Muito me honra assumir hoje a presidência da Associação Comercial de São Paulo. Uma associação, uma livre associação. Uma entidade de classe com raízes profundas e compromissos com a história de São Paulo e do Brasil. Tenho a certeza de que não há futuro sem passado. Tradições são muito importantes e nós vamos encontrar na Associação Comercial uma entidade de classe com nobres tradições; com profundo compromisso com a história, participante que tem sido de todos os momentos difíceis e decisivos da história do nosso Estado e da história do nosso País.
Com 87 anos de existência, fundada em 7 de dezembro de 1894, permaneceu, acima de tudo, fiel aos princípios que nortearam a sua fundação, princípios dos quais se destaca a luta continuada pelo desenvolvimento nacional e pela tranquilidade social.
Examinada, pois, a história dessa veneranda Casa do empresariado paulista, constataremos a sua presença, firme e atuante, nos momentos mais decisivos de São Paulo e, consequentemente, do Brasil. Vejamos:
1914, a eclosão da Primeira Grande Guerra e encontramos o registro de sua participação, sugerindo medidas para a manutenção das atividades econômicas, visto que a economia paulista sofria, naquele instante, os terríveis efeitos daquela verdadeira hecatombe.
Vamos buscar o ano de 1918, que marca o fim da hecatombe mundial, mas, também, marca o surto da gripe espanhola; e, em nosso registro, lá está a Associação Comercial de São Paulo, liderando o movimento de amparo às vítimas dessa nefasta epidemia. Nesse ano, lidera, ainda, campanha para angariação de fundos em favor das famílias dos soldados e marinheiros combatentes no conflito mundial recém-terminado.
Em 1919, a grande greve de Primeiro de Maio, em que a nossa Associação age como mediadora e apresenta sugestões para uma legislação trabalhista até então inexistente, lançando, assim, a semente da que foi, posteriormente, introduzida no País, na década de 30.
Veio o ano de 1924, com a Revolução. O nosso Presidente de então, José Carlos de Macedo Soares, é detido e posteriormente exilado, mas esse fato, embora lamentável, não impediu que a nossa entidade continuasse a sua atuação e, ao findar a luta entre irmãos, a Associação Comercial de São Paulo colaborasse decisivamente para a normalização da vida da cidade, inclusive, reorganizando o Corpo de Bombeiros, prestando socorro às famílias desabrigadas pelos bombardeios e distribuindo alimentos aos necessitados.
1928, a Associação Comercial de São Paulo promove um grande cicIo de debates. Entre tantos temas relevantes, ressaltavam os polêmicos: reforma das tarifas aduaneiras e modificação da lei de falências. Resultaram, também, desse memorável certame, sugestões importantes para a vida nacional, como a criação do Conselho Nacional de Viação e o reconhecimento da necessidade da abertura de uma estrada de rodagem entre São Paulo e Santos que, no futuro, se tornou o projeto da atual via Anchieta.
1929, o ano da grave crise econômica, e lá está a Associação Comercial de São Paulo como orientadora da classe empresarial no diálogo com o governo.
1930 traz em seu bojo a revolução. O nosso corajoso presidente de então, Carlos de Souza Nazareth, denunciando o desvio do seu rumo, já proclamava no ano seguinte a necessidade do Estado de Direito e alertava: “só em regime de plena garantia jurídica, é possível a normalização dos negócios”. A partir daí, a nossa Associação se engajava no glorioso movimento constitucionalista que eclodiu em 1932, e esta posição de Carlos de Souza Nazareth o leva à prisão, o leva ao exílio nos porões do navio “D. Pedro I”, com destino a Portugal.
De 1932 a 1939, a nossa entidade enfrenta, como toda a economia, o dirigismo e intervencionismo do Estado Novo que, em 1939, condenou à morte as entidades então existentes, transformando-as, por decreto, em entidades sindicais. Mas a Associação Comercial de São Paulo não aceita essa condição e, depois de muita luta, mantém a sua condição de entidade civil, gozando ainda das prerrogativas de órgão técnico e consultivo do Poder Público, sem, contudo, perder a sua autonomia e a sua total independência de opinião, assegurada até os dias de hoje.
