A opção pela pobreza

14 de maio de 1988
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Enquanto a Igreja, através da CNBB, fez a “opção preferencial pelos pobres”, a Assembleia Nacional Constituinte vem fazendo a “opção radical pela pobreza”, com o texto que está sendo aprovado em primeira discussão.

Depois de exercitar o populismo e o paternalismo no capítulo dos Direitos Sociais, a Constituinte amplia o nacionalismo e o cartorialismo no capítulo da Ordem Econômica, provocando a combinação mais perversa para a classe trabalhadora e para a população brasileira em geral, que é a de encarecer o custo da mão-de-obra e inibir os investimentos e, consequentemente o crescimento e a geração de empregos. Acena-se com uma ampliação dos “benefícios sociais” para os trabalhadores que só serão possíveis de serem suportados por empresas fortes e competitivas tanto interna como externamente.

Restringe-se, no entanto, o acesso de empresas estrangeiras em diversos segmentos da atividade econômica a pretexto de proteger a empresa nacional e as riquezas do país. Reduz-se com isso o ingresso de capitais externos e o montante global de investimentos no Brasil, o que implicará em menor taxa de crescimento econômico e menores oportunidades de emprego.

No caso dos Direitos Sociais, prevaleceu o populismo que se preocupa com a distribuição sem criar as condições para o aumento da produção. Reforçou-se, de outro lado, a estrutura de poder, inclusive financeiro, isento de controles e responsabilidades. Parece que é os sonhos de um passado não muito remoto de se implantar no Brasil uma República Sindicalista têm agora mais chances de se converter em realidade do que nos tempos em que os “pelegos” transitavam livremente pelo gabinete presidencial e pelos ministérios.

A concessão de maiores recursos compulsórios, reserva de mercado e liberdade ampla do direito de greve aos sindicatos, cumulativamente a outros “benefícios” é incompatível com a estrutura econômica da grande maioria das empresas brasileiras.

Institucionalizou-se o corporativismo, com a participação política passando por unia estrutura sindical, seja ela de trabalhadores ou de empresários. Se com Getúlio a estrutura corporativista servia como instrumento do governo, com o novo texto essa estrutura poderá se constituir no verdadeiro poder.

Mikhail Monoilescu, em seu livro “O Século do Corporativismo”, chama a atenção de que “o corporativismo não se deve confundir com o fascismo. Entretanto, a forma mais conhecida de organização corporativista contemporânea é o fascismo”.

No tocante ao capítulo da Ordem Econômica, o argumento nacionalista serviu de respaldo a grupos empresariais que temem se expor aos rigores da concorrência e apresentam, como sendo interesse da nação, o resguardo de seus próprios interesses.

Creio que se deva cumprimentar aqueles constituintes que votaram a favor da nacionalização do subsolo por razões ideológicas, pela vitória que obtiveram. Sendo contrários ao capitalismo, é natural que lutem contra a implantação de uma verdadeira economia de mercado no país porque isso dificultaria conduzir o Brasil para o socialismo isolacionista de tipo albanês, cubano ou nicaraguense, cujo modelo tanto admiram. Estes cantaram entusiasticamente o “deitado eternamente em berço esplêndido”, a estrofe do Hino Nacional que sintetiza os resultados prováveis dessa votação. O desfile, contudo, com o mapa geológico das “riquezas minerais” do Brasil, elaborado pela Associação dos Geólogos e protegidas da “sanha do capital estrangeiro” pelo voto dos nacionalistas (verdadeiros ou de ocasião) revela uma profunda desinformação de alguns (e a má de outros). O que o mapa apontava não eram riquezas minerais, mas apenas “recursos minerais” que, para serem convertidos em riquezas exigem investimentos, tecnologia, capacidade de empreender e de correr riscos. Exatamente os fatores que a decisão da Constituinte está inibindo em relação às empresas estrangeiras, embora seja sabido que os mesmos são necessários no país.

Pouco adianta para o Brasil o mapa geológico mostrar a existência de grandes reservas de ouro em local que necessite de capitais e tecnologias de que não dispomos para sua extração. Pode, no entanto, adiantar para aqueles que, mesmo não dispondo de capitais e tecnologia necessários para a extração no curto prazo gostariam de manter intocadas as reservas minerais para o futuro ou, graças à reserva de mercado, para fazerem associações vantajosas (para eles e não necessariamente para o país) com capitais estrangeiros.

Outra medida nacionalista adotada pela Constituinte foi a de proibir contratos de risco para a exploração de petróleo. Parece-me que aqui a preocupação seja a de resguardar a empresa estrangeira contra os riscos de investir seu dinheiro e tecnologia, gerando empregos no país, e não encontrar nada, sofrendo um prejuízo.

Porque do ponto de vista nacional, o único risco que os contratos desse tipo oferecem é o de que eles deem resultado, isto é, acabem propiciando a descoberta de jazidas de petróleo e gás natural e, com isso, acabem demonstrando que não é o monopólio que faz encontrar petróleo, mas sim o fato de se fazer prospecções e perfurações. Acredito que a Petrobrás é uma empresa eficiente que não precisa da “proteção” cartorial da Constituição até porque se os contratos de risco dessem resultados ela seria a principal beneficiária, além naturalmente do próprio país.

O mais lamentável dessas decisões que foram tomadas pela Assembleia Nacional Constituinte é a perda da oportunidade histórica de livrar o Brasil da tirania do “status quo’ do atraso que séculos de cartorialismo e décadas de populismo provocaram.

Perde-se a oportunidade de colocar o Estado a serviço da sociedade ampliando-se ainda mais, o controle do Estado sobre a sociedade para beneficiar seus sócios (burocratas, empresários protegidos e políticos clientelista).

Coloca-se o país não apenas em direção contrária àquela trilhada pelas nações mais industrializadas, mas também em relação à maioria dos países socialistas que disputam avidamente capitais e tecnologia estrangeiros para tentar recuperar o atraso em que se encontram, abrindo mão inclusive de seus dogmas ideológicos.

O Brasil precisa voltar a crescer a taxas elevadas, capazes de possibilitar o atendimento das necessidades do seu expressivo crescimento populacional e que ainda permita a redução da miséria existente e a elevação do padrão de vida de suas camadas menos favorecidas. Somente investimento e trabalho podem propiciar crescimento e progresso. Infelizmente os “progressistas” brasileiros fizeram a opção radical pela pobreza e pelo retrocesso.

 

Publicado na Folha de S.Paulo em 14/05/88

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