São Paulo, 08/09/2015 – Fernand Braudel, historiador francês que deu aula na USP entre 1935 e 1937, dizia que a história das nações não é escrita pelos grandes feitos ou grandes homens, mas, sim, pelas milhares de pessoas que, anonimamente, procuram ir em frente nas suas atividades do dia a dia, independentemente das dificuldades ou dos governos.
Braudel também afirmava que, durante as crises, em vez de socorrer as grandes organizações –o que as impediria de reformar-se– os governos deveriam se preocupar em facilitar a vida das pequenas empresas, para estimular a criatividade e a busca de soluções.
O Estado sábio, dizia o historiador, “não tenta manobrar a sociedade dentro de um esquema: encoraja as camadas inferiores, a economia de mercado [para ele, as pequenas e médias empresas] e a doméstica [as microempresas e os empreendedores individuais]. Deixa-os livres para se tornarem criativos. O governo não deve regular demais”.
Essas observações vêm a propósito da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que amplia o limite de faturamento do Simples Nacional a partir de 2017 e permite que as pessoas físicas organizadas como empresas façam, com recursos próprios, empréstimos a pequenos negócios.
Os ensinamentos de Braudel também vêm à tona quando nos deparamos com as contestações da Receita Federal, com base em argumentos falaciosos, em relação às conquistas no Simples.
Hoje, as empresas enquadradas no Simples evitam crescer para não perderem os benefícios do sistema e não serem expostas ao complexo mundo da burocracia e da tributação, o qual limita a criatividade e reduz a capacidade de inovação.
Com limite maior, elas poderão se expandir gradativamente, até se tornarem médias e mesmo grandes, pois, ao serem desenquadradas do sistema, já terão musculatura suficiente para atender às exigências fiscais e burocráticas que tanto oneram as atividades empresariais.
O empresário João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, foi um visionário que tentou montar uma indústria automobilística brasileira, mas que fracassou por causa da burocracia, da tributação e da falta de crédito e apoio.
Gurgel dizia em reuniões na Associação Comercial de São Paulo que o governo deveria esperar a árvore (empresa) crescer e, depois, colher seus frutos (impostos), em vez de cortar seus galhos a cada ano, enfraquecendo-a e levando-a, muitas vezes, ao fechamento.
Entendemos como legítima a preocupação da Receita com eventual perda de arrecadação, mas acreditamos que os cálculos apresentados superestimam as eventuais perdas, o que não favorece o diálogo na busca de um consenso.
O argumento de que os limites do Simples no Brasil já são superiores aos dos demais países não leva em conta o mais importante: o fato de que a diferença de tributação e burocracia entre as empresas menores e as grandes não é tão grande como no Brasil. Assim, nos outros países, ao passar de um regime para outro, o impacto é menos traumático do que aqui.
Quanto a considerar a Empresa Simples de Crédito como agiotagem, é preciso, primeiro, definir os termos, como dizia santo Agostinho.
O que é agiotagem em um país em que se tem juros de até 300% ao ano? Acho difícil que a Empresa Simples de Crédito possa vir a praticar agiotagem em níveis tão elevados. Esse projeto nos remete à experiência dos brasileiros que cresceram no interior de seus Estados, onde funcionava o crédito informal.
Vamos seguir os conselhos de Fernand Braudel: liberar a criatividade e deixar aspequenas empresas seguirem em frente, pois virá delas a superação da crise.
GUILHERME AFIF DOMINGOS, 71, é ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República