De 1939 a 1945, a eclosão da Segunda Grande Guerra, e este período coincide com o surto de desenvolvimento industrial em nosso País, coincide, também, com a época de grande expansão das atividades da Associação Comercial de São Paulo. Criam-se o Conselho de Câmaras de Comércio Estrangeiras e o Conselho das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, este congregando todas as entidades coirmãs do interior. Cria-se a Revista “Digesto Econômico”, dirigida pelo saudoso Antonio Gontijo de Carvalho, que é a única revista cultural que até hoje se mantém viva e ativa. Cria-se o Instituto de Economia “Gastão Vidigal”, pioneiro na época, quando a ciência econômica era ainda incipiente em nosso País. E este Instituto mostra o seu valor no decorrer dos anos posteriores, pois um dos seus dirigentes e que muito deu de si para o crescimento e respeitabilidade do mesmo, é hoje Ministro-Chefe da Secretaria do Planejamento da Presidência da República; refiro-me ao Ministro Antonio Delfim Neto.
Em 1949, com a transformação da “Revista da Indústria e do Comércio”, era criado o nosso “Diário do Comércio”, o único jornal diário de entidade de classe existente no mundo que se mantém atuante como urna instituição de liberdade de opinião.
1950, o País entra na era da industrialização, procurando substituir as importações. A participação do Estado na economia começa a ser debatida na Associação Comercial de São Paulo, que desenvolve e lidera intensa campanha em defesa da livre iniciativa. Vem o ano de 1953 e a Associação, firme nas posições, condena o monopólio estatal na prospecção do petróleo, defendendo a participação da livre iniciativa nesse setor.
Em 1963, lidera em São Paulo o movimento pelo retorno à ordem e à concórdia, ameaçadas pelos desmandos governamentais de então; e, em 1964, promove, ao lado de outras entidades, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
Fiz questão de traçar esta retrospectiva histórica de momentos primordiais da nossa vida associativa, para mostrar que a veneranda entidade, que me cabe presidir, nunca se omitiu. Como vêem, Senhoras e Senhores, a sua atuação ficou bastante distante de simples entidade de defesa de interesses setoriais de classe. A sua atuação sempre foi marcadamente política, não política partidária, mas de política ideológica de homens independentes.
Por essas e outras razões, ela se tornou uma escola de homens públicos, uma escola de civismo. De suas fileiras saíram, nada mais, nada menos, que quatro Governadores de Estado, Ministros de Estado, Secretários de Estado e outras altas personalidades, e eu gostaria de homenagear a todos estes homens públicos, formados nas fileiras da Associação Comercial de São Paulo, na pessoa do nosso companheiro, do nosso chefe, do nosso líder, que é o ex-Presidente e hoje o Governador Paulo Salim Maluf.
Se a Associação Comercial de São Paulo sempre esteve presente nestes momentos históricos, nesses anos importantes da nossa vida comunitária, como em 1914, em 1918, em 1924,em 1930, 1932, 1939, 1945, 1964, está presente, também, em 1982, um ano-marco na história do País. Estamos presentes com a mesma coragem cívica, o mesmo espírito de participação, neste ano que assinala a abertura política, a retomada de novos caminhos, a abertura democrática preconizada pelo grande Presidente João Figueiredo.
Abertura política significa participação. Participação, como já disse, como política ideológica. Ideologia sim, calcada nos nossos princípios de defesa da livre iniciativa, única forma capaz e eficiente de se viver a democracia e garantir os direitos de liberdade de um povo. Portanto, neste instante, assumimos nosso papel, ao lado das entidades coirmãs, que estão mais unidas do que nunca, e as saúdo nas pessoas dos seus Presidentes aqui presentes, Luiz Eulálio Bueno Vidigal Filho, da Federação das Indústrias; José Papa Júnior, da Federação do Comércio.
Estamos aqui para defender a abertura política e a sua conseqüente abertura econômica. Este País, que optou pelo caminho da industrialização, na substituição de importações, deu um salto enorme na sua história econômica, desenvolvendo, como na agricultura também, o campo industrial.
