Quando era presidente da Associação Comercial de São Paulo, criticava duramente os fiscais, pois os considerava algozes das pequenas empresas que tentavam sobreviver ao emaranhado da legislação. Um dia, fui surpreendido por um telefonema de um pequeno comerciante alertando que as coisas não eram bem assim. Fui ouvi-lo. Possuía um negócio no ramo de plástico. Para não ter o rabo preso com ninguém, decidiu pagar todos os tributos e encargos, fazer da contabilidade o centro do controle da empresa, tudo como aprendeu na escola. Depois de ano e meio começou a sentir o aperto. Faltava capital de giro, não conseguia repor estoques, as margens de lucros zeradas. Estava a ponto de quebrar, quando apareceu o fiscal do Estado. Sob pressão dos problemas, o comerciante explodiu contra o fiscal, argumentando que ele poderia revirar a empresa, pois não encontraria irregularidades. Para sua surpresa, o fiscal respondeu: “Eu sei que o senhor paga todos os impostos, mas tenho que avisá-lo que vai quebrar”. O comerciante ouviu o fiscal dizer que o máximo que seu ramo de atividade suportaria de ICMS seria de 8% a 9%.
Ele pagava 17%, inviabilizando o negócio, prejudicando os vizinhos do mesmo ramo e também a ele, fiscal, pois o chefe estranhava como uma empresa de menor porte sofria mais impostos que outras. Com a assessoria do fiscal, acertou o passo da empresa, conseguindo tirá-la do vermelho. Demonstrou que eu estava errado e tinha de reformular meu conceito sobre os fiscais. “Ele é o adaptador da lei à realidade”, disse-me. Hoje, estou convencido de que quanto mais os governos repassam débitos para a sociedade, se o montante não for compatível com o poder aquisitivo do cidadão, o valor do imposto será teórico, pois a receita não vai ocorrer.
O sistema tributário no Brasil é absolutamente ineficiente e irreal. A Constituição, com o saudável princípio de descentralizar a arrecadação, distribuindo-a por Estados e municípios, acabou multiplicando os tributos, criando uma superposição de encargos que torna ineficaz o sistema e aumenta a evasão fiscal. Para compensá-la, avolumam-se as alíquotas, provocando uma reação da sociedade contra a avalanche tributária. Quem pode escapa e quem não pode inviabiliza seu negócio. Quem participa de oligopólio repassa. A isso se somam as tarifas de serviço público e as contribuições previdenciárias, estas responsáveis pelo crescimento espantoso do emprego informal no Brasil, que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, do IBGE, chega a 50% da população economicamente ativa.
Chegou a hora de mudar. Como constituinte, fui autor do parágrafo 52 do artigo 150, que diz: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. E o primeiro passo para se criar no Brasil a mentalidade tax payer, pois aqui ninguém pergunta quem paga a conta e nem quanto custa. Fala-se em educação de graça, saúde de graça, mas as pessoas não sabem que estão pagando pelo serviço. Pensam que o governante está fazendo um favor. São mais de cinquenta tributos incidentes que desembocam em um só pagador: o consumidor. A carga tributária acaba recaindo sobre o preço dos bens e serviços produzidos.
Como no Brasil não tem havido crescimento econômico nem distribuição de renda, aumenta a miséria, e o poder aquisitivo do povo vai minguando. Quando se tenta repassar mais encargos, ele não suporta e a onda contrária, a da “adaptação da lei à realidade”, é feita do balcão do comércio às máquinas das fábricas. A sonegação como forma de sobrevivência começa na ponta do consumidor. O Estado gigante continua crescendo e, por falta de receita, fabrica-se dinheiro para sustentá-lo. Eis a grande causa da inflação. O pior é que, segundo o Banco Mundial, dos recursos estatais para os programas sociais, 80% não chegam ao destino, pois ficam no meio do caminho. É o desperdício. A reação deverá vir com uma reforma tributária para simplificar radicalmente o sistema. Defendo a proposta do imposto único feita por Marcos Cintra, da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo.
Da ideia radical do imposto único, pode-se chegar, no máximo, a quatro tributos. Acabam-se as isenções e as burocracias, diminui-se o custo da arrecadação, tornando-a eficiente. A reforma do Estado é fundamental. Tudo o que o município puder fazer melhor, que o Estado não o faça. Tudo o que o Estado puder fazer melhor, que a União não o faça. Tudo o que o cidadão puder fazer melhor, que a União, o Estado e o município não o façam. É necessário adaptar a lei à realidade, pois quem ganhará é o povo. Como afirmou Thomas Jefferson: “Se pudermos impedir o Estado de desperdiçar o trabalho do povo, sob o pretexto de cuidar dele, ele será feliz”.
Publicado na Veja de 06/03/91