Apesar de a condição econômica e a escolaridade dos pais influenciarem no aprendizado – crianças de nível socioeconômico baixo tendem a ter menos estímulos em casa e menor acesso a materiais pedagógicos -, as escolas que atendem alunos mais pobres podem, sim, oferecer um ensino de excelência que seja assimilado por toda a turma.
E o segredo não está em recursos tecnológicos ou em apostilas de sistemas de ensino famosos. A receita é simples e passa pelo acompanhamento individual dos alunos e pelo uso dos resultados das avaliações para embasar ações pedagógicas. Mas, acima de tudo, implica no cuidado com a implementação das políticas, o que inclui apoio ao corpo docente e fluxo aberto de informações.
É o que mostra um estudo da Fundação Lemann e do Itaú BBA, que mapeou as escolas públicas dos anos iniciais do ensino fundamental que atendem alunos de nível socioeconômico baixo e que, considerando os resultados da Prova Brasil 2011 e o respectivo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), tiveram sucesso no aprendizado. As escolas tinham de ter uma taxa de participação de 70% dos alunos na Prova Brasil, com ao menos 70% dos alunos no nível adequado de proficiência e no máximo 5% dos alunos no nível insuficiente, o que sinaliza o ensino com equidade, isto é, com todos aprendendo.
Das 215 escolas encontradas, foram selecionadas 6 para a etapa qualitativa da pesquisa: 2 no Nordeste e 1 em cada uma das outras regiões do País. Nas visitas, os pesquisadores entrevistaram o diretor, o coordenador pedagógico e um trio de professores de cada uma das escolas. Além disso, houve grupo focal com alunos e a observação do ambiente escolar.
“Tivemos o cuidado de olhar características que possam ser replicáveis em outras escolas, com baixo custo financeiro e com probabilidade de ter resultados similares em curto prazo”, diz Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann. Exemplos disso são as estratégias de valorização de docentes, apesar da ausência de um plano de carreira amplo, e o cumprimento de metas de aprendizagem, mesmo sem um currículo nacional.
Orientação. Um dos “achados” da pesquisa é a importância do engajamento das secretarias de Educação. Nos municípios de Pedra Branca e Sobral, ambos no Ceará, e em Foz do Iguaçu (PR), as secretarias foram as responsáveis por olhar os resultados das avaliações, identificar os pontos fracos em relação ao aprendizado e, com isso, criar um plano estruturado de recuperação do ensino.
Em Foz do Iguaçu, os dados das avaliações são tabulados e os conteúdos em que os alunos têm mais dificuldade se tornam tema de cursos de formação continuada para os docentes. Se em 80% das turmas mais da metade dos alunos errou questões de trigonometria, o assunto é tema de capacitação. Com esse modelo, a escola é capaz de interferir assim que identifica um problema, impedindo que os alunos fiquem para trás.
“Ao mostrar a atuação das secretarias, o estudo explicita o papel fundamental da tutoria, uma estratégia muito eficaz de estímulo ao aprendizado, como já mostram estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, diz Patrícia Mota Guedes, especialista em gestão educacional da Fundação Itaú Social.
Por isso, diz Patrícia, não basta à gestão municipal exigir que suas escolas tenham rendimento parecido; é preciso entender as peculiaridades e investir mais nas mais carentes, seja em estrutura física ou pedagógica. “Afinal, a maioria dos docentes quer ver melhora no sistema. Acontece que, às vezes, ele não sabe o que fazer. Com tutoria, ele aprende o caminho.”
E parte dessa tutoria pode ser bem caseira. Em Pedra Branca, se a escola identifica por meio de avaliações ou observações em sala de aula que um docente consegue ensinar determinado conteúdo que os outros não conseguem, ele é selecionado para apoiar os colegas e explicar seu método para os demais. Isso proporciona apoio aos que mais precisam e reconhecimento a quem se destaca.
É o que Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação, chama de processo acertado de “desglamourização” da educação. “No Brasil, quem bota a mão na massa é menos importante e valorizado do que quem cria a política. Isso é péssimo. Quando se inverte essa lógica e se cuida do dia a dia, do feijão com arroz, os resultados surpreendem.”
Se a boa notícia é a possibilidade de escolas que atendem a população com menor nível socioeconômico apresentarem bons indicadores, a má notícia é a constatação de que muitos dos municípios que contam com boas escolas nos anos iniciais do ensino fundamental não oferecem a mesma qualidade nos anos finais. Consequência tanto da falta de parceria entre a rede municipal e a estadual quanto da descontinuidade de ações quando uma nova gestão assume.
Fonte: O Estado de S. Paulo