A Assembleia Nacional Constituinte, apesar de todas as distorções que marcaram a sua convocação, poderia representar uma oportunidade extraordinária para que o Brasil fosse “passado a limpo”, isto é, sua estrutura institucional fosse reformulada, colocando o País no caminho da modernidade e no compasso da História.
Para que isso ocorresse, seria necessária uma Constituição sintética, que definisse princípios gerais e deixasse para a legislação complementar, e principalmente para os acordos entre as partes, os ajustes desses princípios à realidade de cada segmento.
Embora tenha ponto positivo, de modo geral o texto que resultou do primeiro turno de votação é casuístico e contraditório. Liberal nos direitos individuais e intervencionista e xenófobo no plano econômico. Generoso nos direitos sociais e perdulário com o dinheiro público.
A combinação de dispositivos centralizadores e promotores da ampliação do controle estatal da economia com a consagração da reserva de mercado acabou por aumentar significativamente o grau de ingerência do Estado na ordem econômica.
Na ordem social houve uma aparente ampliação dos benefícios aos trabalhadores, impossível de ser concretizada na prática porque, de um lado, a repercussão dos custos desses benefícios e, de outro, a realidade do País onde mais da metade da população economicamente ativa trabalha sem registro e à margem de qualquer proteção inviabilizam sua aplicação, além de evidenciarem o abismo que separa os pseudos defensores da classe trabalhadora da realidade que vive o País hoje.
O corporativismo, herança maldita do fascismo que orientou a formação do Estado Novo, longe de ser banido com a esperança da Nova República, acabou se solidificando no texto da nova Constituição.
A Nova República, que deveria trazer um grande projeto que colocasse o País alinhado com as nações de primeira grandeza do mundo, ao ser surpreendida pelo acidente histórico em seu limiar sepultou as perspectivas de transição e acabou representando o pior momento da vida brasileira, com sua tentativa desastrosa de conciliar os interesses dos que já viviam nas costas do Estado com os daqueles que se candidatavam a esse posto tão confortável. O resultado desse processo de “acomodação” pode ser sentido no bolso de todos os contribuintes brasileiros que sustentam uma máquina emperrada e ineficiente que cresce em progressão geométrica.
Hoje está mais difícil identificar situação e oposição porque o casuísmo impera absoluto, promovendo uma grande movimentação de políticos de uma legenda para outra ao sabor dos interesses individuais.
A ausência de um projeto nacional transformou a Assembleia Nacional Constituinte no palco ideal para a atuação das várias corporações que integram o Estado ou que sobrevivem ao seu redor. E em todos os capítulos da nova Carta os interesses corporativos acabaram por suplantar o interesse nacional criando o “queromeuísmo”, ou uma Nova República que pode muito bem ser chamada de “República do Quero o Meu”.
O texto aprovado consagra o intervencionismo e a estatização, o nacionalismo vesgo, o corporativismo e o atraso. No momento em que o mundo parte para a liberalização e a internacionalização da economia nós aprovamos uma Carta Magna que aponta na direção contrária e representa mais uma oportunidade perdida de colocar o Brasil no caminho do verdadeiro desenvolvimento, que deve se refletir também na qualidade de vida de todos os seus cidadãos.
Embora a velha expressão “pau que nasce torto não tem jeito, morre torto”, sirva como uma luva para a nova Constituição, a atuação de alguns parlamentares permitiu a aprovação de uma emenda que garante revisão constitucional, com mesmo quórum de maioria absoluta desta Constituinte, para 1993. Pessoalmente, considero que esse dispositivo deveria falar em revisão nos próximos cinco anos, e não daqui a cinco anos, para que o próximo Presidente, que será eleito por um colégio eleitoral de 80 milhões de eleitores, pudesse ter condições de trazer à luz um novo projeto que a Nova República ficou devendo ao povo brasileiro.
Mas surge, já este ano, a primeira possibilidade de iniciarmos a renovação dos quadros políticos desde a base, com as eleições municipais, promovendo uma luta para sintonizar o poder público com os anseios da Nação brasileira.
Que essa oportunidade seja agarrada com firmeza por todos os cidadãos de bem, cuja participação efetiva no processo político é fundamental para que extirpemos da vida pública os aventureiros e asseguremos uma mudança efetiva nos rumos da política brasileira.
Publicado no Jornal de Brasília em 25/08/88