Ruth Costas – Da BBC Brasil em Londres
Em meados dos anos 2000, europeus interessados em investir, passar férias ou passar a aposentadoria no outro lado do Atlântico chegaram a ser responsáveis por um terço das compras de imóveis novos em alguns Estados do nordeste brasileiro, como Ceará e Rio Grande do Norte. Agora, com o real valorizado e os preços dos imóveis na Europa pressionados pela crise no continente, alguns brasileiros estão começando a fazer o caminho contrário.
Um exemplo é a terapeuta floral Nair Diniz, de 70 anos. Natural de Belo Horizonte, Nair comprou em 2011 um apartamento no condomínio de luxo Palácio Estoril, em uma praia próxima a Lisboa, e hoje divide seu tempo entre o Brasil e Portugal, onde recebe os netos em suas férias.
“Passo seis meses lá (Portugal) e seis meses aqui (Belo Horizonte). Temos muitos amigos e já me sinto em casa em Portugal, até porque a cultura é muito parecida com a brasileira”, contou Nadir à BBC Brasil.
“A questão da segurança também é um atrativo. E se é verdade que a Europa sempre foi um lugar caro, recentemente o custo de vida no Brasil subiu muito, então a diferença entre o que gasto lá e aqui já não é tão grande”, diz.
O funcionário público aposentado Carlos Cabral concorda. “Gasto mais ou menos o mesmo no Brasil que em Portugal e aqui (Lisboa) consigo manter um estilo de vida parecido com o que levava no Brasil, indo a teatros, restaurantes e etc”, conta.
Carlos foi à Europa pela primeira vez em dezembro e decidiu a passar parte da aposentadoria na terra de Camões. Agora, ele está procurando um apartamento para comprar em Portugal com o dinheiro que deve receber de um processo trabalhista.
“Tomei essa decisão no ano passado, depois que consegui a cidadania portuguesa por ter família no país. Fiz as contas e vi que conseguiria viver aqui com minha pensão brasileira então pensei: Por que não? Agora, quero usar Portugal de ponto de partida para conhecer o resto da Europa.”
Por trás das histórias de Carlos e Nair há um fenômeno que está colocando os brasileiros no radar de agentes imobiliários em diversos pontos do globo.
Foi-se o tempo em que o sonho de quem começava a ascender na pirâmide social brasileira era uma casa à beira mar no Guarujá ou Búzios. A busca por segurança e preços mais baixos que os do superaquecido mercado imobiliário brasileiro nos últimos anos fez muitos se convencerem de que poderiam comprar uma segunda residência além das fronteiras brasileiras.
Destinos
Sem dúvida, Miami tornou-se o destino preferido desses brasileiros, principalmente em função de seus preços atrativos – e que chegaram a cair 50% com a crise.
Por volta de 2011, por exemplo, era relativamente fácil comprar um imóvel de 100 m² em Miami por menos de US$ 200 mil (R$ 380 mil) ou até menos de US$ 100 mil (R$ 190 mil), no caso de casas ocupadas por famílias que não puderam pagar suas hipotecas. Já em Ipanema – onde o valor do m² chega a R$ 17 mil – esses mesmos US$ 200 mil (R$ 380 mil) só seriam suficientes para pagar pela metragem de um quarto (22 m²).
Na época, segundo a Miami Association of Realtors, brasileiros foram responsáveis por 12% de todas as compras de imóveis em Miami. E ainda hoje esse é o principal alvo dos turistas residenciais do país.
Agora, porém, com os preços da Flórida se recuperando a uma média de 10% ao ano nos cálculos de Gabriela Duva, diretora da área internacional da imobiliária Coelho da Fonseca, também começa a crescer o número de interessados em outros destinos – entre eles a Europa.
“Esse movimento ainda é bastante inicial pois, a sensação que se tem é que a economia na Europa tem um ritmo mais lento do que a americana. Mas de fato temos percebido um início de interesse de alguns investidores brasileiros em olhar para o mercado europeu. Principalmente os que compraram imóveis na Flórida na baixa (dos preços dos imóveis) e já revenderam com grandes lucros”, diz Gabriela Haddad, da Hamoral Group que atua na venda de imóveis de luxo no Brasil e no exterior.
Na Coelho da Fonseca, Duva diz ter registrado um aumento de cerca 30% na procura por imóveis no velho continente nos últimos dois anos.
“A Europa é mais cara então acaba atraindo compradores com mais recursos. A questão é que até pouco tempo apenas os super-ricos pensavam em ter uma segunda residência na Itália, França, Portugal ou Espanha, e agora temos um espectro maior de interessados, que inclui, por exemplo investidores em busca de oportunidades criadas pela crise no continente”, conta.
Perfil dos interessados
Segundo consultores como Duva, Guilherme Grossman, da imobiliária Consultant, e Nuno Durão, da portuguesa Irglux, há pelo menos três perfis de brasileiros que estão se interessando em comprar imóveis na Europa.
Primeiro, investidores que acreditam que os preços no mercado de alguns países europeus estão em um patamar interessante e podem se valorizar quando a Europa começar a se recuperar da crise – à semelhança do que já vem acontecendo em Miami.
