Guilherme Afif Domingos, ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), atualmente está no comando da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho (Sert). Em entrevista exclusiva para a revista Digesto Econômico, o secretário revela como vem conduzindo um importante projeto, que é o de criar uma rede inteligente de empregos, com sistemas cruzando dados entre candidatos com seus currículos e ofertas de empregos. A primeira fase deste projeto está em andamento e vem sendo realizado um amplo diagnóstico. O próprio secretário colocou o pé na estrada com a sua “Caravana do Trabalho”, que estará em 645 municípios. O objetivo é entrar em contato direto com os prefeitos em 21 regiões para saber sobre as necessidades locais de emprego. Enquanto este projeto vem sendo lapidado, a Sert já vem conquistando bons resultados: de abril a junho os Postos de Atendimento ao Trabalhador (PAT) intermediaram 35 mil empregos, 12 mil somente em junho.
Digesto Econômico- Como o senhor analisa o atual cenário brasileiro?
Guilherme Afif- O Brasil passa hoje por um grande apagão, esta que é a verdade.
Qual tipo de apagão? Apagão aéreo…apagão de energia, de infra-estrutura…
Recentemente, o presidente da GM, Ray Young, em uma palestra na Associação Comercial de São Paulo, fez um alerta: o mercado brasileiro tem uma capacidade de reação bem mais rápida do que o governo, que tentou se adaptar e acompanhar o ritmo. O crescimento do Brasil é incompatível, absolutamente incompatível, com a demanda do mercado. Não tem estrada de ferro, não tem rodovia, não tem aeroporto, é tudo precário, o País está no limite. Daí você vai olhando os outros setores… não tem mão-de-obra.
Falta emprego ou mão-de-obra especializada?
O que temos observado nos nossos postos de atendimento é que emprego tem, só que exige qualificação; desemprego tem, mas desqualificado. E o investimento em qualificação? Só aconteceu como gasto social e não como investimento social. Gasto social seria: vou gastar tanto em qualificação. Aí aparece um monte de gente fazendo qualificação, mas só que é qualificação desqualificada, ela não está conectada com a real necessidade do mercado. O investimento correu solto, como está correndo solto a maioria dos gastos públicos no Brasil voltados para a área social. Isto gera um problema sério: a falta de investimento em infra-estrutura há muitos anos provocou, por exemplo, uma fuga de profissionais na área de engenharia. Hoje, os nossos melhores engenheiros estão fora do País, porque não tinham oportunidade aqui. Quando eu falo que existe um apagão profissional, acompanhando um apagão de infra-estrutura, é verdade, é completamente verdade!
O presidente Lula vai ficar com estigma de “apagador”, porque está tudo acontecendo no governo dele…
É uma seqüência de processos, que levaram o Brasil, a estar muito atrasado no seu governo, para acompanhar o ciclo que a própria sociedade está seguindo. Você pega o setor de agricultura: tem produção, mas não tem estrada.
E quando tem estrada, não tem porto.
O processo não foi conectado e hoje a própria agricultura brasileira tem dificuldade e não consegue competir. Na fazenda é a maior produtividade do mundo, até a porta. A partir de lá já começa a perder a competitividade, as perdas começam no transporte rodoviário até chegar no porto. A agricultura precisa enfrentar todos os gargalos ou todos os nós que prendem o sistema. E assim mesmo ela concorre, apesar de ter de pagar mais e mais impostos.
A falta de investimento em infra-estrutura é um fato que vem de muito tempo, o senhor concorda?
Sim, não estou falando que é deste governo, eu estou dizendo que é dos últimos governos. Até porque, antes você tinha um processo inflacionário corrosivo. Veja você, a prioridade de um deles era a de combater a inflação, para ter a verdade na mão. A verdade na mão apareceu, ela estava escondida com a inflação, ela apareceu primeiro nas empresas. As empresas tinham uma fórmula infalível para formar preços, que era “preço = custo + lucro”. Apura o custo, põe-se a margem de lucro, faz-se o preço, põe no mercado. Inflação 50% ao mês, ninguém tem memória de preço, então compre agora senão você perde no futuro. Neste cenário você vive escondendo a falta de produtividade da empresa. E no governo é a mesma coisa. No governo, a inflação escondia, camuflava a ineficiência, porque com uma inflação de 50% ao mês, você fazia um orçamento de mentira, programava um gasto de mão-de-obra que era corroído e você ajustava menos e no fim, ainda sobrava, então você ia jogando a sujeira para debaixo do tapete.
