Folha de São Paulo – Tramita no Congresso Nacional um projeto que altera a Lei Complementar 123, de 2006, para viabilizar a Empresa Simples de Crédito. Propõe medida revolucionária para democratizar o crédito a serviço da produção e lançar novo ciclo de desenvolvimento, liderado pelas médias e pequenas empresas e financiado pelas poupanças do povo brasileiro. O projeto merece apoio de todas as correntes políticas.
No Brasil ninguém pode legalmente emprestar a juro seu próprio dinheiro para outro. O produtor tem de buscar um banco para obter crédito. O banco costuma só dar prata a quem tem ouro. Os agentes mais importantes de nossa economia –as pequenas e médias empresas– ficam à margem do crédito de que precisam para produzir.
Grande parte da poupança do país não encontra vazão produtiva. Os bancos permanecem no gozo de um monopólio, agravado pelo desaparecimento das pequenas casas bancárias de antigamente. Tratam quem não for produtor graúdo com desconfiança. Ganham dinheiro fácil com a rolagem da dívida pública. O juro permanece alto e a produção, deprimida.
Uma medida singela pode iniciar transformação profunda. O projeto que está no Congresso facilita a organização de Empresas Simples de Crédito. Qualquer um que se estabeleça poderá emprestar, sem burocracia, seus próprios recursos para outros que queiram produzir.
Como o empreendedor não pode captar recursos –só deve usar os seus–, a regulação pode ser leve. Basta transmitir mensalmente escrituração ao Sistema Público de Escrituração Digital para que se possa comprovar que a Empresa Simples de Crédito faz o que deve –atuar na comunidade a serviço da produção– e evita o que não deve –captar poupança alheia. A melhor disciplina será a concorrência.
Trata-se de um vale ovo de Colombo: faz muito com pouco. A prioridade nacional hoje é voltar a crescer com inclusão. Para isto, precisamos passar da democratização da demanda para a democratização da oferta: o acesso às oportunidades, às capacitações e aos recursos da produção, inclusive o crédito.
Para democratizar a demanda, basta dinheiro. Para democratizar a oferta, é preciso inovar nas instituições econômicas –e isso não exige planos mirabolantes.
Começa com ações práticas como o projeto em tramitação no Congresso, capazes de produzir grandes efeitos. Afinal, o que está em jogo nessa proposta não é apenas democratizar o crédito; é democratizar o dinheiro, já que dar crédito equivale a fazer moeda.
Por que, quando debatemos a expansão do crédito para estimular o crescimento, a primeira medida que nos ocorre é provocar os bancos públicos e privados a emprestar mais? Emprestarão aos mesmos de sempre. Por que não derrubamos a barreira que impede a poupança de financiar amplamente a produção?
Essa proibição reflete puro preconceito ideológico da esquerda tradicional e da direita tradicional. A esquerda quer só humanizar a economia de mercado com políticas sociais –isso quando desiste de substituí-la.
A direita confunde as economias de mercado que existem, carcomidas por privilégios, com o ideal da iniciativa descentralizada. O preconceito casa com o interesse –nesse caso, dos que se beneficiam com a perpetuação do cartel financeiro.
Na história dos maiores países, a democratização das finanças foi esteio de construção nacional.
Os Estados Unidos, que a partir da terceira década do século 19 desenvolveram sistema financeiro radicalmente descentralizado, voltado para a produção, são um exemplo. Chegou a vez do Brasil.
GUILHERME AFIF DOMINGOS, 72, é presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)
ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 68, é professor na Universidade de Harvard