Afif acha o Estado selvagem e corrupto

7 de junho de 1987
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LEONEL ROCHA

O deputado federal pelo PL de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, aponta uma tendência liberal para o novo texto constitucional que sairá da grande comissão de ordem econômica, cujo relator é o senador do PMDB de São Paulo, Severo Gomes. Afif Domingos teme que o poder do lobby do Estado tenha força suficiente para anular as vitórias que os micro e pequenos empresários tiveram com a isenção de impostos e outras vantagens. O deputado paulista de São Paulo, 43 anos – que tem como lobby o próprio trabalho, ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo – é contra a estabilidade do trabalhador no emprego, contra o monopólio no refino do petróleo e trabalha para deixar o Estado o mais longe da economia possível. Ele tem uma justificativa: o Estado é selvagem e corrupto.

Qual a sua expectativa quanto à futura ordem na Constituição?

O processo da Constituinte praticamente começou. Dizem que a tendência é estatizante. Eu posso dizer que o discurso inicial é estatizante, pois os estatizantes — embora em minoria — têm um grande respaldo e repercussão. Eles estão falando na capital da estatização brasileira que é Brasília. Então se dá uma falsa impressão de que o conceito de estatização predomina em todas as áreas pelo poder de pressão dos grupos. Na verdade, o Brasil real não está aqui dentro fazendo pressão. O Brasil real está lá fora trabalhando. Eu tenho certeza que no final não teremos uma tendência tão estatizante. Mais estatizada do que está nossa economia — até o arrepio da Constituição — ela não pode ficar. O que nós teremos é uma tendência à descentralização maior do poder e um espaço maior da livre iniciativa, principalmente através da estrutura das pequenas e médias empresas, que têm recebido apoio até dos partidos radicais de esquerda. A tendência pode ser até inversa daquela que está sendo apregoada.

O que o sr. acha da proposta de redução da jornada de trabalho de 48 para 40 horas semanais?

No mundo inteiro este tipo de proposta tem sido desmentido pela explosão formidável das micro e pequenas empresas. As grandes organizações, que têm essa garantia de lei de 40 horas semanais de trabalho, acabam perdendo na concorrência para as pequenas empresas, que, na própria legislação desses países, são livres, não seguem esta orientação por serem empresas comunitárias. As 40 horas semanais de trabalho terminarão provocando a explosão de outras estruturas informais de trabalho porque não se adaptam à realidade brasileira.

O senhor é a favor da estabilidade no emprego a partir do primeiro dia de trabalho?

Isto é conversa de pessoas da corte. Isto interessa ao Estado. Na medida que isso passe, nunca mais ninguém vai poder mexer nos verdadeiros cartórios empreguistas existentes nas estruturas corruptas do Estado. Na verdade, eles foram muito hábeis e venderam o interesse do trabalhador através da venda da estabilidade total. Isto interessa à casta da corte, não interessa à sociedade brasileira. Em outros países, como Portugal, por exemplo, se introduziu isto; hoje quer entrar no Mercado Comum Europeu e não consegue por causa da ineficiência. Estabilidade gera um cartório. É mesma coisa que dizer que a lei do inquilinato faz com que o inquilino que alugue um imóvel nunca mais vai sair. Portanto, este tipo de estabilidade acaba gerando instabilidade no próprio emprego. Vamos analisar outra hipótese: estabilidade no emprego depois de cinco anos, não vai ter empregado com mais de cinco anos em empresa nenhuma. Vai haver um brutal critério de rotatividade. Eu prefiro traduzir isto melhor, pois o que o trabalhador quer é um contrato de trabalho que aumente as garantias dele no caso de demissão imotivada. Uma das propostas seria o seguro-desemprego administrado pelas empresas e pelos sindicatos. Não pelo Estado, porque onde o Estado entra ele rouba a empresa e o trabalhador. Seria um pacto entre capital e trabalho tendo em vista o social.

Qual a sua definição e a sua proposta de empresa nacional?

E uma definição muito elástica de acordo com o momento, do interesse e do setor. A atual Constituição não tem definição nenhuma e ela se reporta às leis de sociedade anônima. A definição que eu adotei para se colocar na Constituição foi a da própria lei das S/A, que teve como relator o ex-presidente Tancredo Neves. Na medida em que você tem interesse no momento, a lei vai definir este interesse. Se a intenção é proteger a empresa nacional, que se defina em lei. Se a intenção é restringir a ação das empresas estrangeiras em determinadas áreas, use a lei. Agora, a Constituição ela tem que ser a mais abrangente possível porque ela tem que perdurar através dos tempos.

O senhor acredita que o capitalismo brasileiro tem condição de administrar a ele próprio, sem a interferência do Estado, como acontece hoje?

