Afif quer ”bater no Sistema”

25 de janeiro de 1987
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Uma ofensiva para mobilizar o Interior e Capital, visando à organização e ao fortalecimento do seu grupo político, servirá para detonar, esta semana, a campanha do empresário Guilherme Afif Domingos e poderá desembocar na sua candidatura ao governo do Estado, em 1990, ou à Prefeitura de São Paulo em 1988. Afif acionou sua equipe para criar células próprias, se possível em cada município do Estado. A ideia é que esta organização e mobilização gravitem em torno do PL, embora o empresário tivesse sido convidado, por Brasília, a assumir o comando do PFL em São Paulo. Por questões de ética, ele não comenta o assunto e nem aceitou o convite.

Sem falar em candidatura própria a um cargo executivo, o presidente da Associação Comercial de São Paulo reuniu parte da sua assessoria anteontem e pediu empenho total na organização do grupo, por entender que sem ela será impossível disputar eleições em condições de igualdade com o PMDB. Aos 43 anos, respaldado por 500 mil votos, Afif vai para o Congresso para “bater no sistema”, caso o governo esteja ao lado do povo, ou “bater no governo”, caso o governo estiver contra o povo, como declarou em entrevista exclusiva a O Estado.

Afif Domingos participou do movimento de contestação à Revolução de 64, ajudando a eleger Paulo Maluf em 1978, quando a Arena, em convenção agitada, derrotou o candidato dos militares, Laudo Natel. Começou ali sua carreira política, primeiro como presidente do Badesp no governo de Maluf e depois como secretário da Agricultura. “Ideias que dão certo” — é a frase que o tem acompanhado nos últimos tempos. Afif Domingos chama de “a farsa do Pacto” a iniciativa de ministros da área econômica, que querem conseguir um entendimento das classes operárias e empresariais com o governo. Segundo o empresário, o Pacto Social proposto por Sarney está enganando o povo. Na entrevista a O Estado, Afif diz que o presidente Sarney se está aproximando dos militares, devido aos erros que o governo vem cometendo.

“O governo colocou empresários e trabalhadores na mesma mesa como se estivessem em litígio, e ele, governo, atuando como moderador”, denuncia Afif, para quem, o que existe na verdade é “trabalhadores e empregadores representando juntos a sociedade em conflito com o governo”. Candidato a vice-governador em 82, na chapa do PDS, encabeçada por Reynaldo de Barros, Afif se elegeu, depois, presidente da Associação Comercial em 1985 foi eleito “Homem de Visão do Ano”, e em 15 de novembro de 86 foi o deputado constituinte mais votado na capital de São Paulo, 280 num total de 500 mil votos. Por isso, é apresentado desde já como candidato natural à sucessão de Jânio Quadros. O coordenador da sua equipe, jornalista Paulo Saab, no entanto, garante que por ora está preocupado apenas com a organização do “Eventuais candidaturas só no momento oportuno”, afirma. Mas, a ideia fixa de Afif é repetir o fenômeno Jânio Quadros em 53, elegendo-se prefeito na garupa da sua boa dialética e forte poder de mensagem na televisão.

Esta organização partidária é parte fundamental da sua campanha para o governo do Estado, que começa antes mesmo da posse do governador eleito de 86?

Acredito que hoje, mais do que nunca, as organizações políticas terão importância estratégica na influência do futuro do País. O político que não se preocupar com a organização da inteligência através de lideranças autênticas, dentro das suas comunidades, vai se perder. Dois casos recentes demonstram essa tese: Olavo Setúbal e Antônio Ermírio de Moraes, figuras importantes do quadro político em São Paulo, que inviabilizaram suas candidaturas porque não tinham máquina política homogênea. Senti este problema na própria pele. Em todas as juntas eleitorais apuradas víamos a militância do PT atuando com extrema eficácia na defesa dos interesses dos seus candidatos, e o PMDB usando a máquina pública para fazer o trabalho de acompanhamento. Vi que existe um enorme vazio de um conceito de organização política moderno, e é por aí que temos que começar o nosso trabalho se aspirarmos a vitórias eleitorais futuras para as bandeiras que defendemos

Insisto: O senhor se antecipa a outros eventuais candidatos a cargos executivos. Sua pretensão, afinal, é a prefeitura em 88, ou o governo do Estado em 90?

