Um projeto de Nação

26 de julho de 1993
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Minhas senhoras, meus senhores,

Por honrosa delegação de meus companheiros, assumo agora o comando da Confederação das Associações Comerciais do Brasil. É distinção que me desvanece, mas que também me atribui grandes e graves responsabilidades.

Passo a presidir uma das mais antigas entidades nacionais que, além de representar os empresários brasileiros, é um dos mais importantes e eficientes instrumentos de defesa da cidadania. Ressalto esse aspecto porque sabemos todos o quanto vêm sendo sacrificados os direitos políticos e civis do indivíduo, em um país no qual Estado e Nação seguem caminhos diferentes, senão divergentes.

Somos histórica e essencialmente liberais. Nossas associações, criadas há mais de 170 anos, congregam democraticamente os empresários, com uma trabalhosa mas indeclinável missão: defender os interesses nacionais e promover o desenvolvimento, através da livre iniciativa e da economia de mercado. São práticas que as ideologias miúdas e a visão preconceituosa punham sob suspeita, mas que se impuseram, no mundo moderno, com os melhores caminhos do progresso econômico e social.

Ao contrário do que o nome parece indicar, as Associações não se ocupam apenas do comércio. Elas abrangem toda atividade, empresarial que, no passado, intitulava-se, genericamente, de comércio, porque os órgãos de registro dos atos empresariais chamam-se até hoje, no Brasil, juntas comerciais.

Assim, as Associações Comerciais e, por consequência natural a própria Confederação, reúnem por adesão voluntária, empresários do comércio, da indústria, da agricultura, de serviços, de instituições financeiras e também profissionais liberais ligados à atividade produtiva. Abrangem micro, pequenas, médias e grandes empresas.

A nossa base de operação é o município, no qual estamos presentes não só como representantes da atividade empresarial, mas também como entidades que se ligam, intimamente, às ações comunitárias, dando atenção especial às de natureza cívica, filantrópica e benemerente.

Somos hoje cerca de mil e seiscentas Associações Comerciais. Atuamos nos principais municípios brasileiros, mas também nos de pequeno e médio portes, os quais são considerados, por importantes estudos sociológicos, como as células sadias de nosso combalido organismo social.

Falamos em nome de mais de dois milhões de empresários, que formam a base de nosso sistema em todo o território nacional.

Minhas senhoras, meus senhores.

O senhor Presidente da República, Itamar Franco, nos deu o prazer e a honra de comparecer a esta solenidade.

Quero crer que a sua presença pode ser vista como um encorajador sinal de interesse e de reconhecimento pelo nosso trabalho, nos estados e municípios de todo o Brasil. Não devemos desiludi-lo. Seria incorreto. Não podemos desiludi-lo. Seria impatriótico.

É de registrar, ainda, o fato de estarem hoje conosco várias autoridades. Não acredito que elas aqui viessem caso tivéssemos, em algum momento, traído princípios ou frustrado expectativas. Recusamos a retórica do engano. Optamos, faz tempo, pela linguagem do destemor, da clareza e da mais completa sinceridade.

O Presidente Itamar Franco vive a riquíssima experiência de ter sido prefeito de uma cidade do interior. Acompanhou, com o rigor que lhe é habitual, o trabalho da Associação Comercial de seu município. Este tipo de vivência muitas vezes falta nos centros de poder, que pretendem nos desconhecer porque não participamos das estruturas corporativas, herdadas do estado centralista – lamentável herança deixada pelo fascismo.

Somos  frequentemente excluídos de reuniões; não nos querem nas Câmaras Setoriais; não nos convidam para o debate de pactos nem para o exame de projetos de interesse nacional. É uma discriminação que, tão odiosa quanto qualquer outra, só nos aborrece porque é prejudicial ao país.

Senhor Presidente,

Vossa excelência é homem de alma simples e só pessoas com essa virtude têm a grandeza de reconhecer a importância dos pequenos que, somados, constroem um país como o nosso.

Se, muitas vezes, não conseguimos ir até o poder, Vossa Excelência nos distinguiu, vindo até nós.

Agradecemos de todo o coração a presença de Vossa Excelência, dos senhores governadores, ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores e demais autoridades, companheiros e amigos.

Companheiros e companheiras,

A crise que hoje vivemos e sofremos, no Brasil, não é, na verdade, de natureza econômica. Trata-se, isto sim, de grave crise política, que vem provocando a deterioração do quadro econômico, com fortes e dolorosas repercussões sociais.

Nos últimos anos, perdemos excepcionais oportunidades de ajustar e de reformar, estruturalmente, o Estado, principal fator de desequilíbrio econômico e social como consequência do lamentável divórcio entre a sociedade e sua organização político-institucional.

