Quando a saída para a crise é virar patrão

17/10/2016
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O aumento do desemprego tem levado muitos brasileiros a passar para o outro lado do balcão. São pessoas que, diante da escassez de vagas, decidem assumir o chapéu de patrão e montar seu negócio. Esse movimento tem impulsionado o segmento de franquias, cujo faturamento cresceu 7,9% no primeiro semestre do ano, ante igual período de 2015, para R$ 68,8 bilhões, no momento em que o país ainda enfrenta os efeitos da recessão. O segmento tem se tornado não apenas uma alternativa de renda para um grupo de desempregados como um novo nicho de mercado para os bancos. Santander e Banco do Brasil, por exemplo, criaram este ano divisões voltadas para franqueados, com opções de financiamento e serviço de consultoria.

Especialistas alertam, porém, que investir numa franquia requer cuidados. O investimento inicial para colocar de pé uma única loja varia de R$ 5 mil a R$ 80 mil, considerando taxa de franquia (taxa de adesão à rede de franqueados), recursos para abertura da unidade e capital de giro. O cálculo é da Associação Brasileira de Franchising e considera microfranquias. Para gigantes, como a rede de fast-food Habib’s, o aporte fica na casa dos milhões. Além disso, o tempo para obter retorno do investimento, independentemente do tamanho do empreendimento, pode variar de um ano e meio a três anos. Também é preciso evitar modismos e ter em mente que trabalhar com uma marca consolidada no mercado não é garantia de sucesso.

Para Claudio Tiegui, diretor de inteligência de mercado da ABF, o segmento tem atraído mais gente porque quem quer se tornar empreendedor, muitas vezes, tem receio de começar do zero: — As franquias têm modelo de negócio já testado e marca consolidada. O risco é menor do que você montar um negócio próprio do zero. Além disso, você pode ter apenas uma loja, mas ela faz parte de uma rede. Com isso, a negociação com fornecedores é mais vantajosa, pois se tem escala. Numa crise, você precisa cortar custos.

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE ALUGUEL

Segundo Tiegui, já há redes que estão negociando até aluguéis das lojas em grupo com administradoras de shoppings. Vantagens como essas não apenas atraem iniciantes como também favorecem as franquias existentes. O índice de mortalidade no setor é de 4,4%, percentual que tem se mantido estável nos últimos anos. Hoje, há cerca de 140 mil lojas de franquias no país, alta de quase 10% no número de operações em relação ao primeiro semestre de 2015.

— Toda vez que há uma crise, o setor de franchising cresce, pois há mão de obra qualificada que deixa o trabalho formal para empreender. Há também crescimento da receita das unidades já existentes, pois o sistema de franquias tem resiliência dadas as suas características, como o custo de gestão reduzido — diz Tiegui.

Atentos a esse crescimento, alguns bancos decidiram montar equipes voltadas especialmente para franqueados. Desde o início do ano, o Banco do Brasil mantém uma central de gestão e apoio às franquias com 26 pessoas. A iniciativa faz parte do programa BB Franquia, que teve crescimento de 14% em 12 meses encerrados em junho de 2016 na sua carteira de crédito. As linhas de financiamento vão desde capital de giro a suporte para compra de equipamentos. O Santander montou equipe com este objetivo em janeiro passado. O banco formata convênios para atender franqueados e franqueadores. São mais de 150 já firmados.

— Se é necessário reformas as lojas de uma rede, por exemplo, negociamos condições especiais para os franqueados. É uma forma de atender a franquia como um todo — diz Marcelo Aleixo, superintendente executivo de Pequenas e Médias Empresas do Santander.

Os empresários que não conseguem apresentar as garantias exigidas pelos bancos podem recorrer ao Fundo de Aval da Micro e Pequena Empresa, criado pelo Sebrae em 2015 para o setor de franquias. O fundo tem convênio com Santander e Bradesco e viabilizou R$ 34 milhões em empréstimos para 458 franquias, desde que foi criado.

— Selecionamos os franqueados pela qualidade do projeto e do produto — diz o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.

Ney Souto, de 30 anos, foi um dos que buscaram nas franquias uma solução para o desemprego. Formado em Administração e ex-atleta, ele ficou desempregado em janeiro de 2015, quando a diretoria do Clube Botafogo mudou. Souto, que já havia jogado em times cariocas na adolescência, trabalhava na área administrativa do clube. Decidiu, então, investir numa unidade da Mr. Fit, rede de fast-food saudável que nasceu em Paulínia (SP) em 2013 e hoje tem 56 unidades no país.

— Estava com medo de começar do nada. Achei que era importante ter um suporte no negócio. Acabei escolhendo a Mr. Fit porque sempre me preocupei com alimentação e fui ligado a esporte. Percebo uma tendência do consumidor de se preocupar com a qualidade de vida — diz Ney.

Ele e o irmão investiram R$ 180 mil para abrir uma loja em Copacabana, inaugurada há um ano e dois meses e que tem três funcionários. Nas contas de Souto, o negócio já se paga, mas ainda não gera renda para o empresário. Para pagar as contas, ele tem apoio da mulher, que trabalha numa multinacional de cosméticos.

IDENTIFICAÇÃO COM A FRANQUIA É FUNDAMENTAL

A escolha do segmento onde se pretende investir é um ingrediente fundamental na receita de sucesso dos franqueados, dizem especialistas. Primeiro porque o desempenho dos segmentos varia. Segundo dados da ABF, o que reúne esporte, saúde, beleza e lazer lidera a expansão do setor, com alta de 15% no faturamento no segundo trimestre, ante igual período do ano passado. Acessórios e calçados vem em seguida, com aumento de 10%.

Além disso, para elevar as chances de o negócio ser bem-sucedido, o conselho de dez em cada dez especialistas é escolher uma franquia com a qual o empreendedor se identifique.

— Você vai passar horas do seu dia se dedicando ao negócio. É bom que você se identifique com a marca e estude bem o ponto onde pretende abrir a loja, de modo que outros franqueados da mesma rede ou negócios concorrentes não atrapalhem seu desempenho — diz Marcio Quintella, coordenador do MBA de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas, que também alerta para o volume de investimento exigido. — Quanto menor o risco ou melhor a franquia, mais investimento. É preciso escolher o que cabe no bolso e evitar modismos e sazonalidades. Uma loja de sorvete, por exemplo, não vende a mesma quantidade de picolés no inverno e no verão.

Fonte: Jornal O Globo

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