente Juscelino fez questão, apesar dos riscos, de passar a faixa presidencial ao candidato da oposição que o sucedeu, cumprindo assim uma das principais metas de seu governo, de manter incólume a democracia.
Mas, naquele malsinado 25 de Agosto de 1961, o Brasil, atraiçoado pela renúncia, precipitou-se no declive da instabilidade.
O Brasil mergulhou na mediocridade, presa dos slogans ideológicos que se tornaram padrão no terceiro mundo e que contrastavam com o caminho da modernidade. O confronto da esquerda e da direita retrógradas exacerbou-se e, com isso, desequilibrou-se o pacto entre os mantenedores das instituições civis. O país, por causa do radicalismo das posições em conflito, foi arrastado ao regime de força. A intolerância criou abismos entre os homens e as classes sociais. As classes armadas, atingidas pela cisão e pela indisciplina, intervieram e impuseram 20 anos de silêncio.
A ditadura, que era emergencial, prolongou-se em demasia adotando, contraditoriamente, diretrizes políticas e econômicas defendidas e implantadas pelo segmento totalitário surgido no Brasil após 1930.
O governo militar fechou o Brasil. Com a Revolução de 64 retomamos ao modelo fascista corporativista baseado no social-nacionalismo, com um crescente poder da “estatocracia” e das corporações atreladas ao mecanismo de Estado e distantes da nação, cuja representação definhou junto com os partidos políticos e as consequências são a espantosa dívida e as taxas inflacionárias inconcebíveis que agora nos castigam.
O regime despótico capitulou sem grandeza. E o povo, mobilizado para a campanha das diretas-já, sofreu, com seu malogro, mais uma grande frustração. Nasce morta a “Nova República”, um dos maiores acidentes da história política brasileira.
Os novos donos do poder, recrutados nos porões da nossa vida pública, em aliança com antigos servidores do regime decaído, agravaram a situação de bancarrota e desespero do país.
Agora, o coro sinistro das cassandras anuncia a fatalidade do golpe como alternativa do fracasso do propalado pacto social.
Desiludido e amargurado, o povo brasileiro é agora instigado a convocar um salvador, um tirano ou um novo sistema de força que possa restituir a sua esperança de continuar vivo, sem a asfixia mortal da inflação aparentemente irremediável. É o colapso dos partidos e o desmoronamento das instituições democráticas.
O elenco de nulidades que domina a cena do poder, nos leva à indignação e à desesperança. Ninguém quer agir, nem despojar-se das regalias que o Tesouro proporciona. Ninguém quer sacrificar os ganhos e os desperdícios que empobrecem o contribuinte e afrontam a situação dos infelizes assalariados de todas as categorias.
As regras democráticas terão que ser respeitadas. As providências competentes para suplantar a conjuntura da crise que se agrava devem ser encontradas dentro da ordem jurídica vigente. A democracia não pode sequer ser arranhada.
Queremos uma nova vida pública que não seja protegida por nenhuma forma de ditadura. Não aceitaremos ditadores bons ou ruins. Civis ou militares. Temos o direito de viver em um regime que suporte as discórdias sem descambar para a anarquia. Queremos a luta que não sacrifique a paz e a liberdade para escolher, pelo voto universal e soberano, o projeto que mais nos convenha. Queremos que a autoridade se imponha fundamentada na letra dos códigos e da carta constitucional vigente. Não poderemos retroagir aos conflitos sangrentos que nos dividiram e embruteceram.
Os soldados seguidores de Caxias e de Rondon não esquecerão jamais o seu compromisso com a paz e com a ordem democrática. Eles não se aviltarão no erro da ilegalidade. O Brasil se recusa a ser empurrado para o labirinto pontilhado de horrores que a ditadura representa.
Devemos defender a legalidade mesmo que a vergonha da corrupção e o martírio da inflação nos conduzam à revolta.
Lá adiante está o encontro com as urnas e é com elas que iremos suplantar os sacrifícios que nos castigam e nos levam a perder a fé.
Congreguem-se os dirigentes do empresariado e dos trabalhadores. Entendam-se as agremiações políticas e as correntes de opinião. Convoquem-se os homens experientes e os mestres da ciência econômica e encontrem, todos, uma saída viável. Induzam o governo, que é o maior patrão e monopolizador da economia, a agir sem demora contanto que a sociedade e o Estado sejam sacrificados por igual.
Ou manteremos a liberdade ou o Brasil se deslocará do conjunto das nações adiantadas que se consagram ao ideal da paz e da justiça.
O governo está falhando. O colapso administrativo é reconhecido em todas as esferas. Uma parte da elite pensante está imobilizada e confusa. Mas a alma popular ainda está ativa e preparada para reerguer, mais uma vez, o Brasil. A juventude brasileira não consentirá que arrebatem do povo a democracia renascida.
O absolutismo não voltará sem a reação do povo contra a ação dos demagogos e aventureiros que se apresentam novamente.
Ditadura jamais. Democracia sim, sempre. O Brasil sobreviverá
Publicado no Jornal do Brasil em 01/11/1988