Dados recentes do IBGE demonstram que a atividade econômica no Brasil, hoje em dia, é cinquenta por cento subterrânea e cinquenta por cento formal. É um descalabro que tende a agravar-se, caso os finalistas de plantão teimem em rotular de sonegadores os que são apenas sobreviventes.

O modelo de Estado aqui implantado passa por aprofundada crise e leva a Nação a buscar, cada vez mais, os seus próprios caminhos. A ruptura entre os dois é total.

Como o processo de empobrecimento do país é gradativo, mas sistemático, fomos nos habituando, aos poucos, com o vergonhoso quadro de miséria, da fome, da falência da saúde pública, da violência crescente, da degradação dos costumes, das crianças abandonadas e já agora fuziladas.

Será que o episódio da Candelária não basta para despertar a nossa indignação?

É desolador constatar que aceitamos, como sendo normal, uma situação inconcebível em um país que dispõe de todos os recursos para dar certo. Nós nos acostumamos também, e a tal ponto, com a inflação que só falta agora comemorarmos quando ela estabiliza na casa dos trinta por cento.

O que falta é vergonha.

Na área econômica, as empresas – especialmente as micro e pequenas empresas – graças à competência e à pertinácia dos homens e mulheres que as dirigem, lutam para sobreviver à recessão; aos juros elevados; a um sistema tributário burocrático, massacrante e iníquo, a encargos sociais que incidem, de maneira insuportável, sobre a folha de pagamento; e a um clima de incerteza que aumenta demasiadamente os riscos.

O que resulta de tudo isso? As empresas encolhem, os empregos desaparecem, as insolvências crescem, o desestímulo aprofunda-se.

O desalento é ainda maior quando o Estado, para resolver seus problemas de caixa, tenta arrancar dos contribuintes mais e mais tributos, em vez de tapar os ralos pelos quais escoam os recursos da União.

Nesse afã, confunde os que deliberadamente sonegam para enriquecer, com os inadimplentes ou informais, que são vítimas da crise que ameaça desmantelar o País.

A grande maioria das pequenas e médias empresas que devem ao fisco ficou sem alternativa. Com a recessão, a alta taxa de juros e a perda das margens de lucro, gerada pela queda do poder aquisitivo da população, teve de optar: ou paga impostos, ou paga salários e salda seus compromissos com os fornecedores.

É um brutal erro de enfoque, repito, confundir aqueles que são sonegadores por vocação com os que são inadimplentes ou informais por necessidade.

É preciso corrigir as distorções que os levaram à informalidade e à inadimplência. Querer exterminá-los é, no mínimo, um contra-senso.

Reduzir a carga tributária, ampliar a base de tributação, reduzir, urgentemente, o número de tributos – eis aí o pacto da produção e do emprego que a Nação está esperando.

Precisamos de uma política tributária.

Estamos fartos da polícia tributária.

Não bastasse esses obstáculos, há uma outra razão para tanto estímulo. É a cultura da especulação que exaure o país. Ela transforma aqueles que trabalham e investem na produção em verdadeiros “otários”, enquanto os “espertos” enriquecem na jogatina financeira que se instalou no Brasil.

Chegamos ao disparate de tolerar a entrada do capital externo, que vem antes para especular em nosso mercado de capitais, sem gerar um só emprego, mantendo todas as restrições ao investidor estrangeiro que tem real interesse em aqui produzir e ampliar o nosso mercado de trabalho.

A ética do trabalho é desfigurada pela ótica do ganho fácil e rápido. Tudo isso tem uma causa: a inflação.

E não se esqueçam. Foi a inflação que, neste século, inventou o totalitarismo.

A advertência justifica-se. No cenário da crise brasileira, já surgem as primeiras vozes a pregar soluções extremadas.

Temos que demonstrar à sociedade que a descrença nos políticos não deve servir de motivo para qualquer tipo de retrocesso e sim para que façam grandes transformações.

A legislação partidária e eleitoral, por exemplo, precisa ser reformulada, para criar reais condições de governabilidade. Se a classe política não der respostas rápidas e convincentes à sociedade, há de ver a democracia apodrecem em suas mãos.

A revisão constitucional, em boa hora prevista pelos constituintes de 88, poderá garantir, se bem feita, a modernização e o crescimento do país. Esta é a única maneira de combatermos a causa básica da inflação, que é o descontrole do setor público.

Nos últimos três anos, o Brasil perdeu três grandes oportunidades de tornar-se contemporâneo de seu tempo.

A primeira, com a “Nova República”, por fatalidade; a segunda, com a Constituinte, por imprevisibilidade; e a terceira, com a eleição direta para Presidente da República, por falsidade.

Temos agora uma nova e decisiva oportunidade com a revisão constitucional.

Senhor Presidente,

Diz o provérbio que “três coisas não voltam na vida: a palavra proferida, a seta desferida e a oportunidade perdida”.

