PSD será partido com visão de independência

4 de julho de 2011
Tamanho da fonte Zoom in Regular Zoom out


O vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, já foi do Partido Liberal (PL), pelo qual concorreu à Presidência da República, em 1989, e obteve a sexta colocação, com 3,2 milhões de votos. Seguiu a maior parte de sua trajetória política pelo Partido da Frente Liberal (PFL, desde 2007 como DEM), sempre associado ao ideário do Estado mínimo. Agora às voltas com a criação do PSD, partido que servirá para muitos como janela de adesão ao governo do PT em âmbito federal, Afif, em entrevista ao Valor, revisa sua trajetória e faz a defesa de um Estado forte, embora “não gordo”, que atenda às necessidades da nova classe média emergente no Brasil, consumidora de saúde e educação públicas. Diz não ser favorável a privatizações nestas áreas.

Avalia que as dificuldades enfrentadas pela presidente Dilma Rousseff junto ao Congresso Nacional, onde tem maioria, se dão pela ausência de rumo do governo: “Você tem uma base ampla sem um objetivo claro. Por falta de objetivo, essa base acaba trabalhando muito mais te pressionando. Eu já previa isso”.

Afif evita críticas ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que o demitiu, em abril, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. E diz que, em São Paulo, “por uma questão histórica”, muito dificilmente PSD e PT estarão juntos na eleição pela prefeitura da capital, em qualquer um dos turnos. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor foi do Partido Liberal (PL, hoje PR), depois do Partido da Frente Liberal (PFL, hoje DEM) e agora cria o PSD, que não se diz de direita, nem de esquerda. O Estado mínimo, defendido por partidos liberais, está ultrapassado?

“[Aliança] com o PT [em São Paulo] é mais difícil, pela tradição, mas pode acontecer em outros Estados”

Guilherme Afif Domingos: A minha tese sempre foi a de fazer um Estado forte, que não é Estado gordo. É aquele que cumpre a missão fundamental. Eu quero a educação nas mãos do Estado, distribuída nos seus níveis. Porque eu não passo toda a educação fundamental para os municípios, com recursos, tecnologia, para efetivamente atenderem essa demanda? É papel do Estado, não estou falando em privatização ou terceirização do ensino, de jeito nenhum. Estou falando de delegação de ensino nos vários níveis de poder. Na saúde, fazer prevalecer um sistema de SUS com mais recursos, e não recursos desviados para uma série de outras funções que não deveriam estar aqui [no Estado]. Função da Justiça é indelegável e precisamos de uma Justiça que funcione. Segurança pública então, meu Deus, o cidadão não vai andar armado. É o maior investimento que você tem que fazer para garantir os direitos e obrigações. E infraestrutura básica, esta sim delegável, fazendo PPPs, concessões, levando em conta que o que é público, eu posso ter concessão desde que eu faça o subsídio da tarifa. Agora, porque eu tenho que pegar grandes recursos públicos para fazer hidrelétricas? Para fazer ferrovia, se eu poderia atrair os capitais privados e só trabalhar em cima de subsídio? É porque tem muita mamata nesse jogo, tem muito consultor nesse jogo.

Valor: PT e PSDB estão de olho no eleitorado da nova classe média. Como o senhor avalia o impacto político destes novos estratos?

Afif: É uma classe que ascende ao consumo. Que antes só consumia leite. Agora toma iogurte. É uma classe que passa a aspirar uma casa própria, uma geladeira, um fogão novo. Mas tenho quase certeza que é uma consumidora de educação pública. De saúde pública. É a principal consumidora de segurança pública. Que, por sinal, formam os quatro deveres fundamentais do Estado, além da Justiça, de trabalhar por igualdade de oportunidades. Em segundo lugar, há a consciência de que ele é um pagador de impostos. Tudo que você carregar em cima da empresa vai compor o custo de um produto final. No fim das contas, quem paga é o consumidor. Esta máquina arrecadadora pesa em cima de quem consome.

Valor: E como o PSD vai propor melhorar a prestação de serviços do Estado coibindo a sanha arrecadatória?

Afif: Você não parte para a ideia de reduzir impostos de cara. Se não atacar antes o problema de custos e desperdício do Estado, você vai criar uma condição terrível, que é a volta da inflação – menos arrecadação com o mesmo gasto. Aí a classe que mais sofre é essa, porque ela volta ao consumo básico, porque é a que menos tem condição de se defender.

Valor: O corte de gastos deveria ser onde?

Afif: Primeiro na estrutura dos desperdícios e aí eu volto ao princípio de você chamar Estados e municípios para nós estudarmos delegações específicas para efeito daquilo que deve ser feito. É racionalizar o processo de gastos.

Valor: Mas o que pesa nos gastos do governo é Previdência, programas sociais. Vai cortar aí?

Afif: Previdência no Brasil era superavitária, portanto o Brasil tinha investimento. O superávit da Previdência era carreado para o processo de investimento. Hoje é zero. Qual foi a atitude tomada para mudar o desbalanceamento total da previdência do funcionalismo público em relação à do cidadão comum? Partir para uma medida radical, mexer para trás. Isso é um erro que o [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso] cometeu lá em 1994 e os governos continuam cometendo. Quando você mexe para frente, não berram, porque ninguém entrou. Nesses últimos 16 anos, o que não entrou de gente na máquina pública com os mesmos privilégios agravados do problema da aposentadoria?

Valor: Com que prefeitos o PSD já fechou para as eleições de 2012?

Afif: É cedo para falar. A primeira etapa foi trazer lideranças, especialmente do Congresso, porque o deputado federal é a medida de fundo partidário, tempo de TV. E cada um está trazendo os seus estaduais e seus prefeitos.

Valor: Mas, se pensarmos em um prefeito do DEM, por exemplo, que queira mudar para o PSD, porque vislumbra ser parceiro da base de governo, está cansado de viver à míngua, sem contatos com ministérios, como convencê-lo que poderá fazer isso se a principal liderança, o prefeito Gilberto Kassab, bate de frente com um homem forte do governo, Gilberto Carvalho, como no caso do ex-ministro Antonio Palocci?

Afif: Não acredito que tenha havido qualquer estremecimento por causa disso. O Kassab é o cara que tem mais diálogo com o governo. O PT mesmo falou pra parar de discriminar o PSD. Só o PT municipal [de São Paulo] continua. O PT veio pro centro, acabou esse negócio de radicalismo, sabem que, para crescer, tem que fazer aliança.

Valor: E a briga com o Alckmin? O PSD tem aliciado aliados preferenciais dos tucanos nos municípios paulistas?

Afif: Não é verdade. Vou explicar por quê. Foi o Estado onde nós menos fizemos carga. Para acabar com essa história de que é mais um partido paulista. O PSD está nascendo forte em 20 Estados. Será forte em São Paulo, mas acho que a equipe do governador [Alckmin] fez uma má-avaliação, quando do surgimento do partido, de que ele seria oposição ao governo, quando era na verdade uma dissidência ao DEM, não ao PSDB. Todo este carnaval está sendo feito pelo remanescente do DEM. É o medo que eles têm de surgir um partido forte, porque se decretou, efetivamente, a decadência do DEM. Nós mexemos com as placas tectônicas da política brasileira.

Valor: É verdade que o governo de São Paulo está ameaçando deixar à míngua os prefeitos que migrarem para o PSD?

Afif: Pode estar acontecendo no nível das lideranças regionais, mas, por iniciativa do governador, duvido. Tanto que tenho o melhor relacionamento com o Alckmin. As circunstâncias que me afastaram da secretaria foram muito mais por pressão do DEM e do entorno do governador. Eu tenho diálogo permanente com o [secretário da Casa Civil, Sidney] Beraldo. O meu diálogo com o governador vai logo, logo permitir a ele entender que o PSD é um parceiro importante em São Paulo.

Valor: Mas vai ser um possível parceiro tanto do PSDB quanto do PT em São Paulo?

Afif: Com o PT é mais difícil, pela tradição, mas pode acontecer em outros Estados como, por exemplo, na Bahia, onde o Otto Alencar é vice-governador de Jaques Wagner. Em São Paulo pode acontecer em prefeituras pelo interior, como já acontecia com o DEM. Em Carapicuíba, por exemplo, o prefeito é do PT e o vice, do DEM. No interior, só há dois partidos: “nós” contra “eles”. Na capital é mais difícil. Mas numa eventualidade de segundo turno é possível.

Valor: Em 2012, supondo que o candidato do PSD não chegue a segundo turno, que seja entre Serra e um candidato do PT, quem vocês apoiarão?

Afif: José Serra, sem dúvida.

Valor: Então não tem essa chance de aproximação com o PT?

Afif: Depende. E se for o contrário? E se um candidato da nossa coligação for ao segundo turno e o PT vier conosco? Pode acontecer.

Valor: Eduardo Jorge seria esse candidato?

Afif: É um exemplo. É uma figura adorável, amigo do Serra e defende, com equilíbrio, a causa ambiental em meio a um bando de desequilibrados da bandeira verde. Mesmo não sendo do partido, pode fazer parte do nosso bloco.

Valor: E se o segundo turno for entre um candidato do PT e um tucano do secretariado de Alckmin, como Bruno Covas ou José Aníbal, vocês apoiarão quem?

Afif: Eu acho mais difícil partir para hipótese do PT, por ser um adversário mais histórico.

Valor: Como o senhor vê o embate dentro do PSDB, entre os grupos de Serra e Aécio Neves?

Afif: Eu gosto muito do Serra, o acho uma grande figura, mas ele arriscou o tudo ou nada na candidatura à presidência. Não tinha nem plano B. As reivindicações dos dois lados são legítimas.

Valor: Como o senhor rebate as críticas à falta de ideologia do PSD?

Afif: Sempre disse que esses carimbos, de esquerda e direita, são coisas do século passado. Onde já se viu o PT defendendo privatização de aeroporto? Estão acanhados pra burro, mas defendendo.

Valor: Que prejuízos o senhor viu e que consequências teve ou terá para a base do governo Dilma essa crise pela qual o governo federal passou com a saída do Palocci?

Afif: Uma vez eu li “A tirania do status quo”, do Milton e Rose Friedman, no qual eles diziam que nas democracias os governos têm um ano de estado de graça, que é o primeiro, no qual ele está vindo da transfusão de votos, então tem força. E vejo que o governo Dilma perdeu muito rapidamente este primeiro ano. Com esta visão errática. Se for tentar fazer no segundo ano já não consegue. As reformas fundamentais estão sendo rapidamente sacrificadas.

Valor: Isso não prejudica o projeto do PSD, que surgiu muito como um partido parceiro?

Afif: Mas quem disse que ele é parceiro de um projeto? Ele pode ser parceiro de um projeto que venha ao encontro do anseio de um partido emergente. Primeiro, não somos beligerantes. Segundo, não somos automaticamente adeptos. Queremos ser um partido com uma visão de independência, não beligerante.

Valor: Qual é sua opinião sobre uma das teses correntes que afirma que essa primeira crise do governo Dilma ocorreu porque a base é ampla demais e difícil de satisfazer? Uma base tão grande acaba levando à paralisia?

Afif: Se você sabe para onde quer ir você consegue usar uma base tão ampla para traçar o caminho. Então, isso é que preocupa. Você tem uma base ampla sem um objetivo claro. Por falta de objetivo, essa base acaba trabalhando muito mais te pressionando do que você a pressionando.

Valor: Esse é um dos problemas do governo Dilma?

Afif: Acho que é o maior. A ausência de rumo. Eu já previa isso. É uma manutenção, um “déjà vu”, aquilo que já estava sendo feito, os programas sociais…

Valor: Que rumo o senhor esperava que ela tomasse e está demorando a tomar?

Afif: Ter um controle dos gastos públicos visando o enxugamento de estrutura, abrindo campo para o investimento.

Entrevista publicada pelo Valor Econômico em 04/07/2011

Deixe um comentário!