Com a inflação controlada, o que passou a valer foi a eficiência…
Com o processo inflacionário caindo drasticamente, criou-se a memória de preços; o consumidor sabia que custava isso, ele vai pesquisar no outro e depois no outro. Aquela fórmula mudou. Agora é: “lucro = preço de mercado – custo”. As empresas foram buscando eficiência para poder concorrer. E o setor público deveria também fazer a mesma coisa, agora que apareceu a verdade. A atitude deveria ser “vamos cortar os gastos para poder controlar a carga tributária, que saltou de 23% para 40% de hoje”. Como o setor privado e os cidadãos resolveram o problema da ineficiência? Cortando despesas. Como é que o governo fez para resolver o problema da sua ineficiência? Aumentando a carga tributária, que é o retrato que está ai hoje.
Marcio Pochmann, pesquisador da Unicamp e presidente do Ipea, diz que o baixo crescimento está por trás também da dificuldade de os jovens encontrarem espaço no mercado de trabalho. Essa opinião também coincide com os dados da Organização Mundial do Trabalho – o desemprego entre os jovens tem crescido. Isso tudo está ligado à desqualificação?
São três pontos convergentes: primeiro, a questão do jovem no mercado de trabalho. Para poder absorver o volume de jovens e adolescentes que chegam ao mercado de trabalho, nós tínhamos que estar crescendo no mínimo 5% ao ano. O baixo crescimento da economia fez com que você tenha um crescimento da procura de emprego maior do que a capacidade de oferta. Soma-se a isso as políticas de combate ao trabalho infantil, mas que na verdade esticava essa idade até os 18 anos – diz-se que o lugar do jovem é na escola e não no trabalho. Num país desenvolvido, perfeitamente, mas num país como o nosso, que a partir dos 14 nos ele tem que ajudar na renda familiar, este combate e a proibição da idade mínima do trabalho para 16 anos foi fatal para isso; porque como num mercado de trabalho sem oferta de emprego, entre contratar um jovem despreparado, sem nenhuma experiência – e os sindicatos forçando que o salário piso tinha de ser igual para todo mundo, o empregador tinha de pagar todos os encargos salariais e todos os custos para contratar um jovem sem experiência – ou contratar alguém com mais experiência, adivinhe quem tem mais chances de ser contratado?
Daí jogou-se esses jovens na marginalidade. Então, você tem o fator da estagnação do desemprego, o fator da discriminação do jovem no mercado de trabalho, e você tem o problema do não investimento em qualificação. Estes três fatores se cruzaram. Agora, o principal fator é, sem dúvida, a oferta de oportunidades. Tem mais pessoas procurando emprego do que oferta de emprego e hoje com o crescimento, a oferta de emprego é qualificada e quem não está qualificado não tem oportunidade.
O crescimento social não vem acompanhando o crescimento da economia?
O nosso modelo de desenvolvimento está trazendo hoje uma balança comercial extremamente favorável. Apesar de o real estar supervalorizado perante o dólar, a nossa balança comercial está positiva. O Brasil é um exportador de commodities e se transformou em um importador de manufaturas. É isso que está consumindo as oportunidades de emprego, especialmente no setor industrial. Você pode ver que o crescimento industrial não acompanha o próprio crescimento, os indicadores ai estão, e isso significa que a balança econômica positiva gera uma balança social negativa e isso são fatores que agravam o processo.
Há opiniões de que o Brasil deveria escolher alguns setores para direcionar investimentos e qualificar mão-de-obra. Ser bom em alguns setores. Qual a sua opinião?