Vossa Excelência recebeu uma herança infeliz, com um país em crise moral, política e econômica; e um Estado desarticulado e falido. Muitos lhe fazem justiça ao lhe reconhecer fina sensibilidade para perceber as angústias do povo; outros porém o criticam. Acham que Vossa

Excelência faz oposição ao seu próprio governo, quando, temos certeza, o senhor está se opondo a um sistema que impede qualquer um de governar.

Senhor Presidente,

O trabalho de revisão constitucional, previsto para outubro, e – por paradoxal que possa parecer – a própria crise em que vivemos lhe dão a oportunidade histórica de mudar esse quadro e de reacender a esperança do povo brasileiro.

O resultado do plebiscito de abril indicou, claramente, que a Nação deseja um presidente que a conduza. Assuma, pois, Senhor Presidente, o comando do movimento das reformas já. Lidere uma forte oposição às estruturas cartoriais e corporativas, cuja única preocupação é manter intocados os seus privilégios.

O destino confiou-lhe esta missão. Vossa Excelência tem a força interior e a sensibilidade para cumpri-la. Lance as bases de um projeto de Nação.

O fundamento desse projeto para o Brasil para o Brasil deve ser a descentralização. Que a União não faça o que os estados podem fazer melhor; que os estados não façam o que os municípios podem fazer melhor; e que nenhum deles faça o que o cidadão e a sociedade podem fazer melhor.

Com essa distribuição de funções, o Estado tornar-se-á enxuto e suficientemente forte, para ser, nesse processo, mais juiz e menos parte.

O curto prazo de duração de seu mandato e a complexidade dos problemas estruturais do país não permitirão que Vossa Excelência realize todas as obras que desejaria.

O importante, no entanto, é preparar o Brasil para chegar, o mais rapidamente possível, ao pleno desenvolvimento. Sabemos que, para tanto, não lhe faltam espírito público, desprendimento e coragem. Se entregar ao seu sucessor uma nação financeiramente saneada, institucionalmente moderna e moralmente recuperada, Vossa Excelência terá cumprido o seu compromisso com a história.

Diz o Eclesiastes que “há tempo para todo propósito debaixo do céu”. Tempo de plantar e tempo de colher. Agora é tempo de plantar. É o seu tempo, Senhor Presidente.

Companheiros e companheiras

Temos a consciência de que estamos preparados para dar, ao Presidente da República, todo o apoio de que ele venha precisar.

A partir desse momento, a Ação Empresarial começa a ser mobilizada. Em cada município, vamos motivar as lideranças comunitárias com a nossa mensagem, para juntos levarmos aos parlamentares da região o que temos a propor e a reivindicar.

Acreditamos que o Brasil, uma vez liberto das amarras do atraso institucional e político, poderá dar, a curto prazo, um salto histórico na direção do terceiro milênio.

Muitos afirmam que a década de 80 foi perdida. De fato, ela nos impôs pesados sacrifícios, mas nem tudo se perdeu. Aprendemos, na base da sociedade, a viver com mais sabedoria e a trabalhar com mais eficiência.

As empresas brasileiras estão até enxutas demais.

Na livre iniciativa, o relacionamento entre capital e trabalho evoluiu no confronto para a cooperação. Não faz muito tempo, sociólogos e economistas julgavam que essa evolução, por ser teoricamente contraditória, jamais poderia ocorrer. Provamos que a contradição era aparente. A luta pela sobrevivência ensinou-nos o real sentido da solidariedade.

Existe, atualmente, um clima favorável para elaborarmos juntos, capital e trabalho, um projeto de nação capaz de conciliar desenvolvimento com justiça social.

O Brasil foi o país que mais cresceu, entre 1870 e 1987, o que demonstra a sua indiscutível vocação de prosperidade. Para que não se destrua essa vocação, basta saber mobilizar e administrar os recursos disponíveis.

Tão logo consigamos superar o atraso político e a desatualização institucional, com as reformas e revisões desejadas, faremos com que o Brasil retome o desenvolvimento, que é o novo nome com que o mundo rebatizou a paz.

Senhor Presidente Itamar Franco,

Reitero-lhe o meu apelo: que Vossa Excelência lidere as reformas que se fazem necessárias.

Reafirmo-lhe que as Associações Comerciais estarão a seu lado e ao lado do Congresso Nacional.

O desafio lançado à classe política é muito claro: criar condições para que o País volte a crescer. Acelerar o nosso desenvolvimento será tarefa dos empresários, juntamente com os trabalhadores.

Essa é uma dívida que nós temos com as gerações futuras.

Esteja certo, Senhor Presidente, que saberemos honrá-la e resgatá-la.

 

Posse Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB) – Rio de Janeiro – 26/7/1993

 

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