O empresário Guilherme Afif Domingos, vice-governador do Estado de São Paulo, é formado em administração de empresas pela Faculdade de Economia do Colégio São Luís e presidiu, por duas vezes, a Associação Comercial de São Paulo. Empunha algumas bandeiras peculiares como, por exemplo, a desburocratização para as empresas, a defesa do micro e pequeno empresário e o voto distrital.
Atualmente, Afif Domingos preside o Conselho Gestor de Parcerias Público Privadas do governo do Estado de São Paulo – definido como o órgão máximo que autoriza todas as parcerias público-privadas naquele Estado.
Com muito bom humor e informação, o vice-governador fala sobre as atividades e projetos desse conselho nessa conversa com o jornalista, escritor e palestrante Luciano Pires – guindado a âncora oficial dos programas desta nova fase da TranspoData Web. Afif Domingos discorre sobre alguns dos problemas da infraestrutura dos transportes do Estado de São Paulo e Brasil, colocando a mobilidade urbana como prioridade nas hoje caóticas regiões urbanas. E aponta o transporte sobre trilhos como solução, seja para passageiros ou cargas. “Nós precisamos colocar o Brasil de volta nos trilhos.” Sua convicção para a solução dos problemas é a de que apenas com as parcerias público-privadas será possível acelerar os projetos hoje engavetados, os quais poderiam ser beneficiados pela crise mundial.
O que é o Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas?
O conselho é o órgão do governo do estado que autoriza todas as parcerias público-privadas, negociadas a partir das áreas específicas de governo. Então, é o órgão máximo, de onde saem as diretrizes para as ações das secretarias e onde se aprova o modelo que será colocado em licitação.
Qual a diferença da parceria, para a privatização e a concessão?
A concessão é quando o poder público concede para alguém explorar um determinado serviço. A parceria é quando o governo e a iniciativa privada se associam com contrapartidas de recursos e ou contraprestação por conta do serviço que vai ser prestado. Portanto, exploram conjuntamente por um prazo determinado. Terminado esse prazo todo o sistema volta às mãos do Estado. A privatização é simplesmente um processo de vendas de ativos e exploração de bens ou propriedades do Estado. No caso das parcerias, de maneira específica é a busca de se incorporar as práticas e a velocidade do setor privado para projetos no setor público. E isso nós estamos precisando urgentemente.
Ou seja, é muito diferente de uma privatização…
Não significa uma privatização. Significa uma parceria incorporando as práticas privadas, mas a propriedades dos bens continuam a ser do Estado. Posso construir um Fórum, uma prisão…
Vamos falar de problemas. Na sua visão quais são os projetos de infraestrutura na área de transportes mais importantes e que devem ser atacados agora?
É a mobilidade urbana. Hoje caótica nas regiões metropolitanas de todo o País. Até porque o Brasil hoje é o quarto maior produtor mundial de veículos. Não temos logística reversa e nem tratamento de resíduos sólidos. Portanto você vai apenas colocando massa nova e não há um processo para recuperar. Com isso você tem uma situação de mobilidade caótica. Vamos pegar o exemplo da região metropolitana de São Paulo. Eu tenho brincado que em matéria de automóveis aqui em São Paulo, nós vamos substituir o IPVA pelo IPTU, porque o carro virou um bem imóvel.
É verdade…
Então esse processo exige uma intervenção muito rápida dos poderes públicos para tirar o atraso. Nós estamos muitos atrasados em matéria de transporte sobre trilhos. O que fizemos nos últimos anos é insuficiente porque a sociedade é mais rápida do que o poder público na busca da solução. Daí a necessidade de incorporar as práticas privadas, para dar celeridade e boa gestão a esses processos. Então o metrô é o trem metropolitano. Inclusive agora o Confaz acaba de aprovar algo importante que é a autorização para os Estados isentarem de ICMS o investimento no transporte de passageiros nas regiões metropolitanas de todo o País.
Isso vale para qualquer tipo de transporte urbano?