Não concordo! Você tem que qualificar tudo, isso é aquela idéia do planejamento central. Você tem que qualificar o que tiver demandando no mercado. Eu estou fazendo, frente à Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, um mega diagnóstico da necessidade de qualificação no Estado de São Paulo. Estou no meio da Caravana do Trabalho, que está cobrindo 645 municípios. Eu estou em contato direto com os prefeitos em 21 regiões. Faço a aplicação do diagnóstico junto com a Fundação Seade para nós identificarmos nos municípios o que está acontecendo de demanda. Estamos juntando os dados empíricos da Fundação Seade, mais os dados objetivos das prefeituras.
Que histórias o senhor conta das suas ‘andanças’ pelo interior do Estado?
Eu cheguei numa cidade lá nas barrancas do Rio Grande, perto de Votuporanga, e o prefeito me falou, que a necessidade dele era curso de amansador de cavalos. Eu perguntei quantos, e ele me disse uns 30; o mercado demanda 30. Um amansador de cavalos é um cara que vai viver daquela profissão. O que eu quero dizer é que você tem de ouvir, sentir o que está acontecendo em cada município, de acordo com a realidade. Isso nunca foi feito, nem em São Paulo, nem no Brasil. Não existe esse diagnóstico. O plano de qualificação era feito pelo interesse do aplicador, não do interessado. Existem várias entidades, ONGs; dinheiro para qualificar tem. Mas nunca alguém mediu a eficiência daquele plano.
Se o senhor ficasse trancado em seu gabinete, não teria essa visão.
Por isso que eu te falo: se você fizer esse trabalho no gabinete, irá comer pela mão de setores organizados. Daí o usineiro vai vir aqui falar que precisa de tal coisa, o empresário vai reclamar por recursos. E o resto?
A Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho se sustenta hoje em um tripé – qualificação, que eu chamo de educação voltada ao trabalho, empreendedorismo e desburocratização. Empreendedorismo porque a grande maioria da população hoje está na informalidade e dentro da informalidade está o auto-emprego. Não é um empreendedorismo de vocação, é um empreendedorismo de necessidade. Tem muita vocação que pode ser aproveitada, que brota daí, então este é o manancial fundamental para esta carência do emprego formal, ou do emprego em carteira tradicional, você ter ocupações e permitir a liberdade do indivíduo de ir buscando caminhos naquilo que você não está enxergando. Depois , a desburocratização, que tem tudo a ver com o empreendedorismo. Então, na sequência: o primeiro passo é a qualificação do trabalhador, que é um fator-chave.
O mercado de trabalho precisa do diagnóstico, que é o que estamos fazendo. Para fazer esse diagnóstico, eu tenho que perguntar quais as ocupações, em que quantidade e onde. Por que saber a quantidade? Para não formar mais profissionais do que o mercado precisa. Eu tenho que ter a ideia de quantidade, para eu poder dosar o curso, para eu formar até um pouco a menos da própria demanda, exatamente para valorizar quem está formado.
Explique melhor como esse processo vem ocorrendo.
Para poder fazer esse diagnóstico, o primeiro passo foi convocar a Fundação Seade. Ela tem a habilidade de transformar dados em informações. Em uma analogia, ela toca com partitura, não de ouvido. Eu não estou atrás de dados, eu estou atrás de informações que os dados possam me trazer, para me dar a conclusão. Agora, não é suficiente, por isso nós estamos fazendo a Caravana do Trabalho, um questionário para ouvir quem toca de ouvido. A Fundação Seade toca com partitura, o prefeito toca de ouvido. Esse caso do amansador de cavalos, a Seade nunca iria descobrir, mas o prefeito sabe, então eu estou juntando os dois lados, eu tenho condição de ter bem próximo um diagnóstico da realidade para organizar os planos. Além disso, nós vamos trabalhar em cima de tendências, o diagnóstico vai dar tendências também. Hoje, você tem fatos no interior que estão sendo frontalmente agredidos pela revolução do biocombustível. O Brasil está no centro do mundo nesta questão e São Paulo está no centro do Brasil. Só que essa pressão da produção do biocombustível é gerada em função do meio ambiente, por causa do aquecimento global, a necessidade de fontes alternativas. Essa questão do meio ambiente também vai forçar uma mudança no processo de produção tradicional, que é o problema da queima da cana, que embora o governo do Estado tenha protocolos firmados com os usineiros, isso vai ser atropelado, porque há exigências externas. Quando alguém de fora for comprar o nosso etanol, ele quer selo de produção não poluente, selo de não exploração de mão-de-obra infantil. Se você não tiver esse selo, não vende o produto. Então haverá um processo abrupto de mecanização. Só para ter uma ideia, uma colheitadeira libera 80 pessoas. Se você não se preocupar agora em preparar e requalificar essa gente, elas vão engrossar o cordão de sem-terras e de sem-tetos no cinturão e na periferia das cidades do interior
Por outro lado, o aproveitamento do bagaço da cana gera outros empregos.
