A vocação do Brasil

12 de julho de 1988
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Uma das consequências da extinção das oligarquias rurais brasileiras, que sofreram a derrocada econômica de 29 e a derrota política em 30, foi o processo de urbanização do País, que condenou o aspecto rural, enterrando-o junto com o conceito do “laissez faire” que ele então representava. Hoje, é possível afirmar, com tranquilidade, que o Brasil está totalmente fora de sua vocação de desenvolvimento. E, para começar a equacionar os problemas sociais que temos, é preciso retomar esse modelo de desenvolvimento, nossa real vocação. E o principal desses problemas é, sem dúvida, o formidável processo de aculturação ocorrida com a migração do campo para a cidade, onde a miséria urbana passou a se concentrar em proporção extraordinária. Não há solução no ataque aos efeitos, sem antes um vigoroso ataque às causas do processo.

O Brasil, que viveu uma experiência muito rica de absorção de cultura, especialmente na produção agrícola, trazida pelos imigrantes de diversos países, é o único país do mundo que detém extensão territorial e a tecnologia agrícola de uso tropical. Hoje, com a técnica da irrigação, estamos incorporando áreas que fazem agricultura 365 dias por ano, o que significa que amortizamos na metade e do tempo o investimento fixo do pessoal do hemisfério norte, onde a terra fica coberta de neve três meses por ano. Por esse motivo, enquanto os países europeus e os Estados Unidos precisam de uma enorme carga de subsídio para exportar, o Brasil cobra imposto do produtor agrícola. Esse é um exemplo da capacidade comparativa da agricultura brasileira. Mas o fator principal é o fator cultural.

O branco europeu do sul da África tem o problema da segregação racial. Se subir para o Norte vai ser morto. O da Austrália e da Nova Zelândia, se subir, cai dentro d’água. E no Brasil há ainda muita terra para ser ocupada. E esse processo já começou com os gaúchos, catarinenses, paranaenses e paulistas subindo para ocupar o cerrado. Para se fazer uma reforma agrária no País é preciso, antes de mais nada, estabelecer uma meta. Não é disputar com os Estados Unidos ou com o Japão a hegemonia da sociedade tecnológica, porque eles estão mil anos à nossa frente. Não vamos fazer a revolta da geografia contra a história, de que fala Vargas Llosa, vamos respeitar a supremacia tecnológica desses povos.

Mas há algum tempo o Japão está investindo muito dinheiro no cerrado brasileiro. Qual a explicação? E porque o Japão já percebeu que vai ter um conflito com os Estados Unidos na busca da hegemonia da sociedade tecnológica e precisará encontrar outro parceiro capaz de sustentá-lo do ponto de vista dos produtos agrícolas, em futuro próximo. E o Brasil foi o escolhido.

O mercado externo da produção agrícola brasileira competitiva existe, portanto. E devemos traçar urgentemente a meta para o ano 2000 que pode ser a produção de 200 milhões de toneladas de grãos, o que significaria uma revolução nos investimentos neste País. Em estradas, em eletrificação, em telefonia, irrigação. Com isso, a mão-de-obra do campo teria condições de abandonar a vida de miséria que leva nos centros urbanos e retornar aos locais de origem.

No Brasil de hoje, não temos projeto, a não ser aquele condicionado pelo interesse das empreiteiras que tomam recursos do governo. Se houvesse um projeto viável, nacionalista, todo o investimento poderia ser realocado para esse fim.

 

Publicado no Jornal da Manhã, de São Paulo, em 12/07/88

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