A par dessa grande arrancada, Ocorreram distorções que necessitam ser corrigidas com a nossa participação. Tendemos a um gigantismo unificador, que concentrou as cidades, concentrou os conglomerados, sejam conglomerados no setor empresarial de iniciativa privada ou do próprio poder público, e toda concentração excessiva acaba pendendo a asfixiar o organismo.
O sistema econômico tem uma ecologia que exige manter em sobrevivência o micro, o pequeno, o médio e o grande empresário. Temos que manter em sobrevivência a pequena, a média e a grande comunidade. Nós não podemos correr o risco da autofagia, de se promover o crescimento de uns em prejuízo de outros. O próprio organismo humano assim o demonstra: quando há um crescimento exagerado de células em detrimento de outras, mata-se um organismo. Este é um País de muita vida, um País de muitos recursos. Urge, pois, a nossa participação na cruzada da desconcentração do poder do desenvolvimento econômico, na cruzada da abertura política e da abertura empresarial.
Somos defensores da livre empresa. Defensores, principalmente, dos segmentos da pequena e média empresas, pois temos compromisso com o País, temos que gerar um milhão de empregos por ano, e não podemos ficar simplesmente pensando na geração de um milhão ou um milhão e meio de empregos por ano, concentrando recursos somente nas mãos de poucas empresas.
Dissemos que o País precisa gerar empregos e repetimos então que precisamos gerar mais empresas, seja microempresa, seja a pequena empresa como prolongamento da atividade familiar, seja média empresa, semente da futura grande empresa.
Portanto, entendemos esse momento histórico do ano de 1982, como ano decisivo para que o País encontre o seu próprio caminho, encontre com altivez o seu próprio modelo econômico. Isto é normal numa fase de crescimento, mas, neste instante, urge que a inteligência nacional volte os seus olhos para a nossa realidade, para as nossas características, a fim de que, com participação. possamos fazer deste, um país próspero, um país feliz, dentro de um país continente, que só tem condições de se desenvolver a partir da descentralização e do apoio às pequenas e médias atividades. Como pequena atividade aí está o município, miniatura da Pátria, que necessita de todo o nosso apoio. Devemos ajudar as pequenas comunidades do nosso interior, que são a bandeira do Presidente João Figueiredo, através do apoio à agricultura.
Sinto-me muito feliz, feliz de participar deste momento histórico da vida nacional. Feliz por saber que existe uma grande sensibilidade das autoridades federais no trato da causa pública. Sou testemunha desse fato, pois, ao ocupar uma Secretaria de Estado e anteriormente a presidência de um banco oficial de desenvolvimento, nenhuma porta nos foi fechada; sempre que precisamos de alguma coisa, tivemos o apoio, desde que nós não levássemos problemas, mas buscássemos levar soluções para os problemas.
Neste instante, eu queria aqui ressaltar um fato que ocorreu nos últimos dias, quando unidas as nossas entidades de classe, a Associação Comercial, a Federação do Comércio e a Federação das Indústrias, promovemos o III Congresso Brasileiro da Pequena e Média Empresa, levamos à Brasília reivindicações apoiadas por todos e, em menos de dez dias, tivemos resposta positiva a uma dessas reivindicações, que nos possibilitará dar o oxigênio necessário à pequena e média empresa: a transformação de uma área de recursos, escassos recursos, transferindo-os das grandes empresas para as pequenas e médias, um montante de quase 170 bilhões de cruzeiros. É a vitória da nossa participação, é a vitória da compreensão do Governo, é a vitória da integração dos homens, muito menos ligados pelo organograma e muito mais ligados pelo “humanograma” e pelo ideal melhor de servir a este País.
Neste instante, em que assumo este enorme compromisso com meus companheiros, permitam-me fazer aqui uma citação toda especial, uma citação ao companheiro que nos deixa, se assim me permite chamar, Calim, meu irmão Calim Eid.
Conheci Calim Eid quando fui levado pelo meu querido e inestimável amigo Caio Cardoso de Almeida para conhecer o futuro presidente da Associação Comercial de São Paulo, o empresário Paulo Maluf. Naquela oportunidade, travei conhecimento não só com o grande líder, que se tornou um grande amigo, Paulo Maluf, como com este dínamo que aprendi a admirar que é Calim Eid.