Toda esta produção será absolutamente incorporada com tecnologia, ela será economizadora com mais mão-de-obra, ela vai ter escala de produção, esse é o processo. Então fica aqui o alerta, você tem que fazer isso antes, porque os atuais planos de qualificação, sem dúvida, vão ter muito dinheiro para poder treinar o operador da colheitadeira, mas treinar o cara que está sendo marginalizado, aí ninguém se preocupou e essa é a nossa preocupação. Nós estamos fazendo esse trabalho já incorporando as possibilidades de mudança e trazendo os prefeitos para essa preocupação, para que a gente possa, juntos, encontrar soluções.
Esta é uma visão inteiramente nova de abordar a questão do desemprego, não é mesmo?
Estamos elaborando o diagnóstico da situação atual e o diagnóstico com as perspectivas de mudanças, e isto vai encerrar o plano plurianual de qualificação. Esse plano será uma somatória de recursos do FAT, do orçamento do Estado e de outros recursos. É dinheiro público, então nós temos que começar a atirar na mesma direção, trabalhar em conjunto, não que eu vá perder a autonomia do que eu esteja fazendo, mas não fazer a mesma coisa do que já se está fazendo no mesmo município é um desperdício. Temos que procurar ocupar os espaços, só que com a missão de reduzir custos, porque a qualificação tem que ser gratuita, pois ela é uma extensão da escola.
Havia a preocupação de aplicar os recursos do FAT neste tipo de demanda?
O que eu estou vendo é que o dinheiro do FAT se preocupava com gastos e depois anotar: gastamos tanto em qualificação.
Não tinha comprovação?
Não! E nos planos setoriais tinha, por exemplo, a Petrobras. Agora eu pergunto: a Petrobras, com lucro de R$ 14 bilhões, precisava recorrer a recursos básicos para fazer treinamento na sua mão-de-obra? Ou esse treinamento de mão-de-obra é para aqueles que hoje não têm condições, não têm acesso a nenhum plano de qualificação efetivo?
Além da Fundação Seade, quem mais participa desse projeto?
Um outro grande aliado é o Centro Paula Souza, que tem 134 escolas e 30 Fatecs, é uma rede espalhada pelo Estado, e ela vai ter a missão de aplicar cursos de qualificação básica; é diferente do que ela faz hoje, com ensino técnico, que é o segundo grau profissionalizante. Aqui é qualificação básica, curso rápido pois o desempregado não tem tempo para fazer curso. Serão cursos de carga horária de 100 a 200 horas. Um Mobral profissional mesmo! São cursos rápidos, porque quem está desempregado tem pressa de qualificação. Ela poderá também credenciar outras entidades para trabalhar dentro do mesmo padrão.
Então, o Centro Paula Souza terá essa função estratégica, é uma instituição do Estado. A terceira instituição do Estado que nós estamos convocando é a Fundação Padre Anchieta, que vai criar a metodologia, que junto com a Paula Souza vai desenvolver a visualização, a didática. Nós detectamos que a carência do ensino básico faz com que as pessoas, hoje, tenham dificuldades em entender o que leem, elas podem até ler, mas têm dificuldade de entender o que estão lendo. Então, você precisa usar um recurso para que ela possa entender melhor o que está sendo transmitido por escrito. A visualização e a simplificação são importantes e a Fundação Padre Anchieta tem know-how, porque “papagaio come o milho e o periquito leva a fama”. A Globo e a Fundação Roberto Marinho levaram a fama do Telecurso, mas quem sempre fez o Telecurso foi a Fundação Padre Anchieta, aqui em São Paulo.
