Precisamos mudar a face do Brasil

27 de março de 2003
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Senhor presidente, senhor governador, autoridades civis, militares e eclesiásticas, meus senhores e senhoras, companheiros de diretorias e conselhos, amigo Alencar Burti.

Recebo a presidência da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de São Paulo, entidades que fazem parte da história de São Paulo, do Estado e do Brasil.

Retorno após 20 anos. Não posso, como o poeta, dizer que volto “ao ninho antigo”, porque jamais me afastei dessas entidades. Percorri outros caminhos nesse longo período em que deixei a presidência, mas sem delas me desvincular.

Fui deputado constituinte, candidato à Presidência da República, candidato ao Senado, presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil e do Conselho Deliberativo do Sebrae nacional. Mantive sempre, no entanto, estreita ligação com a Associação e com a Federação, seus diretores e conselheiros, e defendi os mesmos ideais que norteiam a atuação dessas entidades.

Como empresário do ramo segurador, enfrentei e enfrento as dificuldades de todo empreendedor brasileiro: a de administrar uma empresa em um ambiente de grande instabilidade e volatilidade, o que me permite conhecer suas angústias e aspirações.

Se me perguntarem por que voltei, posso responder como Thomas Jefferson: “Gosto muito mais dos sonhos do amanhã, do que da história do passado”. Como ainda mantenho a capacidade de sonhar com um Brasil melhor, e acredito poder dar minha contribuição à frente da ACSP e da Facesp, volto com todo entusiasmo.

O Brasil mudou muito nesses vinte anos, o mundo mudou com a globalização das economias, as associações mudaram e eu também mudei. Embora os ideais continuem os mesmos, basta olhar para meus cabelos para ver que eu mudei. O entusiasmo da juventude é agora temperado pela experiência. O eu cedeu lugar ao nós. A crítica agora é acompanhada de sugestões. As cobranças, por exemplos e ações. Motiva-me não o cargo, mas a causa.

Mudanças representam o estado natural das organizações, qualquer que seja sua natureza – família, empresa, nação – ou, como diz Fritjof Capra, os “sistemas vivos”, que somente com a morte deixam de mudar. Mudanças implicam sempre em desafios, riscos e oportunidades. O Brasil necessita acelerar o processo de mudanças. O mundo continua avançando muito rápido, e as distâncias que nos separam das nações mais desenvolvidas estão aumentando. Temos urgência, sobretudo, porque os problemas econômicos e sociais que o país enfrenta são muito graves e exigem medidas profundas para sua solução. Não podemos continuar a aceitar a exclusão de parcela expressiva da população brasileira dos benefícios do desenvolvimento ou, mesmo, de condições mínimas de uma existência digna.

Não adianta procurar culpados por essa situação. Somos todos responsáveis por ela. A indiferença ou omissão das elites ao longo do tempo. Políticas econômicas equivocadas. A negligência com a educação. A tudo isso se somou a voracidade de grupos predadores que se apropriaram de benefícios injustificáveis à custa do estado e, portanto, da população, especialmente da mais pobre. Agora resistem em perdê-los, invocando “direitos adquiridos”. Privilégios não podem ser considerados “direitos”. Eles ferem o princípio da igualdade entre todos, base do regime democrático.

Meus senhores e senhoras. Companheiros e companheiras:

São grandes os desafios que o Brasil deve enfrentar. Quando digo o Brasil me refiro não apenas ao governo, mas a toda sociedade. Os empreendedores de São Paulo estão dispostos a assumir sua parcela de responsabilidade na tarefa de mudar a face do Brasil. Equivocam-se aqueles que consideram que os empresários brasileiros sejam movidos apenas pelo “egoísmo” ou pela busca incessante do lucro, embora essa motivação seja legítima, quando exercida dentro dos limites da ética e do respeito às leis. Se eles agissem apenas como maximizadores de resultados, seria mais racional vender as empresas e aplicar os recursos no mercado financeiro, isto lhes asseguraria alto rendimento sem risco e sem esforço. Teríamos, então, o que um velho amigo meu chamou de “capitalismo hermafrodita”, que é estéril, no qual dinheiro gera dinheiro, ao invés de produção, empregos e consumo.

Na verdade, outros valores pesam na decisão de criar e manter um empreendimento. Seja a auto realização, a concretização de um sonho ou uma ideia, o sentimento de independência, ou o desejo de servir a comunidade, gerando riqueza, atendendo suas necessidades ou aspirações.

Em sua atividade diária, submetida à votação constante dos consumidores, a qual pode determinar seu sucesso ou fracasso. O empresário exerce uma importante função social, infelizmente não reconhecida por muitos segmentos da sociedade. Além disso, com a liderança natural de sua atividade, participam os empresários intensamente da vida de suas comunidades.

Pesquisa realizada com cerca de oito mil diretores e conselheiros das associações comerciais do Estado de São Paulo demonstrou que mais de 75% deles prestam trabalhos voluntários em entidades assistenciais, esportivas ou culturais.

Quando um humilde comerciante fala com orgulho de seu pequeno “negócio”, ele tem razão de orgulhar-se, porque etimologicamente negócio significa a negação do ócio, significa trabalho e só o trabalho constrói.

Senhor presidente,

Vossa Excelência lançou o programa Fome Zero como um marco de sua política social, cujo simbolismo tem servido para despertar muitas iniciativas por parte da sociedade, e ao qual nos aliamos decididamente.

Senhor presidente, meus senhores, minhas senhoras,

O mundo assiste à uma guerra cujos desdobramentos são imprevisíveis, mas cujos efeitos negativos sobre a ordem mundial e a economia das nações já se fizeram sentir. O Brasil também enfrenta uma guerra de desdobramentos imprevisíveis com a atuação cada vez mais abrangente e ousada do crime organizado. Ele não mais se limita às ações tradicionais dos criminosos – tráfico de drogas, contrabando, roubos e assaltos – que são praticadas em larga escala e com alto grau de sofisticação e organização. Procura impor à sociedade a sua “lei” punindo com a morte aos que não lhe obedecem ou aos que procuram enfrentá-lo. Confiamos que a ação do governo, incluindo todos os níveis e esferas, seja rápida e efetiva no seu combate.

Mais grave, contudo, é a guerra invisível, silenciosa e quase despercebida, que o “quarto setor”, o crime organizado, trava contra a sociedade ao corromper e atrair a juventude brasileira.

Lares em que existe o conforto material, mas onde faltam valores, dialogo, disciplina, são destruídos pela atração do jovem para o uso das drogas, com todas consequências físicas e morais que comprometem a vida dos atingidos pelo vício. De outro lado, expressivo contingente de adolescentes que não encontram na escola, no trabalho ou em outra atividade a sobrevivência e a perspectiva de uma vida melhor, é recrutado pelo mundo do crime, que lhes oferece a ilusão do presente e a destruição de seu futuro.

Se não vencermos a batalha da reconquista da juventude, não apenas teremos perdido a guerra contra o crime organizado, mas, também, a da construção do futuro da nação.

Essa é uma tarefa urgente que exige não apenas o esforço isolado de cada um de nós, mas um trabalho sistemático e organizado que possa potencializar todas iniciativas.

Senhor presidente, senhor governador,

A honrosa presença de vossas excelências a esta solenidade, bem como a participação de tantos companheiros de entidades empresariais, demonstra que governo e setor privado podem, e devem, trabalhar juntos no objetivo comum de promover a inclusão social.

O Brasil possui uma das legislações mais restritivas para o trabalho dos jovens, dificultando sua participação na “escola do trabalho”, mas não consegue impedir que muitos deles, por falta de opções, sejam cooptados pela “escola do crime”, por isso a associação e a federação, por iniciativa de Alencar Burti e em parceria com a Refbraf- Rede Brasileira de Entidades Assistenciais, que congrega mais de setecentas instituições, lançou o movimento Degrau, um projeto de “inclusão social”.

Seu primeiro, Programa de Convivência e Aprendizado, objetiva colocar 120 mil jovens em aprendizado assistido nas empresas do Estado de São Paulo, desafio que deverá ser atingido até o final do ano, graças à receptividade que vem encontrando junto aos empresários paulistas.

Pretende-se oferecer aos jovens, com o Convivência e Aprendizado, a ética do trabalho, noções de disciplina, o espírito empreendedor e o recebimento de uma renda mínima, porém importante – propiciando-lhes oportunidade, esperança e, sobretudo, autoestima.