O capitalismo brasileiro, hoje, praticamente não existe. A não ser no segmento da economia informal, e na pequena e média empresa que vivem do regime de mercado. O restante é um cartório só. O regime que o país vive hoje não é de capitalismo nem de capitalismo selvagem, é do estatismo selvagem e corrupto.

Qual a sua opinião sobre a criação da Comissão Mista Permanente do Sistema Financeiro do Congresso Nacional com poderes para tratar de política monetária e cambial?

Eu acredito que o Congresso não tem muita agilidade para isto não. Eu sou a favor da independência do Banco Central cujo presidente tem que ser indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Congresso Nacional com mandato fixo, independente do próprio presidente e do próprio Congresso, e que só pode ser removido em caso de alguma falta muito grave e comprovada para que exista realmente no Brasil uma autoridade monetária e que independa das pressões políticas e dos políticos.

E a proposta de se retirar do mercado brasileiro todos os bancos estrangeiros, inclusive para operações de simples depósitos?

Nós precisamos tomar cuidado com algumas xenofobias exageradas. Chegou a hora de traçarmos um fim nacionalista. O que está faltando ao Brasil hoje é um fim nacionalista. Nós confundimos um nacionalismo de fins com nacionalismo de meios. Nós temos que ter um fim nacionalista e o bem-estar do nosso povo, os meios têm que ser os mais eficientes e mais competentes para que não custem tanto para o bolso do contribuinte.

Qual a sua expectativa pelo trabalho do relator Severo Gomes na grande Comissão de Ordem Econômica?

A postura de Severo Gomes é totalmente diversa do primeiro relator (o da subcomissão da ordem econômica e sistema financeiro), deputado Virgildásio de Sena que procurou não abrir a sua posição, não quis diálogo e caiu do cavalo, pois 97 por cento de seu relatório foi rejeitado. No caso de Severo Gomes, ele está querendo ser o relator da maioria, ele está querendo o consenso e não as suas posições pessoais. Aliás, o Severo Gomes é um moderado, ele tem uma visão moderada e tem condições de diálogo. A Constituinte é um processo permanente de negociação. A própria estrutura da Constituinte foi montada para que você tenha vários turnos e a probabilidade de negociação e a identificação dos grupos aconteça.

Por que o senhor acredita que a parte econômica da futura Constituição vai ser mais liberal que a atual?

Porque existe uma tendência da descentralização e do apoio à iniciativa individual maior que a existente hoje. Quando eu falo de iniciativa individual falo de democracia econômica. Eu quero fazer um alerta: nós já conseguimos introduzir a imunidade tributária para a microempresa, fazendo com que ela seja só municipal. Isto foi aprovado por consenso na subcomissão. Mas me parece que já existe uma pressão sobre o relator para acabar com isto. Este é o perigo oferecido pelo estatocrata. Ele é da direita, da esquerda. Nós precisamos tomar cuidado com isto. Quando nós vemos aí estatocratas, uns travestidos de progressistas, outros carimbados de direitistas falando a mesma linguagem na hora de tocar imposto sobre a sociedade, nós precisamos tomar bastante cuidado. Faço um alerta a todos os microempresários do País: há uma conspiração na comissão de tributos para tentar tirar a conquista que conseguimos na subcomissão. Ou seja: o relator José Serra está sendo levado a suprimir a imunidade e a municipalização da microempresa.

Qual a sua proposta com relação ao monopólio ao petróleo?

O monopólio tem que ser sobre a pesquisa e a lavra. Quanto ao refino, ele valeu como monopólio nos últimos 35 anos para que a Petrobrás atingisse a sua maioridade. Hoje a Petrobrás é uma empresa maior, competente, o orgulho dos brasileiros. E em matéria de monopólio quem é competente não precisa, quem não é não merece. Este ponto deveríamos rever em termos de avanço. Se houver questão fechada de alguns setores sobre isto, simplesmente é manter o status quo.

Por que o senhor acha que a revisão na Constituição brasileira deve ser sobre a carta de 37 e não de 1967?

A Constituição de 1967 – com todo o autoritarismo que contém – aperfeiçoou os instrumentos fascistas-corporativistas da Constituição de 1937 que a constituinte de 46 não teve coragem de mexer. Mexer no arcabouço do Estado em 1946 seria mexer no getulismo que era uma força política muito grande. Getúlio Vargas foi o maior político brasileiro, não tenho a menor dúvida. Porém, ninguém pode deixar de reconhecer que seu ídolo era Benito Mussolini, fascista, e que o corporativismo que se manifestava pela forma do fascismo era a doutrina da época. O Brasil não se desgarrou desse conceito. Portanto, a Constituição de 87 tem que rever o arcabouço do Estado Novo de 1937.

 

Publicado no Correio Braziliense no dia 07/06/1987.

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