Então, é feito o diagnóstico, você aplica, usa as metodologias mais modernas, mas falta a ultima parte, que é a mais importante, que é a avaliação. Neste ponto entra a Fundap avaliando aquilo que foi feito nos cursos, o que aconteceu, se foi bem ministrado, se a pessoa conseguiu um emprego, se conseguiu uma colocação, se tem algo errado, ou foi a escolha do curso que não foi boa, ou foi a forma do curso. É preciso medir para saber o que aconteceu, para saber se teve eficácia.
Até quando o senhor estará na estrada com a Caravana?
Eu encerro o giro em setembro, em outubro já devo ter os primeiros dados do diagnóstico, para que eu já possa inserir no orçamento do ano que vem a aplicação desse projeto. Logicamente, vamos iniciar em velocidade reduzida, porque eu chamo isso de primeira, segunda, terceira e quarta marchas. A primeira é reduzida, é o arranque, depois a gente vai resolvendo os problemas, mudando as marchas e a velocidade. Agora eu estou arrancando, mas a formatação do processo segue rigorosamente essa linha.
Mesmo sem esse plano estar ainda em operação, a Sert obteve bons resultados este ano. De abril a junho, vocês intermediaram 35 mil empregos, dos quais 12 mil somente em junho. Estes são números respeitáveis.
Nós temos 204 Postos de Atendimento ao Trabalhador (PAT). Esses postos têm um convênio com o Sistema Nacional de Emprego, do Ministério do Trabalho. Assim, temos um cadastro de quem está procurando emprego e de quem está oferecendo vaga. Daí eu bato tambor, solto fumaça, aviso as partes interessadas e faço a intermediação, comunicando a área de estatística. É ainda um sistema primário, quando, na verdade, eu entendo que um sistema desses tem que aproveitar melhor os recursos do mundo digital e da internet, tem que botar a boca no mundo para dizer que tem um cara aqui procurando emprego. Na outra ponta estarão as empresas entrando no sistema e oferecendo vagas; faremos então um cruzamento. Isso ainda não tem! Com a fortuna que tem o FAT, não temos um sistema assim. Eu quero ver se até o final do ano eu vou ter isso aqui. Juntos, empresas, universidades, PATs e outras fontes. A universidade, por exemplo, está formando os mais novos desempregados no Brasil. O sistema tem que ser alimentado, o universitário que está saindo da escola e está procurando emprego, ele já viria automaticamente para o sistema. E a escola informaria as suas notas, os cursos, o curriculum etc. Dessa forma eu estou passando a informação para o mercado.
Com este sistema eu não vou usar somente o computador, eu vou usar inteligência. Qualquer computador em rede poderá entrar no sistema, basta ter a senha. Se hoje eu tenho 204 PATs, eu posso ter 645 no sistema. E ai eu já “viajei na maionese” e já apelidei isso de “Google do Emprego”, um sistema de busca do emprego. Aqui você tem um termômetro imediato, porque através do sistema, na mesma hora em que você tem oferta de emprego, está tendo procura. Se inicialmente fiz um diagnóstico, agora eu posso aferir esse diagnóstico todo dia e regular oferta e procura imediatamente e detectar a procura de um tipo de vaga que eu não estou conseguindo suprir, que está faltando qualificação. Isso passa a ser um termômetro ao vivo do dia-a-dia.
Em relação aos jovens, principalmente os mais carentes, como o senhor vê esta situação?