Não. Isenta apenas o transporte sobre trilhos. E nós precisamos colocar o Brasil de volta nos trilhos. Isso é para concorrer com o transporte rodoviário? Não. É para se integrar e dar eficiência aos dois modais. É o multimodal que tanto nós necessitamos.
Necessitamos de multimodal também na carga…
Claro. Vejamos o problema do transporte de mercadorias para o porto de Santos. É outra situação caótica você transportar sobre caminhão, passando por regiões metropolitanas. Você tem problemas muito sérios, inclusive de poluição gerada pelo óleo diesel. Hoje o problema de poluição não é o industrial é especificamente do transporte em função do diesel e de sua qualidade.
Então, vamos tirar o caminhão por isso?
Não, nós temos que complementar. É o caso do ferro-anel, outra imensa prioridade nossa porque atrasa todo o desenvolvimento do transporte sobre trilhos. Até porque nós temos que esperar a madrugada para os trens passarem nos mesmos trilhos do transporte de passageiros. Isso está ai há dez anos sem solução.
E agora, o senhor acha que vai sair?
Parece que deu um estalo da construção do ferro-anel Norte e Sul. Com isso tiraríamos cerca de dois milhões de viagens de caminhões da região metropolitana, para poder melhorar as condições do tráfego. Isso significa que nós vamos ter estruturas de logística do intermodal do caminhão para o trem. Quer dizer, o caminhão pode trazer de várias áreas em trajetos mais curtos, para uma central de transbordo para um trem que trabalhe 24 horas por dia, para que você possa ter escala de custos e velocidade. Hoje quando existe um feriado próximo, não passa mais caminhão nos acessos ao porto. Como é que fica um porto que tem que trabalhar 24 horas? Isso é irracional em termos de estrutura. Então estamos muito atrasados, na principal região do País. Isso tem que ser levado como modelo para as outras regiões.
E os outros modais?
O transporte sobre trilhos é a grande prioridade nesse momento para abrir o intermodal. E aí entra o fluvial. Dentro da própria região metropolitana de São Paulo nós temos um anel hidroviário que não é utilizado para nada. Mas pode ser utilizado num curto prazo, que é um projeto que nós temos, começando pela lama gerada pela Sabesp que é transportada por caminhão dentro da cidade. E a captura do destino está exatamente na beira do rio.
Os senhores estão pensando em algum tipo de restrição à circulação de veículos na cidade de São Paulo, em função do grande número de automóveis que entram em circulação anualmente?
Se você restringir o acesso no atual sistema, que opção você vai dar? O primeiro passo é dar um salto no transporte sobre trilhos. Por exemplo, o metrô. Nós construímos 74 quilômetros em 40 anos. Nós precisamos ter, no mínimo, 200 quilômetros de metrô. Madri nos últimos 12 anos construiu 200 quilômetros. E nós ficamos amarrados.
Em sua opinião, isso é falta de dinheiro ou dificuldade de definir a aplicação do dinheiro?
O Juscelino dizia que dinheiro não sai do bolso, sai da cabeça. Então é preciso criar, inclusive para driblar a falta de recursos orçamentários. Aqui no Brasil, nós ficamos muito tempo drogados apenas em recursos orçamentários públicos. Ou seja, ir lá na teta do BNDES buscar dinheiro subsidiado ou dinheiro do orçamento. E o dinheiro do orçamento é curto.
Nós não temos poupança suficiente para atender a nossa demanda de infraestrutura. Aliás, o Brasil cresce pouco e vai continuar crescendo pouco por falta de recursos de investimento. Investimos apenas 18% do PIB e precisaríamos investir 25% para poder crescer a 4% ao ano. Em contrapartida, essa diferença de 7% seria a poupança interna que não temos. Portanto, é momento de trazer poupança externa, mas não como capital de empréstimo.
Nesse ponto entram as parcerias público-privadas?
