O governo federal cometeu um erro político ao deixar as discussões sobre a reforma tributária para o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), afirma Guilherme Afif Domingos, secretário especial do Ministério da Economia e um dos principais conselheiros do ministro Paulo Guedes. A falta de articulação é a síntese da convivência conflituosa que o Executivo manteve com o parlamento durante grande parte da atual gestão, e que mudou apenas com a queda da popularidade do mandatário. “O governo era desarticulado politicamente. Era aquela história de confronto com o Congresso, uma relação de confronto, não de cooperação”, diz em entrevista exclusiva ao site da Jovem Pan. Se o timming político falhou, tampouco ajuda o conteúdo da proposta. A insistência em manter a taxação de 20% sobre os dividendos de sócios de empresas inseridas no lucro presumido — regime de tributação que abriga aproximadamente 900 mil CNPJs — vai impedir que o texto seja aprovado pelo Legislativo. “Aquela proposta que está lá não passa”, afirma o secretário. Nem mesmo o reforço político com a entrada do senador Ciro Nogueira (PP-PI) na Casa Civil, que refletiu no desmembramento de parte da equipe econômica para a criação do Ministério do Trabalho e Previdência, garante apoio para a aprovação da pauta governista. “Por mais que o senador articule, se o que for proposto contraria as bases parlamentares, não passa.” Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
A reforma ministerial indica que a agenda de reformas será aprovada no Congresso? Depende do que vai ser proposto. Por mais que o senador articule, se o que vai ser proposto contraria as bases parlamentares, não passa. Por que que agora foi dito que o Simples não vai mais ser alcançado na taxação de dividendos? Porque se insistisse naquela tese, não passaria no Congresso Nacional. Eles vão ter que fazer uns cortes, deixar o projeto mais ou menos redondo para poder passar. Mas ainda falta coisa para ser discutido.
O que falta? O lucro presumido. Se podemos simplificar, por que complicar? Você cria uma obrigação acessória, vai criar uma fiscalização sobre distribuição disfarçada de lucro. Isso já está pacificado. Antes você ia no médico e ele perguntava se era com ou sem recibo. Hoje não existe mais isso. Hoje são clínicas organizadas que já tem o seu cálculo tributário simplificado, e agora metem uma legislação complicada, que tem que fazer balanço e cuja despesas lançadas poderão gerar controvérsias com o fiscal da Receita. Aumenta o contencioso tributário, mas também aumenta o número de fiscais. Será que não é esse o interesse?
O senhor acha que é? Sempre tem. Na hora que o sindicato dos fiscais aplaudiu, eu falei: ‘tem coisa’.
A reforma como está agora passa no Congresso? Não, não passa. Aquela proposta que está lá não passa. O [Arthur] Lira [presidente da Câmara dos Deputados] já se apressou em anunciar que no Simples ninguém mexe. Falta falar do lucro presumido.
Há tempo hábil para mudar e aprovar a reforma em 2021? Se ela for simplificada, teria condições. Só se ela for bem simplificada. Ainda tem o Senado. Tem uma reclamação no Senado que repercute muito a opinião de Estados e municípios. Os Estados e municípios também não estão satisfeitos.
Até que ponto a equipe ministerial está disposta a ceder para aprovar as reformas? O parlamento tem a sensibilidade, inclusive política e eleitoral. Por isso, acho que determinadas reformas mais polêmicas, não se faz em final de governo. Se faz em começo de governo. Veja a reforma da Previdência. Por que ela saiu? Ela já vinha sendo debatida. No próprio governo Temer, o debate amadureceu, isso foi se cristalizando. Quando começou o governo Bolsonaro, já se tinha uma agenda discutida com a sociedade, pronta para ser implementada, tanto que se viu o povo indo para a rua defender a reforma. A reforma tributária é muito importante, mas uma reforma ampla. Isso é que nem um queijo, tem que deixar para maturar. Se tirar fora da época, ele vai coalhar. Tem que ter o tempo de maduração para efeito de discussão, e essa reforma tributária mais ampla está muito verde ainda.
Foi um erro deixar a reforma tributária para o fim do governo? Foi um erro, sim. Erro político. Exatamente porque o governo era desarticulado politicamente. Era aquela história de confronto com o Congresso, era uma relação de confronto, não de cooperação. Agora, esperamos que seja de cooperação e que crie um ambiente necessário para esse debate.
Quando houve essa virada de chave para se tornar um governo articulado? Foi a defesa do mandato do próprio presidente e a ameaça de impeachment. A queda de popularidade mudou essa relação.
A reforma administrativa deve ser aprovada ainda esse ano? É possível. Eu acredito que em 2022 é um ano totalmente absorvido pelas eleições. Nós temos uma janela de oportunidades que tem que ser usada até novembro desse ano. Ano que vem, já é mais difícil.
Fonte: Site da Jovem Pan