São dois os erros capitais das propostas de reforma política. Um é a sobrecarga de questões. Querer mudar tudo de uma só vez é caminho seguro para a frustração. Ao colocar em pauta questões como mudança do sistema eleitoral, financiamento de campanha, cláusula de barreira etc, muitos interesses são contrariados – e , ao fim e ao cabo, não se consegue aprovar nada. Por este motivo, a reforma deve centrar-se, no máximo, em dois ou três pontos.
Outro erro é o foco no curto prazo. É comum propor-se reformas a serem implementadas de imediato, de preferência já na próxima eleição. Ao gerar incerteza quanto aos resultados das novas regras políticas, gera-se também forte resistência quanto à sua aplicação, como ocorreu com a lei da Ficha Limpa. A vida política exige horizonte de tempo mais alongado.
Nessa linha estratégica, uma agenda mínima de reforma política deve mirar três objetivos. O primeiro objetivo consiste em consolidar o instituto da fidelidade partidária, devolvendo ao partido o mandato de quem dele decida sair, respeitando as exceções de praxe. O segundo objetivo é a proibição de coligações em eleições proporcionais, que causam profundas distorções em nosso sistema eleitoral.
O voto distrital é o terceiro e, se aprovado, substituiria o voto proporcional pelo majoritário nas eleições legislativas em todos os níveis de governo. O voto proporcional busca assegurar que cada partido obtenha um número de cadeiras equivalentes ao número de votos dados a seus candidatos, determinando que a disputa se dê no território de todo um município (no caso da eleição de vereadores) ou todo um Estado (deputados estaduais e federais).
São dois os eixos que diferenciam o voto distrital do sistema vigente. Primeiro, o voto é majoritário, desestimulando a multiplicação de legendas. Segundo, a disputa se dá em distritos eleitorais menores do que a área de um município ou de um Estado. Com o voto distrital, os eleitores votam onde moram, elegem candidatos que conhecem e dos quais podem cobrar defesa mais eficaz de seus pleitos.
O voto proporcional tornou-se uma instituição disfuncional. Encarece a eleição e banaliza a escolha. Com eleição majoritária para vereador, deputado estadual e deputado federal, só haveria um representante eleito por distrito. É fácil mudar de partido quando o eleitor sequer se lembra em quem votou – mas isso não ocorrerá nos distritos. Sob a fiscalização local da maioria dos eleitores, ficará mais fácil observar a fidelidade partidária. Da mesma forma, em distritos com voto majoritário os partidos só apresentarão um candidato ao cargo em disputa. Ele pode até ser apoiado por outros partidos, mas sua eleição não beneficiará a eleição de mais nenhum candidato, eliminando pela raiz o efeito Tiririca.
Mas deve haver gradualismo na meta de adoção do voto distrital. O que se propõe é que ele seja inicialmente adotado na eleição de vereadores nos 85 municípios brasileiros com 200.000 eleitores ou mais, para os quais a legislação vigente exige a realização de segundo turno na eleição de prefeitos, caso nenhum candidato obtenha a maioria absoluta dos votos válidos no primeiro turno.
Introduzir o voto distrital nesses municípios requererá sua prévia distritalização, dividindo-se sua área em tantos distritos quantos forem os vereadores a serem eleitos. Ao ser eleito por um distrito ao invés de buscar votos em todo o município, o vereador passará a estabelecer laços mais fortes com seus eleitores. Eleição majoritária em distritos relativamente pequenos, em dois turnos para eleger, por maioria absoluta, o representante, fará com que os eleitos defendam os anseios e necessidades de seus eleitores com maior fidelidade e empenho.
Para avançarmos no aperfeiçoamento de nossas instituições é necessário dar o primeiro passo: aprovar e implantar o voto distrital. É essa agenda mínima, porém fundamental, que assegurará a eficácia máxima de nossa atuação e o sucesso de uma reforma política em prol dos eleitores, não dos políticos.
Artigo publicado no jornal O Globo em 08.09.2011