Sim. Mas como capital de risco, para poder explorar as oportunidades de infraestrutura. A contrapartida é que o Brasil é um continente, daí as oportunidades imensas de tirar o atraso em termos de infraestrutura, especificamente no sistema de transporte. Precisamos de um caminhão de dinheiro e aí a abertura para as parcerias público-privadas. Isso aproveitando os recursos disponíveis, porque a crise mundial é acompanhada de uma enorme liquidez. O dinheiro do mundo hoje está aplicado a juros negativos no tesouro da Alemanha ou a juros zero no tesouro americano. Estou abrindo a oportunidade de investirem aqui, explorando conosco a infraestrutura com bom retorno de remuneração sobre o capital. Um dos melhores retornos do mundo, apesar das nossas taxas de juros estarem baixando. Então, a oportunidade é de ouro para juntar uma coisa com outra.
De fato, é mesmo uma grande oportunidade…
Outro ponto do estrangulamento do Brasil: nós não formamos mais engenheiros. Porque todo mundo quer agora ciências humanas. Quer ser sociólogo, psicólogo, advogado. Engenheiro é mais pedreira e a turma tangencia, foge do mais difícil. O número de engenheiros que estamos formando é insuficiente para o tamanho do desafio. Em todas as áreas.
A ponto de importarmos mão de obra…
Agora, essa importação não é boa. Agora se eu trouxer a mão de obra que venha acompanhada dos capitais e dos grupos de investidores, vamos dar chance de uma convivência com o que há de mais avançado no mundo. Até porque lá estão totalmente parados. A Europa estagnou. Mas não para sempre, é por um período de seis a sete anos. E a oportunidade nossa é agora. Então corre para buscar, antes que eles comecem a se recuperar.
Esse é o grande desafio da presidenta Dilma, do governo do Estado de São Paulo que tem uma posição em matéria de PPP, muito mais avançada que outras regiões do País, porque temos um histórico. As nossas rodovias no sistema de concessões permitiram uma formatação de infraestrutura, o Estado tem garantias de contrapartida para dar e é um cumpridor de contratos.
O governador Mário Covas dizia que o Brasil precisa de investidores e não de credores. Qual é o papel do conselho nesse processo?
Nosso papel é aquele de divulgador permanente. Estiveram aqui dois ministros da Grã-Bretanha que perguntaram qual a oportunidade que teriam de entrar nas PPPs? Porque a fama é que aqui não entra. É cartório. Respondi que para casar conosco precisa ter dote, não é de graça, precisa trazer os recursos. Eu tenho um portfólio de projetos estruturados e os senhores entram com os recursos e a tecnologia.
Nós temos aí troca de governo daqui dois anos. Esses projetos que estão sendo elaborados agora estão sendo elaborados de maneira a não serem interrompidos?
Tem que diferenciar o que é projeto de Estado e o que é de governo. O de Estado é aquele em que cada governo está comprometido em tocar aquilo que está colocado. Isso precisa ser negociado com a sociedade, porque ela faz a pressão. E a cada linha nova que você inaugura bate recordes porque o povo quer usar aquele sistema. Portanto, acho que em matéria de trilhos é irreversível.
Algum projeto em termos de aeroportos?
Aeroporto é um assunto federal. Nós temos em São Paulo 30 aeroportos, só que precisamos de um hub na cidade para criar a aviação regional. Eu advogo a tese de transformar o Campo de Marte em aeroporto regional, criando linhas para o interior, pegando também o sul de Minas Gerais, o triângulo mineiro, leste do Mato Grosso e o norte do Paraná. Porque são as economias que gravitam em torno de São Paulo.
O senhor citou a logística reversa no início da entrevista. Que ações estão sendo elaboradas sobre essa questão?
