A farsa que não disfarça

4 de setembro de 1988
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O ministro da Fazenda julgou mais importante prestar contas de sua atuação e “definir” sua política econômica para os parlamentares do PMDB ao invés de fazê-lo para a nação brasileira, através de seus representantes no Congresso Nacional. Parece que, com essa iniciativa, o ministro buscou envolver o PMDB na sustentação de seu cargo e de sua “política” econômica e, também, impedir um questionamento mais amplo da mesma por parte dos congressistas dos demais partidos.

Além de seu discurso, o ministro Funaro apresentou ainda um documento sobre “O Financiamento do Desenvolvimento Econômico” para o período 1987/1991 e um texto da Receita Federal que procura demostrar que não houve aumento do Imposto de Renda para as pessoas físicas.

É interessante destacar algumas afirmações e informações do ministro em seus discursos e nos documentos citados, para verificar se desse conjunto se pode extrair um “programa de governo” ou “diretrizes de política econômica” capazes de propiciar aos agentes econômicos um mínimo de orientação quanto à evolução futura da economia brasileira.

Começando pelo discurso, cabe mencionar em primeiro lugar o corajoso “mea culpa” do ministro com relação aos erros cometidos na condução da política econômica, reconhecendo que o Plano Cruzado esbarrou no congelamento prolongado e no gasto público superior ao que seria adequado, que o Cruzadinho de junho foi insuficiente e que as medidas do Cruzado 2 foram tardias. Funaro confirmou a procedência das críticas feitas ao longo de 1986 por muitos “impatriotas” que apontavam os erros, distorções e omissões da política governamental pelos quais agora o ministro assumiu inteira e total responsabilidade.

Parece-nos, contudo, que esse pedido de desculpas tardio não repara os prejuízos causados a muitas empresas ou setores que foram levados ao desequilíbrio pelo irrealismo do congelamento, de milhares de pequenos empresários que acreditaram no governo e se endividaram para abrir ou expandir um negócio e que se acham agora ameaçados de perder não apenas o seu “negócio” como o seu patrimônio pessoal, em virtude da situação de insolvência a que foram levados pela abrupta e violenta escalada das taxas de juros. Não resolve também a situação de milhões de agricultores que atenderam aos apelos governamentais e produziram uma safra recorde e se deparam com o risco de ter que entregar suas propriedades para honrar os compromissos financeiros. Nem tampouco a própria situação do país, cuja desarticulação da economia e irresponsável dilapidação das reservas cambiais exigirá do povo brasileiro duros sacrifícios para a sua superação.

Esse “mea culpa” só seria completo se tivesse sido acompanhado do pedido de demissão do ministro, para assegurar que, pelo menos, a nação não correria o risco de ser penalizada novamente por erros tão graves como os que o ministro admitiu terem ocorrido e pelos quais assumiu a responsabilidade. Porque, apesar de admitir os erros, o ministro continua seguro de que “como na política, na economia há também o tempo certo para garantir a eficácia de qualquer medida. O governo sabe que medidas tomar e sabe o tempo em que devem ser tomadas”, apesar da experiência recente mostrar exatamente o contrário.

Deixando-se de lado algumas manifestações retóricas, como a de que “combateremos a inflação e a especulação financeira” sem recessão, sem desemprego e sem arrocho salarial, o que é contrariado pelos fatos, cabe destacar que entre as metas e medidas anunciadas e os meios que se pretende utilizar parecem existir contradições e inconsistências. Afirma o ministro que se conseguiu evitar a hiperinflação acionando “energicamente os instrumentos de política fiscal e monetária”, o que certamente acarretou a elevação das taxas de juros, mas promete daqui para a frente política monetária mais folgada e queda das taxas de juros e, ao mesmo tempo, reduzir a inflação, sem esclarecer como isso se fará. Assegura um superávit comercial de US$ 8 bilhões para este ano, mas garante que a política cambial não será alterada. Como os resultados da balança comercial até agora sinalizam um superávit de, no máximo, US$ 3,5 a US$ 4,0 bilhões, fica difícil imaginar como se poderá chegar aos US$ 8,0 bilhões sem acelerar o câmbio e sem recessão no mercado interno.

Depois de ter decretado a “inflação zero”, o ministro decreta agora o crescimento de 7% ao ano do PIB estendendo aos credores externos a responsabilidade pela obtenção desses resultados sem nada informar sobre o que acontecerá ou o que fará se os mesmos desrespeitarem seu “decreto”.

A grande verdade é que a presença do ministro da Fazenda na reunião do PMDB pode ter ‘servido para que esse partido apresentasse um apoio formal à atual política econômica, mas não foi suficiente para eliminar o clima de insegurança e incerteza que preocupa a todos.

Serviu, no entanto, para demonstrar os erros cometidos pelo governo e, mais do que isso, para mostrar quem foi o verdadeiro sabotador do Plano Cruzado. As enfáticas afirmações governamentais de que o déficit público estava “zerado”, feitas quando do anúncio do Plano, repetidas muitas vezes posteriormente, são agora desmentidas pelos dados fornecidos pelo ministro, que revelam que, apesar do brutal aumento da carga tributária do “pacote” de dezembro de 1985, do volume substancial de emissão de moeda durante o Plano Cruzado e da criação dos compulsórios o déficit público em 1986 atingiu 2,9% do PIB, sabotando a estabilidade econômica prometida pelo governo.

Creio que o ministro não só não apresentou a nação uma política econômica consistente capaz de tranquiliza-la em relação ao futuro como aumentou as incertezas e a insegurança quanto ao presente.

É hora de se mudar os rumos e se restabelecer a confiança na capacidade do governo conduzir a economia antes que a crise econômica, que já se tornou crise política, acabe desembocando em uma crise institucional. Não dá mais para esperar.

 

 

Guilherme Afif Domingos, 43, é deputado federal (PL-SP) e foi presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo.

 

 

Publicado na Folha de S. Paulo em 1988

 

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