Aprendi a admirar, em primeiro lugar, pelo seu altíssimo espírito público, o desejo desprendido de servir à comunidade, e, numa retrospectiva de sua vida, nós vimos quanto ele é querido por todas as comunidades por onde passou. Aprendi, pois, a admirar, principalmente, por sua lealdade, a lealdade da franqueza, a lealdade da discordância em pontos de vista, mas discordância com uma profunda honestidade de idéias, o que nos dá a garantia no trato da coisa pública. Podemos divergir sim, mas a divergência nos leva ao encontro da verdade, pois cada um honestamente apresenta a sua face da verdade corno está vendo e sentindo.
Aprendi muito com Calim Eid, e com Calim Eid convivi nestes tempos de Associação Comercial e convivi ao servir o meu Estado, no Governo de São Paulo. Ele se mantém a mesmíssima pessoa, se mantém com a mesma simplicidade, se mantém com o mesmo carinho no trato das coisas da comunidade, e, acima de tudo, se mantém aquele grande amigo. Meu irmão Calim, você nunca me decepcionou e eu tenho certeza de que eu também nunca o decepcionarei. Aos meus companheiros que nos ajudaram muito a carregar a handeira da Associação Comercial. Alberto Figueiredo, que se dedicou, como Vice-Presidente e Presidente em exercício, assumindo a entidade em momentos importantes. e que manteve toda a linha, toda a diretriz, toda a continuidade de um trabalho, que nos permite receber hoje uma Associação Comercial firme, sólida, e também ao meu querido companheiro de lutas, Romeu Trussardi Filho, Vice-Presidente e Superintendente do Conselho das Pequenas e Médias Empresas, idealista que conosco formou esse Conselho e montou os Congressos de Pequena e Média Empresa, que hoje fazem parte do calendário nacional dos acontecimentos importantes da vida empresarial de São Paulo. O meu abraço, o meu agradecimento.
Desejo, também, agradecer à pessoa deste querido amigo de todas as horas, que aprendemos a admirar, unidos que estamos ao enfrentar as inúmeras dificuldades que têm a vida pública; refiro-me ao meu amigo José Maria Marin, Vice-Governador do Estado de São Paulo e representante de Sua Excelência o Governador Paulo Maluf. Agradecendo o apoio inestimável que recebi em todos os momentos, saúdo efusivamente este querido amigo, General de Exército Sérgio de Ary Pires e, na sua pessoa, saúdo a todas as autoridades militares presentes a este ato.
Cabe-me, por um dever de justiça, fazer saudação toda especial aos meus ex-companheiros de Governo, meus amigos Secretários de Estado, que muito me ajudaram nesta luta, que tanto apoio me deram em todos os momentos, os fáceis, os difíceis, os alegres ou tristes. Formamos, sim, uma equipe unida. O meu abraço a vocês, meus ex-colegas Secretários de Estado.
Ao encerrar, cumpre-me ainda a satisfação de saudar este meu nobre amigo e companheiro, Ministro de Estado Murillo Macedo, a quem muito agradeço por sua presença, representando, neste instante, o Governo de Sua Excelência o Presidente João Figueiredo. Deixei para o fim a sua saudação, para que levasse a minha mensagem a Sua Excelência: a mensagem de que existe uma classe unida; a mensagem daqueles que acreditam na sua esperada abertura política tão importante para o momento; a palavra afirmativa daqueles homens de empresa, seja do setor industrial, comercial, serviço, agricultura, dos profissionais liberais, que fazem parte também do nosso quadro associativo, de que existe confiança, de que existe esperança, de que nós sabemos que esta Nação-continente tem reservado para si o papel de uma das principais nações deste universo, e que, se Deus quiser, neste ano da graça de 1982, as entidades de classe, os empresários e as classes produtoras estarão unidos e confiantes na mensagem de Sua Excelência. Confiam na palavra de sua Excelência, confiam em que Sua Excelência nos levará ao caminho da democracia, esta democracia que tanto esperamos, porque dela queremos participar. para construir uma grande Nação para nós e para nossos filhos.
Muito Obrigado.
Discurso de posse na Associação Comercial de São Paulo, 3 de março de 1982