Segundo Duva, esse seria o caso de muitos dos interessados no mercado espanhol, que foram atraídos pelos descontos de até 60% provocados pela crise. Ainda há muita incerteza, porém, sobre se e quando a economia do país vai reagir – tornando os investimentos rentáveis.
“Por isso os brasileiros ainda estão apenas observando o que fazem outros investidores”, diz a consultora.
De fato. Segundo alguns cálculos, a Espanha teria hoje até 6 milhões de apartamentos vazios – muitos deles imóveis confiscados pelos bancos depois que seus proprietários não puderam honrar suas hipotecas.
De acordo com o Consejo General del Notariado (CGN), um total de 38.312 estrangeiros “não residentes” compraram imóveis na Espanha no ano passado aproveitando esses descontos – 30% a mais que el 2011.
Mas apesar de o número de brasileiros nesse grupo ter quadruplicado desde a crise de 2008, ainda é pouco expressivo. Em 2012, 25 brasileiros compraram imóveis na Espanha totalizando 6,2 milhões de euros (R$ 12,2 milhões), como mostra um levantamento feito pelo CGN à BBC Brasil.
Turismo residencial
O segundo perfil de brasileiros interessados em comprar imóveis na Europa inclui descendentes de europeus, que sempre quiseram manter um laço com o país ou região de sua família e agora, ao compararem os preços de imóveis europeus e brasileiros, acabam achando a possibilidade de adquirir uma segunda residência nesses lugares bem razoável.
Esse é o caso do engenheiro e empresário Hermes Loyola Costa, por exemplo, que ao viajar para a Espanha e Portugal para fazer turismo e visitar familiares decidiu começar a procurar um imóvel nesses países para passar uma temporada e ter uma base para, possivelmente, também investir em negócios na região.
“Vi que com 150 mil euros (R$ 389 mil) eu compro um bom apartamento de dois quartos no Porto”, diz Hermes. “A minha ideia é passar um tempo aqui para avaliar as possibilidades de investir nesse mercado. Sei que estão em crise, mas crise não dura a vida toda – e operar em momentos de crise é algo que nós, empresários brasileiros, tivemos de aprender a fazer bem.”
No terceiro grupo, estão famílias endinheiradas em busca de uma casa de veraneio ou aposentados interessados em dividir seu tempo entre Brasil e Europa.
É esse o caso de Nair e Carlos, que se dizem atraídos pelo “estilo de vida” de Portugal, a facilidade de acesso a outros países do continente e os custos de vida razoáveis se comparados com os brasileiros.
“Se até pouco tempo era comum ver portugueses aposentados comprando casas para passar o inverno português no nordeste brasileiro, cada vez mais são os aposentados brasileiros que estão atravessando o Atlântico”, diz Grossman.
Portugal
Portugal parece ter percebido esse interesse e é o pais europeu que mais tem se esforçado para explorar o potencial do mercado brasileiro.
Na esperança de vender alguns dos 10 mil imóveis desocupados do país, as agências imobiliárias portuguesas organizaram em dezembro, em parceria com a Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria, a primeira Mostra de Imobiliário Português (MIP) no Brasil.
Esse primeiro evento ocorreu no Rio de Janeiro. E no mês que vem, outra feira semelhante será realizada em São Paulo. No segundo semestre, o governo português também quer fazer um road show por capitais brasileiras para promover o mercado imobiliário de seu país e dar informações para quem pretende comprar uma casa em Portugal para passar férias, investir ou se aposentar.
“Observamos que os brasileiros estavam ganhando muito peso no mercado americano e percebemos que, com informações e alguns incentivos, poderíamos captar parte desse interesse para os imóveis portugueses”, diz Marlene Fialho, gerente da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria do Rio de Janeiro.
Como resultados da feira no Rio, o banco português Caixa Geral de Depósitos diz estar negociando com 20 investidores brasileiros imóveis avaliados em um total de 55 milhões de euros (R$142 milhões). Grossman, da Consultant, que opera em Portugal, calcula ter fechado 10 negócios e estaria negociando com outros 200 potenciais compradores.
Uma das apostas do governo português para atrair os brasileiros é um visto de residência especial para investidores, que lhes daria livre circulação pelo espaço europeu e após ser estendido por 6 anos poderia ser usado para dar entrada em um pedido de cidadania.
E Portugal não é o único a apostar nessa estratégia. Um projeto semelhante também é estudado pela vizinha Espanha para resolver o seu problema de imóveis desocupados.
É claro que a compra de um imóvel no exterior implica em uma série de complicações e riscos. Consultores alertam, por exemplo, que antes de cada compra é preciso se informar sobre os impostos, taxas, custos de transações e legislações de cada país – e em uma Europa em crise a verdade é há poucas garantias que não haverão mudanças na regulamentação para o setor.
Também não está claro se e quando aqueles que estão comprando imóveis em países em crise, como a Espanha, poderão obter retornos interessantes para seus investimentos – como no caso de Miami. E para os que compram casa de veraneio vale lembrar que os custos de manutenção do imóvel em moeda estrangeira sempre estarão sujeitos a variações no câmbio.
Nair, por exemplo, confessa que não sabe avaliar se o imóvel que comprou será um bom investimento. “O que mais importa para mim é o que ganho em qualidade de vida”, diz.