Memorial em defesa da MPE

4 de maio de 1982
Tamanho da fonte Zoom in Regular Zoom out

A Associação Comercial de São Paulo que, desde sua fundação já quase secular, jamais se omitiu nos momentos decisivos de nossa história, vem trazer a público seu integral apoio ao Presidente João Figueiredo na sua obra histórica de reconduzir o País à plena democracia.

A Entidade que ora se manifesta não é constituída apenas de comerciantes agrupados em defesa de interesses específicos. Somos realmente uma associação de empresários de todas as categorias que defendem a livre empresa como condição estrutural básica de uma sociedade aberta, democraticamente organizada. E como empresários livres, queremos participar ativa e conscientemente da reestruturação institucional da democracia brasileira, pela qual se bate o Senhor Presidente da República.

Temos perfeita consciência de que, na fase de transição pela qual passamos, não se apresentam apenas perigos de perturbação social em decorrência de fatores políticos e econômicos de origem interna ou principal-
mente externa. Uma sociedade que entra em agitação na
procura do próprio equilíbrio pode sofrer colapsos morais gravíssimos, capazes de levá-la à desagregação. Estamos conscientes, também, de que o mundo moderno vai se perdendo na pobreza de um deplorável utilitarismo materialista. Toda a grandeza da civilização ocidental se abastarda no esquecimento dos seus valores mais altos.

Ninguém desconhece, nesse contexto, o enorme salto histórico do Brasil, que se elevou, em poucos anos, à condição de novo país industrializado. Ninguém desconhece, também, os desajustes gerados pela rápida mudança de antigas estruturas sociais.

A tendência natural de imitar exemplos que nos vinham de fora levou-nos ao fascínio das concentrações desmesuradas. Concentrações urbanas, concentrações de aglomerados econômicos estatais e privados, concentração institucional do poder político e econômico.

Não é, entretanto, no gigantismo das organizações que iremos encontrar o campo favorável para a evolução coerente e sadia da cultura brasileira. Somos ocidentais, mas dentro do Ocidente temos uma forma cultural específica de evoluir. Não é copiando modelos sociais constituídos entre povos que tomaram rumos históricos compatíveis com a própria formação, que iremos restabelecer condições propicias às verdades pelas quais o Brasil quer viver.

O imenso espaço nacional garante ao Brasil, na variação de climas diversificados, inúmeras vocações econômicas regionais. Surge daí a possibilidade do florescimento de múltiplas variações de ordem cultural na unidade essencial de uma nação que já definiu na história sua inconfundível identidade.

Nada, porém, deve perturbar a manifestação autêntica das profundas aspirações nacionais. A ecologia humana brasileira é naturalmente contrária à exclusividade das descomunais concentrações acima apontadas, exatamente porque, em seu imenso território, se faz necessária a riquíssima floração de pequenas organizações espontâneas de agrupamentos humanos, entre os quais a família se mantém, sempre, como a célula mais viva do tecido incomensurável das inter-relações sociais. As concentrações excessivas, comprometendo o equilíbrio ecológico da paisagem humana brasileira, operam como neoplasia maligna que acaba destruindo as possibilidades convivenciais do organismo comunitário nacional.

Somos um povo infenso à dominação absoluta da fria burocracia das organizações gigantescas. Somos um povo aberto às relações cordiais entre indivíduos, orientando-se pela liberdade de suas decisões regionalmente diferenciadas. Aos governos cabe, essencialmente, zelar para que essa liberdade reconheça a necessidade de obedecer a instituições sadias de justiça social. Somos um povo que não se adapta a medidas rigidamente impostas para solucionar, em forma genérica, problemas que sua natural sabedoria poderia resolver de maneira original e mais adequada. Somos um povo cioso da sua autonomia regional. Somos um povo que se orgulha de pertencer a uma Pátria Grande, mas que lhe garanta o direito de vê-la e amá-la na perspectiva peculiar das suas múltiplas e diferenciadas comunidades.

Para que se atendam às características de um país como o nosso é preciso desconcentrar. Se for verdade que o Brasil precisa criar aceleradamente novos empregos para sua juventude, parece-nos também verdadeiro que, com esse fim, se devem criar condições favoráveis para que se desabroche a iniciativa particular, na floração incontida de novas empresas de pequeno, médio e grande porte, espalhadas por todo o território nacional. Essas empresas criarão os empregos necessários. E é nessa força que se assenta a possibilidade de restauração de nossas virtudes tradicionais. O fortalecimento da família que se desagrega nas desmedidas concentrações urbanas; a estabilidade e a paz sociais, imunes às tentações pseudo-racionais de ideologias subversivas. É nesse fecundo viveiro existencial que pode renascer a paixão da vida brasileira de “criar filhos, ideias, instituições”. Paixão comedida, disciplinada por visão educacional mais clara da realidade em que vivemos.

Ideólogos haverá contrários ao que ora se propõe. A nós nos cabe responder-lhes que o solo nacional, semeado de empresas de vários portes, geradas pela criatividade brasileira, é o campo propício à coragem de abrir os olhos para as contingências difíceis do Brasil e do mundo. É o lugar para o fomento das qualidades individuais do homem que aceita o risco da existência e se faz, por isso, moralmente superior. Este é o momento de criar condições essenciais para o fortalecimento da vida familiar, estímulo da convivência democrática orientada pela Lei Moral definida em nossa formação histórica.