Nunca em nossa história tivemos um contingente tão significativo, tanto potencial, quanto desses jovens; só que eles estão chegando no mercado de trabalho quando este está encolhendo. Além disso, pela comunicação de massa, esse contingente está sendo bombardeado por uma sociedade de consumo, que o convida a possuir os bens e serviços, mas sem lhe dar perspectivas de como ganhá-los. Os jovens, de todos os níveis sociais, sabem tudo sobre consumir e quase nada de como ganhar, pois não têm perspectivas; cria-se a frustração. A frustração é matéria-prima para a violência. Como a expectativa de emprego nos setores organizados é nula, há um desemprego de 50% nesse segmento.
Quem está ensinando o adolescente a abrir o seu caminho? O quarto setor, o crime organizado. Esse fato é ainda mais agravado por equívocos do setor público, que gera muita confusão e dúvidas, não só para as entidades assistenciais, como também para os empreendedores e empregadores. Uma emenda constitucional elevou a idade mínima para 16 anos, permitiu também o aprendizado para 14 anos.
O que o governo do Estado vem fazendo em favor da juventude?
Esse processo do adolescente está merecendo, da nossa parte, uma atenção especial. Quando falo nossa parte é a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho e a Secretaria do Desenvolvimento Social. Estamos nos preparando para investir pesado em um programa. Eu vou fazer o que chamam de pré-qualificação desse jovem. Pré-qualificação é para o jovem de 14 anos, que está numa entidade assistencial. Ele tem que sofrer um processo de pré-qualificação de cinco a seis meses para receber uma preparação, por exemplo, noção de computação e outras coisas. Ele é preparado para ser colocado no mercado de trabalho. Nós temos que cooperar com essas entidades para fazer a pré-qualificação.
Hoje, várias já fazem isso, mas elas acabam colocando o custo da qualificação no preço da contratação do serviço com as empresas, que acabam pagando esse custo. Isso não é um incentivo para contratação. Acho que o nosso papel é ajudar na pré-qualificação. Na hora em que o jovem é colocado numa empresa, a entidade tem que assisti-lo, porque a lei é assim, a entidade tem que assisti-lo pelo menos por dois anos. Quando ele for trabalhar, quatro dias por semana ele tem aulas práticas e um dia terá aulas teóricas na entidade.
Nós vamos sustentar essas entidades para fazer isso: aí entra o link do programa com a Secretaria do Desenvolvimento Social. Todo jovem da escola pública da rede estadual recebe 60 reais por mês, para ele não sair da escola. Se ele tiver freqüência de 100%, pode chegar até 80 reais por mês. O que nós vamos fazer se ele entrar no programa e for contratado? Ele já vai receber 325 ou 330 reais, que é o salário; então aqueles 60 reais pagos para ele passarão automaticamente para a entidade, para separar do custo de contratação desse jovem. Para a empresa fazer o aprendizado a gente acelerou muito o programa aqui no Estado. É o Movimento Degrau (veja na pág. 72), subindo mais um degrau.
Qual a sua opinião sobre a atual CLT? É uma lei que precisa ser reformulada?
É uma lei fascista, feita pelo social nacionalismo de Hitler e Mussolini, de quem Getúlio e Perón eram discípulos. O social nacionalismo foi a matriz de geração da nossa legislação trabalhista. Ela já serviu e era importante para sua época, mas hoje ela é totalmente ultrapassada, totalmente inadequada para a nova geração de emprego e de trabalho. Por exemplo: lá no Japão tem estabilidade no emprego, mas em contrapartida, o salário flutua de acordo com a maré, ou seja, eu tenho um salário-base, o mínimo, e o resto vem em forma de produtividade. Se a empresa teve um encolhimento no mercado, o rendimento do empregado encolhe, mas ele não vai para a rua. Esta é uma das formas que alguns países que estão crescendo encontraram para enfrentar as oscilações violentas do mercado. Nós temos que buscar as formas mais flexíveis para podermos enfrentar a nossa realidade. Os países que têm terremotos constroem alicerces de borracha , pois sabem que não adianta endurecer, você têm que se adaptar, ser flexível.
A Constituinte de 1988 foi feita um ano antes da queda do muro de Berlim, ela consagrou uma visão ultrapassada, e o pior, colocou-se na letra constitucional o “dissídio coletivo”, o que seria um “acordo coletivo”, por exemplo, entre Petrobras e seus funcionários e outras grandes multinacionais. O que servia para esse pessoal foi colocado na letra constitucional como um princípio básico, só que isso não se adapta à realidade, ao restante dos trabalhadores. Aliás, com muito orgulho (pode até destacar isso) eu fui deputado constituinte nota zero, nota dada pelo DIAP; com orgulho, porque eu me insurgi contra a pressão. E o DIAP fazia esta pressão. Dizia-se que quem não votasse pelo direito do trabalhador iria contra o direito da maioria, mas a maioria ficou sem direito nenhum, isto daqui é para uma minoria e o resultado está aí. Hoje, quando reúno aqui na Secretaria centrais sindicais, eu falo “bem-vindos os líderes da minoria”, pois a maioria está sem o controle de vocês e a nossa missão é alcançar essa maioria. Mas como alcançar?
Eu, como deputado constituinte, fui o autor do artigo 179 da Constituição, que manda dar um tratamento diferenciado à micro e pequena empresa nos campos tributários, e lá eu coloquei tratamento diferenciado nos campos tributários, previdenciário, creditício, administrativo e, no meu projeto original, coloquei também o trabalhista. Você tem a lei e os direitos, só que no campo trabalhista, é preciso tratar os desiguais, desigualmente, de acordo com as suas desigualdades. Fui massacrado! Mas deixa passar uns anos para ver o que vai acontecer…
Como seria essa reforma trabalhista?
Hoje, mais do que nunca, nós temos que reproduzir a palavra trabalhista que está no artigo 179, que é o comando constitucional, e aí fazer o Simples Trabalhista, que é para poder formalizar. Porque hoje quem está gerando emprego é a microempresa, só que está gerando emprego na informalidade. Como é que ela vai seguir as regras e os direitos “imexíveis” do processo trabalhista? Eu acho que é aí que começa a grande reforma trabalhista no Brasil. Não quero mexer com os direitos trabalhistas já acertados das elites, mas quero incorporar direitos às massas, que estão sempre na mesma. Eu acho que é aí que começa a grande reforma. Uma palavrinha introduzida na Constituição nos dá condição de começar a mexer e não acredito que hoje tenha uma oposição tão cerrada, porque eu não estou querendo tirar o direito de ninguém, eu estou querendo dar. Quero simplificar o contrato trabalhista.
Na minha campanha presidencial, eu tentei explicar didaticamente como se faz a lei no Brasil. Gravei um programa na porta da Volkswagem, num dia frio, e eu vestindo uma malha dizia: vocês estão me vendo aqui com uma malha, estou na porta de uma grande empresa multinacional e toda legislação que se faz é em função dessa grande empresa, e querem que o Brasil inteiro se equipare a ela. Vocês estão me vendo aqui de malha, está frio aqui. Então, vamos fazer uma lei que todo mundo vai usar malha no Brasil inteiro, porque eu estou passando frio aqui. Outro dia, eu encontrei um italiano consertando uma romiseta. Eu disse: escuta seu fulano, como é a sua vida? Ele respondeu: é difícil parar em emprego, é muita burocracia, a legislação não dá e a minha oficina é pequena, consertando romisetas.” Eu disse: aqui no Brasil é assim, você faz lei para jamanta e quer que a romiseta siga. Na minha campanha fui jogando este tipo de informação e hoje essa realidade está ai.
E qual a sua opinião sobre estabilidade no funcionalismo público? O senhor é contra ou a favor?
As funções do Estado têm que ter estabilidade, têm que ter segurança. Até na educação, ela tem que ter uma carreira com estabilidade; a mesma coisa na saúde e em outros setores. Em compensação, funções de Estado não podem ter greve, você não pode usar a população como refém do seu interesse pessoal. Vamos definir a função de Estado, dar estabilidade. Mas greve não, você não pode parar, pois atenta contra o direito do cidadão. Não se pode ficar sem polícia, a população não pode ficar sem segurança.
Guilherme Afif, secretário estadual do Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo
Reprodução: Revista Digesto Econômico – 29.06.2007