Ex-detentos investem no empreendedorismo

19 de agosto de 2013
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PARÁ – Quando saiu da prisão, após dois anos de detenção, Renard Reis enfrentou o preconceito de ser um ex-detento ao procurar emprego. Com a esposa e dois filhos, somente seis meses após estar solto ele conseguiu emprego no lava-jato de um amigo de infância. “A maior dificuldade que enfrentei para conseguir trabalho depois da prisão foi o preconceito, pois nunca acreditam na mudança da pessoa. Quando a sociedade fecha uma porta, negando uma oportunidade de trabalho, o crime está de braços abertos. É preciso muita determinação em querer seguir uma vida honesta”, afirma.

Renard sentiu o preconceito por ser ex-presidiário dos próprios colegas de trabalho e até mesmo do patrão, o amigo de infância. Foi então que ele decidiu iniciar o próprio empreendimento, para ajudar outros ex-detentos a conseguir trabalho. “O ex-detento passa por um constrangimento muito grande, pois a própria família não tem mais confiança nele. E é preciso que oportunidades de trabalho apareçam para que eles não voltem ao mundo do crime”, ressalta.

Há oito meses Renard conseguiu abrir o próprio negócio. É um dos donos de um lava-jato em Belém, onde oferece serviços de limpeza de automóveis. Um dos ex-detentos que trabalhou no serviço antigo de Renard, atualmente, trabalha também por conta própria prestando serviços de limpeza de veículos para locadoras de automóveis e lava-jatos, inclusive no estabelecimento de Renard, enquanto o outro, em sociedade com a irmã, passou a administrar uma empresa de comunicação que publica um jornal local no município de Benevides.

Atendendo cerca de 260 clientes por mês, Renard obtém um faturamento mensal de R$ 3 a R$ 5 mil e pretende continuar contratando ex-detentos. “Quero expandir o lava-jato para gerar mais vagas, além de indicar outros ex-detentos que aprenderam o ofício para outras empresas de lava-jato e locadoras de veículos. É muito fácil julgar, mas as pessoas não conseguem entender que aquele indivíduo também precisa de ajuda. Muitos querem mudar de vida e precisam de uma oportunidade. Tenho visto até hoje o quanto é difícil conseguir uma e quero poder proporcionar essa segunda chance para que eles não sofram o mesmo preconceito que eu”, destaca.

Gilson Oliveira é o outro dono do lava-jato e conheceu o futuro sócio por intermédio de um amigo que era cliente de Renard, no antigo estabelecimento em que ele trabalhava. Ele também apoia a iniciativa de Renard. “Acredito que todo ser humano merece uma segunda chance. Eu particularmente abraço esta causa, pois muitos voltam para o crime quando não se dá uma oportunidade”, conclui.

Evolução – Theotônio Teixeira aprendeu o ofício de confecção de vassouras com garrafas pet durante os quatro meses em que esteve detido na Colônia Penal Agrícola, de Santa Izabel do Pará. Após a transferência para o Centro de Progressão Penitenciário de Belém (CPPB), em junho do ano passado, ele se aprimorou no ofício, produzindo vassouras na fabriqueta da unidade prisional.

“Enquanto estive preso na colônia, escolhi aprender o ofício de construção de vassouras com material reciclado porque o custo de produção é baixo e o lucro é de quase 100 % sobre o produto”, declara o empreendedor, que atualmente produz cerca de 600 vassouras por mês, com um faturamento mensal que varia entre R$ 2 e R$ 3 mil.

Não foi fácil, porém, abrir o próprio negócio. Theotônio passou quatro meses sem trabalho. Os familiares dele entraram em contato com diversas empresas, mas sempre a oportunidade era negada pelo fato de ele ser um ex-detento. “Já é difícil obter trabalho para quem está livre, imagina pra quem está preso. O preconceito é muito grande. Não são todos os empresários que querem dar oportunidade. Só consegui esse emprego porque o proprietário da empresa já me conhecia antes de ser preso. Eu decidi que queria mudar e não ter essa vida para mim e precisava de uma oportunidade. Se eu não tivesse oportunidade, o crime estaria de braços abertos”, declara.