Confio que os empreendedores econômicos de São Paulo, junto com os empreendedores sociais das entidades que integram a Rebraf, irão colaborar para que o Programa de Convivência e Aprendizado atinja suas metas. Isto representará um gigantesco programa de “distribuição de renda” para a família dos menores assistidos, totalmente financiado pelo setor privado, além de incluir milhares de jovens no mundo do trabalho, abrindo-lhes oportunidades de progresso. Esperamos desenvolver novas etapas do Movimento Degrau, no sentido de propiciar a “inclusão social” a um maior número de pessoas.

Senhor presidente,

O Programa de Convivência e Aprendizado pode ser complementado pelo projeto do Primeiro Emprego, que vem sendo anunciado pelo governo. Se cada micro e pequena empresa deste país assegurar a um jovem a primeira oportunidade como aprendiz, estaremos dando um largo passo para a inclusão social.

Meus companheiros e companheiras de entidades empresariais

Fritjof Capra afirma que todas as formas de vida – desde as células mais simples, até as sociedades humanas, suas empresas e estados nacionais, até mesmo a economia global – organizam-se segundo o mesmo padrão e os mesmos princípios básicos: o padrão em rede. Segundo ele, “na era da informação – na qual vivemos – as funções e processos sociais estruturam-se cada vez mais em torno de redes e que a organização em rede tornou-se um fenômeno social importante e uma fonte crítica de poder”.

A Associação Comercial de São Paulo se constitui em uma rede, que conta com quinze sedes distritais na capital e faz parte de uma rede maior, a Facesp, que congrega 400 entidades no Estado. Esta, por sua vez, se interliga com a Confederação das Associações Comerciais do Brasil, formando uma “rede de redes” de mais de 2.000 associações espalhadas por todos os rincões do país, com mais de 2 milhões de empresas associadas espontaneamente. Além disso, elas participam da RIPC, Rede de Informações e Proteção ao Crédito, que engloba cerca de 1.800 serviços de proteção ao crédito que cobrem todo território nacional e, com sua parceria com a Rebraf, constituem malha de organizações independentes, que podem, por intermédio de suas redes interligadas, ser acionadas para a busca de objetivos comuns. Essas redes possuem grande capilaridade e poder de mobilização dos empreendedores.

O que desejamos é integrar essas redes com as demais redes constituídas pelas entidades empresariais, para uma atuação conjunta, e uma ação coordenada, não apenas na defesa das reformas macroeconômicas, mas, também, na luta por uma revolução que leve à desburocratização da atividade empreendedora, revivendo o sonho de Hélio Beltrão de que o cidadão honesto não precisaria mais de certidões, declarações e autorizações para obter qualquer registro ou documento.

As reformas são complexas e seus resultados somente se farão sentir no médio e longo prazos, embora sua aprovação produza efeitos benéficos sobre as expectativas dos agentes econômicos nacionais e internacionais no curto prazo. A redução da burocracia pode propiciar benefícios imediatos permitindo aumentar a produção e o emprego. Senhor presidente, desfralde esta bandeira e conte com o apoio dessa imensa rede.

Meu caro Alencar

Apresento, em nome de todos os empresários paulistas os agradecimentos por sua dedicação e competência na presidência da ACSP e da Facesp nos últimos quatro anos, o que nos dá a certeza de recebermos as nossas entidades preparadas para enfrentar os desafios que surgirão.

Não queremos, no entanto, abrir mão de sua colaboração, pelo que, de público, desejo homenageá-lo, convidando-o a continuar a presidir o Movimento Degrau, para que o mesmo mantenha o dinamismo de sua atuação. Queremos aproveitar para agradecer a todos os membros das diretorias e conselhos das entidades, os quais, sob sua liderança, colaboraram para o engrandecimento da Associação e da Federação.

Senhor presidente, senhor governador, meus senhores e minhas senhoras,

Assumo a presidência da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de São Paulo visando colaborar para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e com a certeza de que, com a participação de todos, esse objetivo será alcançado.

Senhores diretores e conselheiros,

Iniciamos, a partir de hoje, a gestão dos destinos da Associação e da Federação, tarefa que compete a todos agora empossados. Grandes são os desafios que deveremos enfrentar, mas acredito que teremos êxito na medida que sejamos, como dizia Gramsci, “pessimistas na análise e otimistas na ação” sendo, ao mesmo tempo, “realistas e utópicos, combinando o ceticismo da razão, com o necessário otimismo da vontade”.

 

Posse na Associação Comercial de São Paulo e Federação de Associações Comerciais e Empresariais do Estado de São Paulo – 27/3/2014

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