Especificamente falei sobre a indústria automobilística que produz muito resíduo sólido que é poluente e cria problemas para o meio ambiente. O Estado não tinha equacionado isso e nem o setor automobilístico pensou nisso. Hoje temos um sistema que não se preocupou com a logística reversa. Então, o Estado está implantando agora 350 pátios e estamos aguardando os projetos da iniciativa privada para nos dimensionar isso. Temos ai algo como 700 mil veículos em condições precárias de armazenamento e entulho. Pretendemos entregar isso para a iniciativa privada operar os pátios e também o sistema de apreensão junto com a polícia. Estima-se que na cidade de São Paulo 30% da frota é irregular. Temos hoje câmeras que identificam os irregulares e os regulares.
A pergunta corrente é: porque não apreendem esses irregulares?
Porque não criamos uma fórmula de retirar esses veículos de circulação. O pátio vai fazer com que o apreendido tenha 90 dias de prazo para ser regularizado. Caso o proprietário não compareça nesse prazo, o veículo automaticamente vai a leilão para o fruto da venda seja revertido no pagamento das multas. Se sobrar dinheiro deposita-se em nome do cidadão e se faltar vai para o Cadim. Agora aquele veículo que não é regularizável, será leiloado como sucata. Ai inicia-se o processo de desmontagem que é uma atividade econômica no mundo inteiro.
Isso não tem nada a ver com o pátio?
Não. O pátio é o que faz o giro e gera matéria prima para que uma indústria do aço, por exemplo, possa se utilizar. Como também no vidro, no plástico, nos pneus. Até recuperação de determinado tipo de peça para o desmanche legal, porque hoje essa atividade é sustentada pela indústria do roubo.
E os senhores trabalham firme nesse projeto?
Estamos andando pesado com a formatação desses pátios. Depois dessa primeira parte compulsória, temos aqueles proprietários que quiserem entregar o seu veículo de maneira expontânea na troca por outro mais novo. O carro velho tem um valor para reciclagem e ai entra o processo para a renovação da frota. Com isso teremos condição de dar um passo importante a partir de agora.
Quem é o privado que se interessa por uma parceria desse tipo?
Estamos com quinze empresas interessadas. Porque uma coisa é a administração de pátios. Entram nesses pátios o Detran, o DER e a polícia civil – que fará a apreensão dos veículos.
E quem estiver interessado em participar qual é o procedimento?
Pode procurar o Detran que está coordenando esse projeto para apresentação de propostas de estudo. Porque a PPP funciona primeiro com a análise da proposta. Em seguida analisamos e vemos qual é o modelo melhor. A partir daquele modelo o interessado irá desenvolver um projeto e nos colocar o custo. Esse projeto desenvolvido, o Estado coloca em licitação. Se quem fez ganhar é dele. Caso perca o ganhador vai ter que reembolsar quem fez. Então, as interessadas são empresas de gestão de estacionamentos e de sistemas, porque estamos licitando conjuntamente. A empresa de sistema irá operar as multas, localização dos carros nos pátios. Essa administração tem que estar em um conjunto só. Eu espero que nos próximos sessenta dias estejamos com os estudos prontos.
Essas ideias estão vindo de onde?
Nós criamos a Miip – sigla de manifestação de interesse da iniciativa privada. Assim, não temos que ficar esperando o Estado criar as oportunidades. O empresário está livre para identificar ideias e nos procurar. Invertemos a coisa e desburocratizamos o processo.
Mas procurar os senhores onde?
A forma de entrar pode ser pela secretaria específica ou então pelo conselho.
O conselho tem um site?
Basta entrar no site da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo. O conselho está vinculado a ela.
E existe alguém pensando na integração dos modais?
Nesse governo, a secretaria de transportes, que costumeiramente só tem cacoete para rodovia, agora é de transporte e logística. Então, ela passa a cuidar dos modais e inclusive da integração ferrovia-rodoviário. Também da hidrovia Tietê-Paraná que passa a ter uma prioridade no governo com investimentos fortes. Estamos engatinhando em termos de transporte modal, até porque antes era muito setorizado, mas as coisas vão se casar.
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Assista ao video da entrevista no canal de Afif no YouTube: