Como remanescente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e ocupando cargo público atualmente, Guilherme Afif foi convidado pela Revista Congresso Nacional para falar sobre o atual sistema político brasileiro.
Durante a entrevista, ele revela o que pensa sobre assuntos como Medida Provisória e divisão de tributos.
Afif também sugere mudanças como a convocação de uma Constituinte exclusiva para combater “puxadinhos constitucionais”, a transferência do papel de vereador para o cidadão comum e a necessidade de maior participação da sociedade no processo político. Confira abaixo os principais trechos.
Medida Provisória
A Medida Provisória foi desvirtuada. Se o Congresso fizesse prevalecer o seu papel de fazer o filtro da urgência e relevância, as MPs poderiam permanecer como estão. Mas fazem uma proposta com um título, embutem várias cláusulas de outros assuntos e o Congresso aprova em função do atrelamento do Poder Legislativo ao Poder Executivo. Por isso existe a necessidade de implantarmos no Brasil o voto distrital. Somente desta forma o Congresso ficaria vinculado, efetivamente, à sociedade, ao eleitor, e não mais ao Poder Executivo como é hoje.
Puxadinho constitucional
Sou defensor da convocação de uma Constituinte exclusiva. Fui um dos defensores da revisão constitucional, cinco anos após a sua promulgação, para que pudéssemos aperfeiçoar o que foi votado em 1988. Tirar os excessos que aconteceram em função das pressões corporativas e adaptar a um projeto de modernização do país. Votamos a Constituinte antes da queda do Muro de Berlim. Hoje o grande problema das alterações constitucionais está localizado no quórum de modificação que, quando votamos a Constituinte, era por maioria absoluta e hoje é preciso apenas três quintos dos votos para as alterações. Com isso acabamos fazendo remendos constitucionais – que chamamos de puxadinhos constitucionais. Eles acabaram por complicar ao invés de aperfeiçoar o nosso sistema constitucional. Defendo uma Constituinte exclusiva não só para o voto distrital, mas também para limpar do texto constitucional as matérias que não são de Constituição e sim de legislação infraconstitucional (que está colocada como letra constitucional). Se fizermos esta limpeza de texto e votarmos o novo sistema eleitoral por uma Constituinte exclusiva, daremos um passo importante para o aperfeiçoamento constitucional no Brasil.
Cidadão comum no papel de vereador
Criamos muitos municípios que não sobrevivem. E tudo por causa do incentivo à repartição da renda pelo número de municípios. Quem iniciou isso foi Magalhães Pinto, na década de 60, no Estado de Minas Gerais. Ele praticamente dobrou o número de municípios de uma forma “esperta”, ao perceber que poderia aumentar a arrecadação/participação de seu estado. Mas criou municípios subrepresentados e que não se sustentam. E a moda pegou. Com isso surgiu uma nova casta de prefeitos, vereadores, funcionários. E os gastos fazem com que a arrecadação do município muitas vezes não pague o custo da administração. Foi introduzido o sistema de remuneração parlamentar para municípios muito pequenos, o que acabou virando – muitas vezes – um cabide de empregos e não uma representação popular de verdade. Eu sou radical nesse ponto! Acho que, em municípios menores, a representação da vereança deve ser de cidadãos que tenham múnus público do cargo, ou seja, o cidadão que se dedica, gratuitamente, pelo menos uma vez a cada 15 dias a representar a população na Câmara Municipal. É o cidadão comum, que pode ser do varredor de rua ao fazendeiro local, não importa. É um representante da comunidade. Ele se sustenta com a sua profissão. Uma das maiores distorções que incentiva a procriação de municípios no Brasil é esta remuneração parlamentar de vereadores de cidades de pequeno porte.
Distorção na divisão tributária
Existe um tema muito importante para a Federação que deve ser tratado em uma Constituinte exclusiva. Quando votamos, em 1988, o Fundo de Participação de Estados e Municípios, votamos o critério da repartição dos impostos. Até então não se falava muito em tributos (imposto + contribuição) porque a participação das taxas de contribuição era irrelevante no montante da arrecadação. As contribuições estavam destinadas à regulação de política econômica, portanto não seriam tributos permanentes e divisíveis. Mas com o tempo ocorreu uma distorção. Os governos que se seguiram partiram para fazer o ajuste fiscal, após o regime inflacionário. Utilizando o critério de criação de novas contribuições que já não guardavam nenhuma relação com política econômica e sim arrecadatória. Em 1988 as contribuições representavam 18% do total do montante arrecadado e os impostos representavam 82%. Hoje estamos praticamente no meio a meio: os impostos representam 52% e, as contribuições, 48% das arrecadações, que não são divisíveis com estados e municípios. Então nós temos esta imensa distorção: a União fica com 60% da arrecadação, os estados ficam com 25% e, os municípios, com 15%. Entretanto, a demanda por atendimento aos serviços fundamentais votados na Constituição – como educação, saúde e segurança – são funções de estados e municípios, que ficam muito perto do problema, mas muito longe dos recursos. Esse é o ponto que tem que ser atacado urgentemente. Que se participe na distribuição, orientados para estas prioridades, os recursos das contribuições arrecadadas hoje como forma de impostos.
Congresso ontem e hoje
Aquele Congresso de 1988 foi um Congresso diferenciado. A sociedade se mobilizou para ter representantes à altura do desafio de escrever uma nova Constituição. Tivemos membros dentro do Congresso Nacional que foram expoentes da política brasileira na época. Não vou citar nomes para não cometer injustiças, mas basta consultar os anais da Câmara para ver nome e presença como constituintes, de pessoas muito importantes dentro do ambiente político, econômico, sindical, jurídico, entre outros. Hoje há uma desmobilização da sociedade na participação do processo político. Cada vez mais as pessoas que poderiam dar sua contribuição se afastam. Daí a importância de uma Constituinte exclusiva para restabelecer uma certa ordem dentro do processo político, dando chance de participarem cidadãos da sociedade, talvez incluídos nas listas partidárias, para serem eleitos, paralelamente a uma legislatura, para proceder as mudanças constitucionais e abrir campo para a entrada no processo político de pessoas mais representativas de todos os segmentos da sociedade. Não quero, com essa colocação, ofender a atual legislatura, mas hoje há um desincentivo de pessoas melhor posicionadas na sociedade de participarem do processo político.
Revista Congresso Nacional – julho de 2012
Sr. Guilherme Afif, tem todo meu apoio como eleitor para essas idéias que já passaram da hora de serem implementadas. Todos esses tópicos vão de encontro com os anseios da população brasileira. Realmente não tem sentido uma cidade pequena sequer consegue arrecadar impostos e ainda tem que pagar vereadores, assessores, secretárias, motoristas, carros e gasolina. Cidades com menos de 100 mil habitantes não deveriam ter câmara de vereadores pagos, deveriam ter um prefeito e um conselho administrativo voluntário, eleito pelos próprios moradores, só que ninguém ganharia salário, somente o prefeito. Esse Conselho teria poderes para fiscalizar e denunciar atitudes arbitrárias e contrárias à Lei, que o prefeito, por ventura, esteja fazendo. Essa denúncia seria junto ao Ministério Público. O trâmite se daria no TSE e caso o prefeito fosse julgado inidôneo seria cassado pelo TSE.