Afif: “Estelionato eleitoral, o grande mal do país”

29 de maio de 1988
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O deputado paulista constituinte que obteve mais de meio milhão de votos nas eleições de 86, não mede críticas ao governo do “estelionato eleitoral” que hoje permite, entre outros descalabros, que se negociem abertamente concessões de rádios pelo País inteiro e com isso, se articule de modo descarado uma prorrogação indesejável de mandatos de prefeitos, “porque o governo tem medo das urnas onde dominou maciçamente há dois anos e agora, como se vê, não alcançará nem 25 por cento do que conseguiu com o enganoso “Plano Cruzado”, que é verdadeiramente um golpe contra a boa-fé do povo”. Visitando Franca no último final de semana quando encerrou o importante 14º Congresso Estadual Lojista, o deputado do Partido Liberal e ex-secretário de Agricultura e Abastecimento, além de ex-presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos não pôde conter as palmas emocionadas da Unidade-Escola do “Senac” (vila Teixeira), quando comentou o teor da “Carta de Franca”, documento que demonstra preocupação com os descaminhos da política econômica de hoje, que sufoca e derruba a cada dia um empresário, seja ele pequeno, médio, grande ou mesmo o “micro” — aquele “coitadinho” que parece fadado à miséria e orfandade, se continuar dependendo das jogadas políticas centralizadoras, da União. Afif defende eleições diretas neste ano, teme a prorrogação de mandatos que poderá levar o país a um conflito de classes e vislumbra, com indisfarçada alegria, que depois de 28 anos, o brasileiro poderá finalmente escolher um Presidente da República e trabalhar pela reconstrução nacional: na última eleição em que Jânio Quadros foi eleito por seis milhões de votos, só doze milhões de brasileiros votavam; hoje, são 75 milhões aptos ao voto e ninguém pode prever “que bicho vai dar”, se houvesse eleição livre hoje, para se conhecer o sucessor do vice-presidente em exercício, José Sarney. A seguir, o diálogo do deputado constituinte que visitou Franca e cobrou de seus pares do PL – Partido Liberal -, o lançamento de um candidato próprio à Prefeitura, sem qualquer aliança e engajamento em outra legenda, “sob pena de perdermos definitivamente o espaço e a identidade para oportunidades nada vantajosas aos nossos princípios liberais”, ponderou no Aeroporto “Tte. Lund Presotto”, ao decolar de volta à capital para uma agenda sempre cheia: afinal, ele é candidato à Prefeitura de São Paulo, por uma coligação de partidos centro-liberais.

Se em processo tumultuado e clima de insatisfação geral, o povo for mesmo para um confronto nas ruas, não há risco de nova intervenção militar na vida política? Não devemos enveredar pelo caminho da hipótese negativa, o que em suma deve deixar-nos bem claro que, para enfrentarmos o “fantasma” da força armada, a sociedade civil precisará é armar suas forças e escolher, livre e ordeiramente, um legítimo Presidente da República, consoante seus anseios e aspirações, guardados e contidos há mais de 28 anos.

Seu Partido Liberal poderá enfrentar a máquina governamental em mãos do PMDB hoje, em 22 dos 23 Estados brasileiros? Claro que ainda somos pequenos, mas, com o passar do tempo e a recuperação da confiança popular na classe política, tenho certeza de que o povo saberá optar pela coerência da conduta liberal, que respeita a tudo e a todos. O “estelionato eleitoral” praticado há dois anos não poderá se repetir e nem o povo crê nisso mais.

Mas se o “PL” insiste em eleições gerais nesse ano, há condições para que seu Partido vença algum pleito expressivo, pelo menos a nível paulista? Claro, e tenho certeza que nesta região, por exemplo, vamos vencer em duas cidades expressivas e estratégicas, até onde o PMDB tem profundas raízes: é o caso de Araraquara, onde tudo caminha para uma vitória esmagadora do candidato do Partido Liberal e, em Patrocínio Paulista, aqui pertinho de Franca, onde o ex-prefeito José Milton Falleiros desponta com muito forte e imbatível concorrente à Prefeitura, onde realizou um trabalho exemplar, como todos sabem por aqui.

E em Franca, o quadro pode se alterar e trazer novo ânimo ao PL? Acho que, pelas informações que recebemos, o pessoal daqui está se estruturando, mas precisamos sair do compasso-de-espera e dos ensaios, para a prática real do programa que é dado semanalmente no “Espaço Liberal”, da capital, para que o Diretório francano se mostre forte e competitivo, a ponto mesmo de ter seu próprio candidato, que poderá ser o empresário Clóvis Meneghetti, ou o médico Ulysses Minicucci, entre outros potenciais candidatos. Não podemos agora permitir que se façam “coligações” que só servirão para sufocar nossa legenda ou “alugá-la” como o povo não gostaria de ver; sugiro que se forme a chapa-base da próxima eleição, com candidatos a prefeito, vice e vereadores e experimente disputar para valer. Hoje a maioria dos eleitores é de jovens que querem e exigem mudanças, custe o que venha a custar. Não podemos é ficar parados e nem nos subestimarmos no quadro geral da disputa. Depois é que vamos avaliar o resultado: antes, não passa de uma indesejável aferição negativista de um quadro ainda meio rebuscado e indefinido.

Que “estelionato eleitoral” foi esse? Ora, o famigerado “Plano Cruzado” de cartas marcadas, que só deram lucros aos que puderam ‘bancar o negócio’, enquanto o povo, infelizmente, foi chamado a pagar a conta e ficar chupando o dedo, sem nada poder fazer ou consertar. Foi enganado porque homologou uma expressiva maioria de deputados, senadores e hoje, do lado mais fraco da corda, sequer pode-se mover para alterar alguma coisa. A própria Assembleia Nacional Constituinte exigirá um “terceiro turno”, para se reparar as barbaridades que vem sendo aprovadas “a toque de caixa”.

Em termos de mandato presidencial e eleições municipais nesse ano, quais são as perspectivas para mudar alguma coisa? Acho que não se pode mais burlar a vontade do povo brasileiro e assim, o mandato do atual Presidente parece caminhar para cinco anos o que, para decepção da maioria popular, vai ser mais um pesadelo, um tempo difícil que poderá gerar sérios entreveros e conflitos generalizados. Deus nos livre disso, mas com a massa não se brinca. As negociatas de bastidores têm provado em vários sentidos que o povo quer votar já, mas o governo não pensa assim. Vai daí que, de repente, poderemos ter o povo novamente nas ruas…

Seus 550 mil e tantos eleitores poderão ter certeza de que as eleições municipais, pelo menos, transcorrerão normalmente em 1988? Há algum risco de adiamentos? Já não se disfarça mais a vontade de adiar as eleições municipais nesse ano. Em único ou dois turnos o PMDB vai perder feio, porque já dispõe de pesquisas que comprovam isso. O “racha” é visto com incrível clareza e as pesquisas revelam esse estado de coisas que pode, por outro lado, forçar conchavos que levem a uma composição perniciosa, de adiamento das eleições municipais no País. E isso, a grosso modo, pode representar uma ebulição de massas bastante preocupante mas, tudo que precisa ser mudado sempre impõe uma movimentação além do normal e do trivial. O “risco” aí, de se adiar o pleito, já é um “desafio” a mais para ser superado.

 

Jornal Comércio de Franca (SP) –  29/05/1988 Entrevista e montagem de Paulo Gonçalves; fotos de “Fotocolor-Kodak”, de Franca. Adaptação de reportagem para a TV Record de Franca, canal 4.

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