Salário mínimo e colapso da Previdência

17 de fevereiro de 1995
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Aprovado pelo Congresso Nacional, o aumento do salário mínimo para R$ 100 colocou o governo numa verdadeira sinuca de bico. Ou vetava o aumento, expondo-se ao desgaste da opinião pública, ou sancionava a lei, comprometendo os já falidos cofres da Previdência e agravando o déficit público, estopim da inflação.

O aumento do salário mínimo não é um problema para a iniciativa privada, mesmo porque são poucas as empresas que pagam menos de US$ 100 a seus empregados. Uma pesquisa realizada pelo Sebrae entre 1.028 micro e pequenos empresários constatou que 77% do segmento concorda com a medida aprovada pelo Congresso. Para os empresários, o aumento do salário mínimo não é um bicho de sete cabeças. Pelo contrário, o problema é do governo, que não tem recursos para pagar o aumento para os quase 15 milhões de aposentados.

Os micro e pequenos empresários entendem que a iniciativa privada não apenas pode pagar, mas precisa pagar salários melhores para elevar o nível de consumo interno e da atividade econômica, criando emprego, renda e riquezas para o país.

Se põe diante do governo um terrível dilema, a elevação do salário mínimo pelo Congresso coloca, oportunamente, em debate um dos maiores problemas estruturais do país, que é o colapso da Previdência Social. Bastam poucos dados para evidenciar a falência de nosso sistema previdenciário. Concebida para dispor de uma relação de 14 contribuintes ativos para financiar cada inativo, a Previdência Social encontra-se hoje estrangulada pela relação de apenas 2,5 contribuintes para cada aposentado. Nos países em que o sistema funciona com relativa eficiência, esta relação nunca é inferior a cinco contribuintes por inativo.

No caso brasileiro, a situação vem-se agravando desde a Constituinte de 1988, com a expansão dos benefícios sem a correspondente elevação das receitas. Só entre 1992 e 1993, os gastos com benefícios cresceram 44,3%, enquanto a arrecadação da Previdência aumentou apenas 20,4%. É por estas e outras que o buraco na Previdência Social não deverá ser inferior a US$ 2,5 bilhões este ano, sem contar os gastos adicionais caso o governo sancione o aumento do mínimo para US$ 100.

Somam-se a estes problemas todas as outras distorções de nosso sistema previdenciário: as aposentadorias precoces; os privilégios de servidores públicos, principalmente do Legislativo e do Judiciário; os gastos das estatais com os fundos de previdência dos funcionários; as aposentadorias rurais que representam 25% das despesas com benefícios, enquanto as contribuições do setor não passam de 2% das receitas da Previdência Social. Sem falar, evidentemente, na rapinagem dos recursos do sistema pelas quadrilhas de gatunos, pela incompetência da burocracia, por desvios, desperdícios e sonegação.

Os pequenos e microempresários que responderam às pesquisas do Sebrae estão convictos de que, sem a reforma da Previdência, é impossível estabelecer um salário mínimo digno, para garantir a sobrevivência dos assalariados e dos aposentados mais humildes e não agravar o déficit do Tesouro Nacional.

Propostas não faltam, nem exemplos internacionais que podem ser adaptados à realidade brasileira. Criado em 1981, o novo sistema previdenciário chileno atraiu os trabalhadores aos fundos de pensão, que hoje estocam recursos calculados em US$ 23 bilhões e representam 42% do PIB do país. Com a nova Previdência, baseada na opção dos trabalhadores entre 22 diferentes empresas que administram estes fundos, o valor médio da aposentadoria do trabalhador chileno subiu de US$ 120 para US$ 280. O governo apenas fiscaliza o sistema e não mete a mão nos recursos (como costuma ocorrer no Brasil para tapar outros buracos no Orçamento). As fraudes também desapareceram.

O colapso da Previdência Social mostra que muitas leis, que aparentemente ajudam o trabalhador, na verdade cavam a sua própria sepultura. O problema exige patriotismo, coragem e ousadia do governo e dos congressistas para enfrentar o corporativismo retrógrado dos que querem manter seus privilégios, com o pretexto de defender os trabalhadores.

 

Publicado na Folha de S.Paulo, em 17/02/95

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