Theotônio passou quatro anos preso por tráfico de drogas e finalmente obteve o benefício do livramento condicional, em junho deste ano. Enquanto esteve no cárcere, ele refletiu sobre seu futuro e viu no trabalho uma forma de mudar de vida. “Na realidade o crime não compensa, é tudo uma ilusão. Quis uma mudança de vida. Hoje sou evangélico, e vejo as coisas com outros olhos. Nunca vi um traficante envelhecer rico, morrer e deixar os bens para os filhos. Isso não é vida e nem futuro para ninguém. Comecei a trabalhar e vi que isto sim compensa”, afirma.

Para se tornar um microempresário, Theotônio passou a pesquisar sobre fornecedores da matéria-prima das vassouras e entrou em contato com donos de supermercados, mercadinhos e de empresas que necessitam de material de limpeza. O produto foi bem aceito pelo mercado. Com o auxílio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Theotônio obteve informações de como obter o licenciamento da empresa e tirar o certificado de microempreendedor.

Com o auxílio financeiro de familiares, Theotônio conseguiu o capital inicial para mandar fazer os equipamentos da fábrica. Com três meses de funcionamento, a fábrica de vassouras tem oito funcionários (dentre eles um interno do CPPB), distribuídos em três polos de produção, dois em Marituba e um em Belém, no bairro da Sacramenta. Só em Marituba, a empresa de Theotônio fornece vassouras para mais de 15 clientes, entre donos de supermercados e mercadinhos de bairro.

Recomeço – A principal motivação de Theotônio como empreendedor é dar oportunidade de trabalho para outros detentos. Ele planeja aumentar o número de vagas para contratar internos e egressos com a expansão da fábrica. “Meu projeto é empregar vários detentos e ex-presidiários. A dificuldade que passei foi o maior incentivo para que eu abrisse uma empresa. Muitas pessoas que estão presas querem mudar de vida, mas para isso precisam de uma oportunidade para recomeçar. Quero dar a essas pessoas a oportunidade que eu não tive, para que não passem o preconceito que sofri. Se houvesse mais empresas com esse pensamento, seria uma forma de diminuir a reincidência”, relata.

Rosinaldo Madureira é o primeiro interno a trabalhar na fábrica de Theotônio. Ele aprendeu o ofício de confecção de vassouras com Theotônio no CPPB e trabalha na fábrica desde o começo. Ele auxilia na produção, administração e na procura de novos clientes, apresentando o catálogo de produtos para proprietários de supermercados e comerciantes em geral. De acordo com Rosinaldo, além do município de Marituba, eles já fornecem vassouras para estabelecimentos comerciais de Belém nos bairros da Pedreira, Guamá e Sacramenta, além de Mosqueiro.

Preso há dez anos, sendo três no regime semiaberto, Rosinaldo também é um dos palestrantes do “Papo de Rocha” no projeto “Conquistando a Liberdade”. Ele sempre trabalhou internamente nas unidades prisionais onde esteve custodiado com serviços gerais e era autônomo antes de ser preso. Para Rosinaldo, o trabalho influencia de forma muito positiva para quem está no cárcere. “O trabalho para quem está preso é muito importante, pois ajuda muito a pessoa. Sempre ocupei minha mente em alguma coisa enquanto estive preso e pude evitar muita influência ruim justamente por estar trabalhando”, conclui Rosinaldo.

Segundo a gerente da Divisão de Trabalho e Produção da Susipe, Márcia Gaspar, a reinserção social é a ação voltada à tentativa de transformação do indivíduo, criando uma nova forma de pensar e de agir, preparando-o assim para a realidade da vida em sociedade: “Casos como o de Theotônio nos reforçam a ideia de que o trabalho nas unidades prisionais torna-se o meio pelo qual os internos buscam um oficio e a maneira de mudar sua realidade. Em função disto, estabelecemos convênios com empresas públicas e privadas visando à oportunidade da capacitação do interno, para que logo após cumprir a pena, possa dar continuidade ao oficio que já vinha desenvolvendo e chegue ao mercado de trabalho perfeitamente capacitado”.

Fonte: Agência Pará de Notícias

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