O mês de outubro nasceu marcado por uma união histórica, ocorrida em Minas Gerais, entre as bases empresarial e de trabalhadores em torno de um documento que é uma verdadeira radiografia da crise brasileira.
Embora seu texto expresse uma posição contra a escalada inflacionária, que é comum a todos os brasileiros de qualquer ideologia, a Declaração de Minas avança positivamente rumo às verdadeiras soluções para o País, pois identifica as causas de nossos problemas e propõe soluções efetivas.
A sociedade brasileira não se surpreende com uma proposta como essa. Mas a elite do nosso pensamento, acostumada ao maniqueísmo das classificações da direita conservadora e da esquerda “progressista”, não é capaz de assimilar e compreender este verdadeiro marco da construção de um novo tempo. Para essa elite, todos os empresários são de direita, portanto conservadores, e todos os trabalhadores são de esquerda, mantendo-se em permanente conflito, pois, como água e azeite, não se misturam.
Tudo o que contraria essa lógica não consegue nenhuma classificação nos escaninhos mentais de quem quer que seja, inclusive de alguns setores dos meios de comunicações que não conseguem enxergar a notícia a não ser pela ótica da luta de classes.
Em Minas Gerais aconteceu um autêntico pacto. Não entre as castas que vivem no ou do Estado corporativo brasileiro, mas entre as massas empresariais (os de pequeno porte) e de trabalhadores, ambos vítimas do peso do triângulo de ferro que compõe a parte superior da pirâmide econômica e social do País, com seus vértices bem definidos na defesa da cidadela do poder.
O vértice superior é guarnecido pela estatocracia, que para ampliar seus quadros se esconde atrás da bandeira do social. O vértice inferior é composto pelos beneficiários do gasto público, representantes do estranho capitalismo brasileiro em que o capitalista só tem a “lista”, porque o capital ele vai buscar nos fundos públicos manipulados pela estatocracia. Eles se escondem, para manter seus regimes de reserva de mercado à custa do erário, sob a bandeira do “nacional”. E, por fim, o terceiro vértice, dos políticos clientelistas, que de um lado apoiam o “social”, pois é da expansão dos quadros públicos que eles se aproveitam para o festival de nepotismo e favorecimento a cabos eleitorais. E de outro defendem também a bandeira do “nacional”, pois estes agrupamentos, beneficiários da reserva de mercado, de alguma forma financiam suas campanhas.
Normalmente os pactos são feitos entre os representantes desses três vértices e pagos pelos “patos”, que estão na parte inferior da pirâmide social, arcando com os custos da incompetência e da corrupção nacional. Nestes pactos, as famosas esquerda e direita se unem, como aconteceu na Constituinte, para manter o cartorialismo.
O Encontro de Minas, com a sua declaração, marca o início de uma nova era com a união dos pequenos, que compõem a base da pirâmide, sejam empresários ou trabalhadores, aliados contra a ameaça de um novo estelionato politico semelhante ao Plano Cruzado, que quis convencer a sociedade de que o efeito do processo inflacionário era a sua causa. Tudo para preservar o status quo. Os autores dessa inversão proposital de causa e efeito não se envergonharam de jogar o trabalhador contra o coitado do comerciante, representante legítimo de um dos únicos setores empresariais do Brasil que vive com a Nação e não com o Estado.
A atitude de mandar prender comerciantes foi o estopim de uma revolta que transformou cada balcão num ponto de irradiação da nova rebelião. A rebelião dos contribuintes/consumidores conscientes de que são eles que pagam as contas da incompetência, da ineficiência e da corrupção do triângulo de ferro.
Assinada pelos Presidentes da Associação Comercial, do Clube dos Diretores Lojistas e da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas, todos de Minas, pelo Theodoro, Presidente da CGT mineira, acompanhado de mais de 200 lideranças sindicais do interior daquele Estado, e testemunhada pelo Presidente da Confederação Nacional dos Eletricitários de São Paulo, Antônio Rogério Magri, e por mim, a Declaração de Minas dá bem a dimensão deste novo tempo, marcado pela união da Nação contra as estruturas de um Estado decadente, corrompido e defasado.
Em seu texto, a declaração explica a escolha de Minas para lançamento das bases de um projeto para o século XXI: “Subimos a Minas Gerais para falar bem alto ao Brasil. Daqui todos nos ouvirão. Neste pedestal do civismo brasileiro, as ideias crescem e adquirem ressonâncias das exortações irrecusáveis. Daqui partiram os apelos do heroísmo da Inconfidência, da rebelião renovadora de Teófilo Ottoni, do Manifesto memorável de 1943. O patriotismo mineiro desafiou a tirania de todas as épocas e consolidou o inarredável compromisso com a liberdade.
Aqui o grande estadista Juscelino Kubitschek iniciou, como apóstolo da redenção econômica do Brasil, a grande jornada de modernização qEue ainda hoje desfrutamos.
Sua missão, porém, não está esgotada. A obra interrompida será recomeçada neste instante da democracia renascida. O desenvolvimento com liberdade abrirá novamente o Brasil. Alargará os horizontes. Reafirmará o comprometimento com a dignidade e a competência. Ergam-se os segmentos das forças da democracia econômica representados por trabalhadores e pequenos e médios empresários descompromissados com as estruturas do Estado decadente que deverão mobilizar outros segmentos da Nação.”
As notícias na imprensa nacional não foram muitas. Ela está muito envolvida nos problemas do dia-a-dia para analisar fatos políticos que fujam da rotina de curto prazo ou que não sejam a crônica do surrado debate esquerda/direita; conservadores/liberais; socialistas/progressistas,
Conservadores são aqueles que querem conservar o status quo. Por isso, existem conservadores de direita e de esquerda, muitas vezes unidos.
A Declaração de Minas é marcada pelo inconformismo e pela proposta de renovação das estruturas necrosadas. Portanto, ela é evolucionária. Como não é de esquerda, ou de direita, e nem revolucionária, não coube nos esquemas de análise daqueles que estão viciados na crônica da Corte e acabam por não se aperceber das mudanças que ocorrem no seio da sociedade. Inicia-se agora a luta de dois eixos: o moderno contra o antigo, o novo contra o velho. A vitória da modernidade representará a esperança num grande futuro para o Brasil.
Publicado no O Globo, Rio de Janeiro em 07/10/88