O poder para nós é meio. O fim é implantar as ideias que o grupo político defende. Para que não assistamos ao que acontece hoje, onde os grupos que disputam colocam o poder como um fim e depois que chegam a ele agem exatamente ao contrário daquilo que apregoavam. Isto é, no mínimo, um crime de falsidade ideológica. É o poder pelo poder. E quando se unem para tomar o poder pelo poder, não existe aliança, existe cumplicidade. Exemplo: PMDB e PFL. Eles não firmaram uma aliança democrática e sim uma cumplicidade democrática. É muito débil essa aliança porque o objetivo é se manter no poder mesmo a custa de mentiras.

Seu comportamento, depois da eleição, é de quem quer ocupar o espaço de Antônio Ermírio e Paulo Maluf em São Paulo

Eu ocupo um novo espaço, pois, até para minha surpresa, líderes sindicais com os quais tenho mantido contato me confessam que muitos dos membros da categoria que represento, e da própria família, votaram em mim. Portanto, talvez o meu eleitor se confunda com uma parcela do eleitorado malufista, ermirista, quercista e petista

O Afif assume o Congresso para bater no governo?

Bater no sistema. Se o governo estiver aliado ao povo para derrubar o sistema, nós estamos com o governo. Se o governo continuar com o sistema para bater no povo, nós estaremos contra o governo. Aliás, esta tônica se repete da Velha para a Nova República.

Que tese o senhor leva para a Constituinte?

Vamos procurar definir o papel do Estado. Precisamos, urgentemente, descentralizar as funções do Estado para a ação do município e dos Estados, implantando o projeto “olho do dono”, onde os recursos devem ser aplicados perto do “olho do dono”, que é a sociedade. Esta é uma bandeira que consulta o direito do cidadão, que é o direito da cidadania, onde cabe ao cidadão controlar as funções do Estado, e não o Estado controlar as funções do cidadão.

O senhor critica o sistema atual mas fez parte da engrenagem do sistema anterior.

Não. Não porque eu fui o único a nível nacional, que participando acidentalmente de uma estrutura partidária governista, rompeu publicamente com o sistema. Foi em 1983, quando minhas relações com Figueiredo e Delfim Netto se estremeceram, pois mostrei que só tinha compromisso com a minha classe e mais ninguém.

O Pacto Social proposto pelo governo não o entusiasma, não é?

Não, pois o governo se apresenta no Pacto como juiz e é a principal parte, aliás, a parte que criou todo o clima que estamos vivendo. E para continuar enganando o povo criou-se a farsa deste Pacto onde trabalhadores e empresários são colocados à mesa como partes em litígio, e o governo como moderador, quando o certo é trabalhadores e empregadores, representado juntos a sociedade, em conflito com o governo, cobrando dele a sua parcela. Um nordestino disse uma frase que para mim define qual é o Pacto que a Nação deseja: “Nós não queremos que o governo nos dê nada. Nós queremos que ele não nos tire tanto”.

Vai voltar a campanha das diretas-já. É hora de pedir a renúncia de Sarney?

Na crise que atravessamos, em que temos que fazer a travessia de um rio infestado de piranhas e jacarés, uma fortíssima correnteza, o presidente Sarney é a única estaca institucional civil na qual podemos amarrar a corda. Sem esta estaca institucional, corremos o risco de ser tragados pela correnteza, que nos levará ao estado de anarquia, que vai exigir a intervenção da lei da ordem, voltando tudo ao que era.

Tem gente dizendo que os civis da Nova república fizeram mais besteira em um ano que os militares em vinte.

Temos que dividir os militares em dois grupos. Os da ativa e aqueles que, na reserva, se misturaram ao estamento estatocrático. Na verdade, o sistema não mudou, pois a Nova República foi o resultado de um acordo para que os que estavam antes permanecessem, e os novos viessem para manter as conquistas sociais e nacionais conseguidas por esses grupos. Foi a grande mudança para mudar muito pouco. Os autênticos militares foram injustamente acusados deste estado de coisas. As Forças Armadas, como instituição, são ainda a coluna mestra de uma tradição de organização no País e, infelizmente, eu não posso dizer o mesmo dos partidos políticos. Por isso, eu reafirmo o que disse sobre a necessidade de uma organização civil institucionalizada, para darmos descanso às Forças Armadas, na sua função de garantir a lei e a ordem.

Por que o presidente Sarney se aproxima mais dos militares?

A medida que o governo começa a se instabilizar pelos próprios erros cometidos, esta aproximação é natural, pois se a lei e se a ordem se acham ameaçadas institucionalmente esta é a prerrogativa. Deixo bem claro: a Lei e a Ordem e não o Decreto-lei.

O Estado de S.Paulo em 25/01/87

Eymar Mascaro

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