As enormes organizações econômicas, já implantadas, não precisam de mais apoio e estímulo. Cumpram elas a sua missão no setor limitado de sua razão de ser. Sua razão, porém, não se identifica com a imensa razão de uma sociedade que se quer exprimir na plenitude cultural específica de sua convivência comunitária.

Nas desmesuradas concentrações urbanas, resultantes do desvio de uma visão mais profunda da cultura brasileira, é que se revelam os sintomas mais graves das patologias sociais que ameaçam as civilizações. A miséria, a prostituição, o tóxico, o crime alçam aí, impudentes à hediondez de sua repulsiva presença. As megalópoles modernas constituem seu campo ideal de fermentação.

Em discurso recente, o Senhor Presidente da República alertou a Nação para a “escalada do obsceno e do pornográfico” que avassala o País. Cabe-nos, a nós todos, participantes da comunidade nacional, zelar pela ordem moral que tem de prevalecer para que nossa sociedade não se desintegre. Normas éticas essenciais devem se manter como condição necessária da estabilidade social. Cabe-nos, pois, defender as formas ideais da nossa sociedade para restabelecimento das virtudes tradicionais do Brasil.

Tenhamos a digna coragem de aceitar o diagnóstico que o psicólogo Jung faz da modernidade, apoiado em sua imensa experiência genialmente interpretada: “A perda de raízes e a falta de tradição – diz ele – fazem neuróticas as massas e as preparam para a histeria coletiva. A histeria coletiva apela para a terapia coletiva, que consiste na abolição da liberdade e no terrorismo. Onde o materialismo racionalista assume a direção, os Estados tendem a desenvolver-se, menos na forma de prisões do que na de asilos para lunáticos”.

A detenção da escalada do obsceno deve, pois, começar na consciência generalizada de que estamos diante de uma evolução social distorcida. Aceitemos as palavras presidenciais como advertência de que nenhuma sociedade humana se mantém em convivência estável quando perde a orientação de uma ética superior que a discipline.

Para que a Lei Moral, norteadora da cultura brasileira, possa reativar sua benéfica atuação em favor da nobre realização do destino nacional, cabe impedir as distorções da nossa organização social. Sua ênfase, insistimos, não se deve colocar preferencialmente no favorecimento do gigantismo massificador das concentrações de toda ordem. É preciso reconhecer o mérito incontestável dos pequenos empreendimentos e das pequenas comunidades onde germina, como fonte pura, a criatividade de um povo que se desenvolve orientado por suas tradições.  A massificação é o caldo da cultura ideal para instituições totalitárias.

E é no plano empresarial, principalmente, que a Associação Comercial de São Paulo, com profundo conhecimento de causa, solicita ao Presidente da República especial atenção para o fomento da pequena e média empresa, foco permanente de uma sadia atividade econômica que irradia seus benefícios para todos os planos da nossa convivência social. Apelamos, pois, para o digníssimo Chefe do Estado Brasileiro para que volte sua atenção para essa categoria de empresas. Não se nega que os sucessivos governos posteriores a 1964 lhes tenham dado apoio, através de organismos especialmente criados para esse fim. Mas é preciso fazer mais. É preciso ver na pequena e média empresa uma grande força, não só como irrigadora da economia nacional, mas como fator preponderante de estabilidade e harmonia sociais. É preciso que se estabeleça uma política da pequena e média empresa.

É certo que uma nação só se torna potência industrial quando adota grande economia de escala. Mas tudo quanto é grande tem de apoiar-se em pequenas bases estruturais. Não há edifício que não dependa dos tijolos que, um a um, o integram.

A Associação Comercial de São Paulo e a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, que congrega quase duas centenas de entidades congêneres de todo o Estado, com uma representação de muitos milhares de empresas, abrigo de milhões de brasileiros, se fazem agora porta-vozes dos que não tinham voz para alcançar os escalões mais altos do Poder Público. Somos, hoje, ouvidos por um grande Presidente da República que, como nós, se preocupa, acima de tudo, com os perigos de uma Nação que volta a procurar os caminhos difíceis de sua liberdade política. O melhor que podemos dar de nós mesmos ao Presidente de quem a Nação tanto espera é dizer-lhe claramente o que pensamos. A linha seguida no passado para o desenvolvimento econômico brasileiro não é mais compatível com o fortalecimento das pequenas comunidades integradoras da nacionalidade. E, a nosso ver, a democracia brasileira que renasce não terá sua sustentação decisiva nas grandes concentrações de poder social, político ou econômico. O cerne infrangível da nossa liberdade política tem sua sede nas pequenas comunidades regionais comunidades familiares, políticas, beneficentes, culturais -, que têm sua condição de possibilidade existencial na prosperidade das empresas que brotam da imaginação criadora de empresários nacionais.

Essa é a contribuição que a Associação Comercial de São Paulo e a Federação das Associações Comerciais de todo o Estado oferecem, juntamente com seu irrestrito apoio, ao insigne Presidente João Figueiredo, no empenho apaixonado de, ao lado de Sua Excelência, servirem ao Brasil.

São Paulo, 4 de maio de 1982.

Guilherme Afif Domingos – Presidente da Associação Comercial de São Paulo e Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

 

Deixe um comentário!