Mais complexo

30 de novembro de 2016
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Pouco mais de dois anos após ter as regras alteradas, com a inclusão de 142 atividades naquela que foi batizada de a “universalização” do Simples Nacional, o regime simplificado de tributação foi novamente modificado. A sanção do presidente Michel Temer à Lei Complementar 155/2016, no final de outubro, vai transformar de maneira profunda o regime, com alterações nos limites de enquadramento de pequenas empresas, a supressão de tabelas, o enxugamento nas faixas de faturamento e até a permissão de aportes de investidores-anjo nos negócios de menor porte.

Uma das principais alterações que constam na lei é a ampliação do teto de faturamento para enquadramento das pequenas empresas no regime. Na prática, foi criada uma faixa de transição de até R$ 4,8 milhões de receita bruta anual que permitirá que as firmas que extrapolem o limite vigente, de R$ 3,6 milhões de receita/ano, não sejam obrigadas a migrar imediatamente para o lucro presumido. A medida tende a minimizar o fenômeno da “pejotização”, prática comum de muitas empresas do segmento que leva à proliferação de CNPJs para evitar a saída do regime.

A grande crítica – que vale para praticamente todas as alterações da lei – é que a medida passa a ter efeito somente em 1º de janeiro de 2018. “No contexto geral, a alteração do limite é benéfica aos empresários. Mas, como entra em vigor apenas em 2018, o novo limite já nasce defasado em R$ 600 mil ou R$ 700 mil, considerando apenas o impacto da inflação. As empresas continuarão proibidas de crescer”, opina o diretor político-parlamentar da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon), Valdir Pietrobon.

A proposta de mudança no limite de enquadramento das microempresas, dos atuais R$ 360 mil para R$ 900 mil de receita anual, foi vetada. No caso do Microempreendedor Individual (MEI), houve majoração do teto de enquadramento de R$ 60 mil para R$ 81 mil anuais. A proposta inicial do projeto de lei era que o limite de faturamento das pequenas empresas fosse ampliado para R$ 7,2 milhões. Com o temor de perda da arrecadação, considerando o que deixaria de ser arrecadado com a migração de empresas do lucro presumido para o Simples, a Receita Federal pressionou para que a ampliação se limitasse aos R$ 4,8 milhões. O Fisco estima que a mudança no teto do Simples pode gerar um impacto de R$ 3,34 bilhões para os cofres da União.

O “novo” Simples prevê também que as empresas que ultrapassarem o teto de R$ 3,6 milhões vão se deparar com mais burocracia no recolhimento dos tributos. Isso porque serão obrigadas a apurar e pagar os impostos estaduais (ICMS) e municipais (ISS) a partir desse limite em guias separadas, a exemplo do que ocorre com um optante do lucro presumido. “Até por conta da crise, há necessidade das secretarias de fazenda estaduais e municipais em receber suas receitas de forma direta, sem esperar os repasses do governo federal. O contribuinte poderá ter até três guias de recolhimento”, explica o advogado tributarista do Moreau Advogados, Pierre Moreau. “A burocracia aumentou”, completa Pietrobon.

A partir de 2018, haverá redução de seis para cinco no número de anexos (tabelas) que acomodam as empresas conforme a área de atividade: uma para comércio, uma para indústria e três para serviços. Com isso, foi extinto o anexo VI, criado na esteira da modificação da lei em 2014 e criticado pelas alíquotas elevadas, que partiam de 16,93%. Houve remanejamento de empresas de setores como academias de dança, laboratórios, serviços de medicina e odontologia para o anexo III, com alíquotas mais amigáveis.

Outra alteração foi a redução de 20 para seis faixas de tributação, que definem a alíquota do imposto de acordo com a receita bruta acumulada em um período de 12 meses. Com o maior espaçamento entre as faixas, o objetivo é permitir um estímulo maior para que o empresário eleve seu faturamento sem que ocorra aumento constante – e brusco – de impostos. “Um dos grandes problemas das empresas é que, como a distância entre as faixas é atualmente muito estreita, qualquer aumento no faturamento já implica elevação da alíquota. A empresa fica com medo de crescer”, diz o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.

Em uma análise fria, comparando as tabelas vigentes e as que passam a vigorar em 2018, houve majoração das alíquotas. Para as empresas de comércio, por exemplo, as alíquotas que hoje variam de 4% a 11,61% passam a vigorar entre 4% e 19%. Isso não significa, necessariamente, aumento de carga tributária. Isso porque, a partir de 2018, o Simples prevê uma nova engenharia tributária que emula o modelo adotado no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).

Assim, uma parcela (em dinheiro) será deduzida da base de cálculo do imposto para tornar menos dolorosa a transição entre as faixas de faturamento. Com isso, sai de cena uma alíquota fixa e passa a valer uma alíquota efetiva que determina o imposto devido. O cálculo do imposto ficou mais complexo.

“A complexidade dos cálculos e o fato de a alíquota se tornar mais flutuante trazem dificuldade para o empresário, que nunca compreenderá com antecedência quanto de imposto pagará exatamente”, critica o presidente da Sevilha Contabilidade, Vicente Sevilha Júnior.

Na prática, o especialista diz que a elevação da carga tributária para os empresários será muito pequena, “praticamente nula”. Nos cálculos de Afif Domingos, nas faixas que correspondem a 80% do faturamento das empresas, haverá um valor até menor de tributação na comparação com as alíquotas vigentes.

Uma simulação feita por Regina Vilanova, integrante da Câmara Técnica do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), mostra que, considerando o exemplo de uma microempresa comercial enquadrada no anexo I, com faturamento anual de R$ 300 mil no ano-calendário de 2017 e previsão de faturamento de R$ 360 mil em 2018, o impacto tributário das mudanças é muito pequeno.

A alíquota efetiva passaria de 5,47% (com base no anexo vigente atualmente) para 5,48% (a partir da alteração da lei). A especialista recomenda, entretanto, que cada caso deve ser analisado individualmente junto a um profissional de contabilidade, considerando as especificidades dos setores de atividades, para definir se o Simples continua mais vantajoso do que o regime de lucro presumido.

“Se na análise sobre os dois regimes houver empate, ou uma pequena vantagem para o lucro presumido, ainda assim pode ser mais interessante continuar no Simples, porque é um sistema que unifica a tributação e reduz a burocracia e os custos com obrigações acessórias”, diz. O novo Simples também traz vantagens a prestadoras de serviços com forte perfil empregador. A Lei Complementar 155/2016 permitirá que as empresas atualmente enquadradas nos anexos IV e V migrem para o anexo III nos casos em que a razão entre folha de pagamento – incluindo o pró-labore dos sócios – e a receita bruta igualar ou superar 28%.

Pequenos produtores de vinhos e de cervejas poderão ingressar no Simples, na única inclusão de novas atividades prevista pela lei. No total, a Lei Complementar foi publicada com 17 vetos, com destaque para o ponto que previa a criação da Empresa Simples de Crédito (ESC). A medida abria espaço para a criação da figura do microempreendedor de crédito, que poderia fomentar outros negócios de pequeno porte com recursos próprios, facilitando o acesso desses empreendedores a empréstimos.

As maiores críticas ao modelo eram que, sem uma regulamentação dessa atividade, a ESC poderia estimular a prática da agiotagem. O veto foi pedido pelo Banco Central. “A ESC é uma forma de um cidadão usar sua poupança própria para financiar a produção local. É o microcrédito viável. O BC prometeu que voltará a tratar desse assunto”, afirma Afif Domingos.

Fonte: Jornal Valor Econômico

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